Opinião

Sem culpados e sem inocentes Rodrigo Marcovich Rossoni

ARede nº59, junho 2010 – A chamada Lei da Transparência (Lei Complementar nº 131, de 27 de maio de 2009) é mais um importante instrumento de controle social, pois permite o acompanhamento dos gastos de todos os entes da federação pelo cidadão comum. Ela obriga as esferas governamentais a dar publicidade aos atos administrativos, inclusive por meio da internet. Seus dispositivos, acrescentados à Lei de Responsabilidade Fiscal (nº 101, de 4 de maio de 2000), somam-se a outras regulamentações que visam ao fortalecimento de nossa democracia e à moralização das instituições políticas, como a recém-aprovada Lei da Ficha Limpa (aguardando apenas a sanção presidencial) e a Lei da Fidelidade Partidária.

Há, porém, dois aspectos importantes que devemos analisar, sem diminuir a relevância e a indispensabilidade da lei. O primeiro expõe a ferida aberta da corrupção em nosso país, que, de tão profunda, obriga a sociedade a pagar o alto preço da mobilização para exigir a regulamentação de um preceito constitucional: o da publicidade dos atos governamentais, prevista no artigo 37 da Constituição Federal. Nenhum preceito constitucional pode ser aplicado sem a devida regulamentação.

O fato de que a sociedade precise se mobilizar para obter a regulamentação revela a falta de vontade dos poderes públicos de representar os interesses coletivos, o que acaba por favorecer apenas os corruptos. Assim, a resistência de certos setores à regulamentação de preceitos constitucionais – o que deveria ocorrer espontaneamente – ocasiona um esforço suplementar tanto da sociedade civil como dos legisladores. Ocupados seja pela resistência à regulamentação, seja pelo combate a essa resistência, os parlamentares  deixam de discutir questões prioritárias como as reformas de base, que possibilitariam aos cidadãos o acesso elementar às necessidades básicas de uma vida digna.

O segundo aspecto relevante é o da participação popular. Os portais da transparência, quando funcionais e dinâmicos, são ferramentas importantíssimas para colocar a fiscalização ao alcance do cidadão comum. Historicamente, porém, isso não é exatamente o que se pode esperar da sociedade brasileira. É preciso estimular insistentemente, de forma institucional e organizada, uma transformação cultural para que o hábito da fiscalização seja incorporado ao cotidiano dos cidadãos brasileiros. Assim como o corrupto acredita que seu crime não lesa ninguém, porque não há a personificação direta de quem morre pelo mau uso dos recursos públicos, o contribuinte comete negligência semelhante ao não fiscalizar o que é feito com seu dinheiro, já que os impostos recolhidos estão quase todos ocultos nos preços dos produtos de primeira necessidade. É justamente essa falsa crença de que o dinheiro não sai do nosso bolso que torna a corrupção um crime sem rosto e sem culpados, mas também sem inocentes.

Rodrigo Marcovich Rossoni é secretário social e de marketing da ONG Transparência Capixaba e coordenador da Transparência Capixaba Jovem.