Opinião – É preciso ouvir a voz do professorado

Sérgio Haddad é economista, doutor em educação, coordenador geral da Ação Educativa e diretor presidente do Fundo Brasil de Direitos Humanos.

Sérgio Haddad*

A imagem do professorado da escola pública está desgastada. A cobertura da educação na mídia é o espelho desse desgaste. Uma vez ao ano, no Dia do Professor, os meios de comunicação esforçam-se para mostrar profissionais travestidos de heróis — sempre um exemplo individual de uma pessoa boa e comprometida que não exerce uma profissão, mas sim um sacerdócio. No coletivo, como categoria profissional, o professorado de escola pública só aparece na mídia de forma negativa. Quase sempre a ele é imputada a responsabilidade sobre todos os males do ensino: ou é mal formado, ou sem interesse, ou falta muito às aulas, ou é incompetente, ou é corporativo, só pensa no salário e na carreira e não nos alunos ou, ainda, é um coitado, vítima da violência dos alunos.

Quase sempre a voz que aparece nos meios de comunicação é a dos dirigentes ou dos chamados especialistas e nunca do professorado. Entre os “especialistas”, ultimamente, quem mais tem falado são os empresários. Falam do sentido de uma educação para o desenvolvimento e para a economia, criticam o modelo de gestão, falam em produtividade do sistema e em como obter melhores respostas com menores custos. As soluções apresentadas para a melhoria da qualidade são definidas independente dos professores, por cima deles, dando por princípio que são pacientes das reformas e não agentes. Afinal, se são culpados por todos os males, porque então tomá-los em consideração?

O silêncio dos professores e das professoras da escola pública é um reflexo de dois fenômenos complementares: de um lado a desvalorização do trabalho do docente; por outro, a existência de mecanismos repressivos que impedem o seu livre expressar. Uma das formas de tolhimento da voz do professor é o Estatuto dos Funcionários Públicos. Conforme levantamento realizado pelo Observatório da Educação da Ação Educativa, em 18 estados do país professores e outros servidores têm sua liberdade de expressão cerceada. Em dez deles, os Estatutos foram produzidos durante a ditadura militar; nos outros oito estados, as leis já nasceram inconstitucionais, pois foram elaboradas na década de 1990.

Aplicado ou não o Estatuto nos dias de hoje, a grande verdade é que permanece como uma espada sobre a voz pública do professor, condicionando-o a pedir permissão aos seus superiores para poder expressar sua opinião, em particular em relação às políticas dos seus governos. Nesse contexto, as ONGs Ação Educativa e Artigo XIX, junto com a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e Sindicato dos Professores de São Paulo (Apeoesp), lançaram em outubro a Campanha “Fala Educador! Fala Educadora!” (www.livreacesso.net/campanha), que tem por objetivo sensibilizar a sociedade civil e autoridades públicas para a revogação das leis da mordaça, presentes também em inúmeros municípios.

Em janeiro de 2008, o relator especial da ONU para o direito à educação, Vernor Muñoz, recebeu um dossiê sobre São Paulo e questionou o Itamaraty. A mobilização social na identificação de casos de violação, e na pressão sobre gestores locais é fundamental para colocar fim a esse resquício dos tempos da ditadura militar. A voz do professorado é essencial na construção da educação pública, universal e de qualidade, por isso… Fala educador, fala educadora!


*Sérgio Haddad é economista, doutor em educação, coordenador geral da Ação Educativa e diretor presidente do Fundo Brasil de Direitos Humanos. sergio@acaoeducativa.org