Opinião – Cem mil telecentros


Marcos Figueiredo*


O desafio de construir uma malha nacional de telecentros que garanta o
acesso de toda a população à internet de banda larga pode ser atacado
ao se responder uma simples pergunta: “O que seria necessário para
criar 100 mil telecentros no Brasil em cinco anos?” A análise profunda
desta questão trará à tona os desafios enfrentados pelos telecentros
atuais e as medidas necessárias para facilitar a expansão do modelo.
Com 100 mil telecentros, o Brasil pode se transformar no primeiro país
a garantir, a curto prazo, o acesso universal à Sociedade do
Conhecimento. A necessidade de investimento no desenvolvimento dos
elementos que facilitariam o estabelecimento dessa malha nacional em
cinco anos pode ser demonstrada em uma analogia com o programa Um
Laptop por Criança. Não tivessem sidos os milhões de dólares na
pesquisa e desenvolvimento das tecnologias que permitem a fabricação de
um laptop de US$ 100 e sua produção e distribuição em massa,
não seria possível justificar o projeto, usando laptops e aplicativos
disponíveis hoje no mercado. A diferença é que o projeto de uma malha
nacional de telecentros pode ser feito integralmente com soluções
nacionais, e a totalidade dos recursos aplicados pelo governo ficaria
no país.

O maior desafio na construção de uma malha nacional de telecentros é a
busca por um modelo de telecentro auto-sustentável. Na melhor das
condições, um telecentro auto-sustentável financeiramente seria aquele
que pudesse prestar serviços à sua comunidade, angariando fundos para
pagar pelo investimento em sua criação, pela sua manutenção e pelos
melhoramentos que sejam necessários. No caso dos telecentros privados,
teriam, ainda, que dar lucro. Uma forma de buscar a
auto-sustentabilidade financeira dos telecentros é a prestação de
serviços de telefonia. O serviço de Voz sobre o Protocolo Internet
(VoIP) reduz em várias ordens de magnitude o custo e complexidade de
criação e manutenção de uma estação de telefonia. Essa tecnologia,
aliada à de internet sem-fio (Wi-Fi), possibilitam a instalação no
telecentro de uma estação de telefonia local, que estende os serviços
dos telecentros até as residências. Esse modelo poderá trazer a
auto-sustentabilidade financeira dos telecentros, porque as operadoras
não conseguem, hoje, oferecer telefonia para grande parte da população,
devido ao alto custo dos serviços. Os telecentros podem preencher essa
lacuna, enquanto buscam a universalização do acesso à internet.

Desafios à parte, o movimento de telecentros avança com entusiasmo e
resiliência. Provas da eficiência em realizar seu potencial existem em
grandes números. Um dos exemplos acontece, hoje, no telecentro de
Tombadouro (MG), associado à Rede Gemas da Terra de Telecentros Rurais.
Os voluntários do telecentro publicaram um videoblog, mostrando um
problema com a plantação de laranjas na comunidade. O vídeo foi visto
por um técnico do Ministério da Agricultura em Brasília, que fez o
diagnóstico e enviou por e-mail sugestões para solução do problema de
uma comunidade de cerca de mil habitantes, que vivia isolada antes do
telecentro. Há inúmeras ações dos telecentros no país que demonstram o
avanço da população uma vez exposta às tecnologias de informação e
comunicação. Não é o caso então de esperar mais por uma prova de
eficiência do modelo de telecentro comunitário, e sim de buscar
eliminar os obstáculos que impedem a sua proliferação. Dar força
àqueles que acreditam no modelo compartilhado na busca do acesso
universal à internet de banda larga para construir a desejada Era do
Conhecimento.


* Pesquisador em
computação de alta-performance do Centro Goddard de Vôos Espaciais da
Nasa, diretor do Centro de Informática Comunitária do Loyola College em
Maryland e fundador das ONGs Rede Gemas da Terra de Telecentros Rurais,
brasileira, e Gems of the Earth Network, norte-americana.

marco@gemasdaterra.org.br – O artigo sintetizado pelo autor. A íntegra está em wwwgemasdaterra.org.br/modules.php?name=New&file=article&sid=175