Opiniåo

Novos modos de olhar para as redes Dalton Martins

ARede nº74, outubro de 2011 – Os programas públicos de inclusão digital têm sido criados com diferentes visões de quaisseriam seus objetivos principais, refletindo os diversos modos de pensar e produzir políticas públicas. No entanto, a maioria tem um ponto em comum: cria algum espaço de formação para promover seus valores, que se traduzem por modos de uso e apropriação da tecnologia, seja para seus usuários, seja para quem atua na promoção do programa. A formação se torna uma dimensão fundamental da política, um espaço que pode ser utilizado para que as pessoas pensem no que fazem, nas maneiras como fazem, em que possam conversar e descobrir outras possibilidades de utilizar a tecnologia e se relacionar. De outro modo, a formação também pode ser utilizada para replicar a lógica dos meios de comunicação tradicional, onde poucos detêm o poder de falar e a muitos cabe o papel de repetir os padrões nos quais acabam sendo treinados.

A possibilidade de desenhar, para um programa de inclusão digital, uma formação que vise ativar conversas, encontros, compartilhar valores e facilitar a colaboração das pessoas na definição de objetivos em comum é um avanço singular na construção de uma política. Se queremos nos apropriar das potencialidades oferecidas pelas tecnologias da informação como meio de transformação social, precisamos criar processos onde o maior ganho seja  desenvolver a capacidade de auto-organização das pessoas. Somente a partir daí as redes livres podem surgir, trazendo benefícios fundamentais nos modos como a sociedade se organiza. Do contrário, continuamos a replicar os  processos que criticamos em outras políticas.

As redes não podem ser conduzidas por processos artificiais. As redes surgem onde há desejo autêntico de conversar, vontade de encontrar o outro, liberdade para falar e espaço para produzir algo que não havia sido planejado, pensado, induzido, mas que simplesmente há vontade de fazer acontecer. Garantir esse espaço em um programa de formação não é trivial. Forçar as redes a acontecer é o mesmo que tentar silenciar o burburinho daquilo que, de fato, mobiliza as pessoas, induzindo-as a fazer apenas aquilo que nós achamos que deve ser feito. A formação pode ser um espaço de conversação ou apenas mais um programa de auditório.   

Mas, cabe aqui uma questão: como apoiar as equipes de gestão dessas políticas públicas, para que aprendam com as redes que promovem? O fato é que as redes se tornam não apenas reflexo de um programa de formação, mas, principalmente, um novo modo possível da política se enxergar. Por ter essa natureza, o modo de operação das redes reflete as escolhas da gestão do programa. A forma como a rede surge, a intensidade e a amplitude das conversas tornam-se instrumentos fundamentais de reflexão e avaliação da própria política. Surge assim uma nova dimensão a ser incorporada pelas políticas públicas de formação: a análise e a visualização da rede como um instrumento de gestão e avaliação do grau de liberdade das próprias escolhas. Observar a formação da rede é um modo de perceber os efeitos das escolhas sobre conteúdos disponíveis, modos de relação e abertura a espaços de expressão. A rede pode aprender com sua própria dinâmica, deixando espaço para rever suas apostas, a partir daquilo que foi feito. Para novas questões, novos modos de olhar.

Dalton Martins é pesquisador, cientista da informação e participante da Rede de Formação do programa Telecentros.BR.

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