opinião – Direitos autorais e compartilhamento em rede

Direitos autorais e compartilhamento em rede
Luisa Marques Barreto

 

ARede nº 83 – agosto de 2012

DUAS QUESTÕES fundamentais estão por trás das discussões sobre a modificação dos acordos nacionais e supranacionais que regulam os direitos autorais: a necessidade de ressignificação da ideia de propriedade intelectual voltada para o ciberespaço e a legalização do compartilhamento. A lei de direitos autorais está ultrapassada devido a uma mudança estrutural no modelo de produção e distribuição dos bens culturais, em função da desmaterialização dos suportes; e por conta de uma crise no modo como se pensa a valorização da cultura em aspectos mais amplos, ou seja, considerando usuários e consumidores também como produtores de conteúdo.

A correlação de forças entre compartilhamento e pirataria em projetos de lei como o Sopa, Pipa e Acta, por exemplo, favorece o argumento do compartilhamento como ilegal e como roubo de copyright. Para evitar essa indistinção, assim como pensar novas formas de licenciamento que incluam os interesses de autores e usuários, grupos acadêmicos do Brasil, juntamente com integrantes da sociedade civil, participaram do processo de revisão da lei direitos autorais brasileira, 9.610/98, e sugeriram importantes mudanças para a criação de um novo anteprojeto de lei.

Os principais pontos a serem revisados giram em torno dos artigos 5, 29, 41, 46, 88-B, 99-A e 99-B. Os artigos 5, 29 e 46, que tratam da distribuição e reprodução de bens culturais e da necessidade de autorização de uso por parte do autor, destacam a questão da perda do suporte físico na internet que transforma os mecanismos de circulação dos bens culturais e a delimitação das formas de reprodução permitidas e para quais fins. Além disso, enfatizam o papel dos novos modelos de licenciamento, como as licenças públicas Creative Commons.

Integrantes do CTS-FGV e da sociedade publicaram no site Compartilhamento Legal (www.compartilhamentolegal.org) uma proposta de remuneração autoral que não se baseia na proibição do compartilhamento, mas no pagamento por parte dos usuários de uma taxa módica, de até R$ 3, para provedores de acesso. Estes deveriam repassar os valores referentes aos direitos autorais para associações coletivas de gestão de direitos, que ficariam responsáveis por aperfeiçoar as técnicas e mecanismos de aferição sobre a circulação das obras e fazer o repasse aos autores.

O artigo 41, que trata dos prazos protecionais, rediscute a duração da proteção dos direitos após a morte do autor. A lei atual fixa o prazo de 70 anos até que a obra caia em domínio público. A nova proposição sugere que esse período seja encurtado para 50 anos.

Após o término, em abril deste ano, da CPI que estudava os casos de irregularidade no Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), também estão sendo rediscutidos os artigos 99-A e 99-B, que definem as normas para a gestão coletiva de direitos, assim como o papel do Estado na regulação e garantia de transparência das atividades das entidades arrecadadoras. O objetivo é que o Estado regule as atividades do Ecad, que ficaria responsável pelos mecanismos de aferição da circulação e da distribuição de direitos na rede, e que a legalização do compartilhamento proposto por instituições acadêmicas e sociedade civil estabeleça um critério de remuneração legal que não prejudique autores e usuários.

Luisa Marques Barreto é jornalista e mestre em comunicação e semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP