A internet comercial completa 18 anos este ano. No acesso via dial-up, o modem discava para o provedor que intermediava o acesso. Hoje a “obrigatoriedade” de contratar um provedor para acesso a banda larga passou a ser entendida como um problema, o que na verdade é um grande trunfo a favor da neutralidade e da universalização da rede.
Em 1997 a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) publicou a norma 04/97, anexo à portaria 251 do mesmo ano. Conhecida simplesmente como norma 4, estabelece uma clara separação entre quem fornece infraestrutura e quem fornece acesso, e define a figura do Coordenador Internet, o CGI.br – cujas atribuições estão sendo transpassadas, até mesmo ignoradas, pelos três poderes do Estado. O CGI.br adota o modelo de gestão com representantes do governo, área acadêmica, terceiro setor, sociedade civil e empresarial. Já a Anatel é uma agência reguladora, não subordinada hierarquicamente a nenhum órgão do governo, que apenas indica representantes. Em uma análise simplista, atua sobre as questões de infraestrutura, enquanto o CGI.br atua em questões que envolvem valor adicionado. Também estabelece padrões e critérios para avaliar o desempenho das telecomunicações, incluindo ai os PTTs (Pontos de Troca de Tráfego).
A internet é estratégica para qualquer nação. A defesa de seu caráter livre e colaborativo chega a ser questão de soberania nacional. Durante o 1º Fórum da Internet, realizado em outubro de 2011 em São Paulo, representantes do Sinditeles Brasil, sindicato que representa as empresas de telecomunicações, foram claros em seus posicionamentos contra a neutralidade da internet. A quebra da neutralidade da internet se dá por recursos tecnológicos que analisam os pacotes de dados e estabelecem prioridades conforme seu conteúdo, configurando uma visível violação constitucional. Pode se dar também do lado do provedor de conteúdo, como por exemplo cobrar mais de quem demanda maior banda. Isto transformaria a internet em um modelo semelhante ao de uma TV a cabo, aniquilando o modelo atual que permite criar, compartilhar e remixar sem ter de negociar com ninguém.
Estamos falando de um bloco econômico com grande poder, que durante o debate interministerial provavelmente conseguiu inserir mudanças no Marco Civil da Internet, mesmo após duas consultas públicas. Houve mudanças no artigo 3, parágrafo IV, sobre provimento de acesso, portanto, de valor adicionado; e no artigo 9 da seção 1 do capítulo III, sobre a questão da infraestrutura. As alterações, sutis mas efetivas, acrescentaram a expressão: “Conforme regulamentação”. O ideal é que a frase seja simplesmente suprimida do texto do Marco Civil durante a sua tramitação. Mas a perspectiva de um lobby forte por sua manutenção não pode ser descartada.
E, se passar, quem vai regulamentar? Se a norma 4 for mantida, tanto a Anatel quanto o CGI.br terão participação nesta regulamentação; caso contrário, provavelmente somente a Anatel irá regulamentar. Em ambos os casos é problemático. Teremos um eterno ponto de conflito, pois a regulamentação da infraestrutura irá sobrepujar a do serviço de valor adicionado, criando uma situação em que os maiores beneficiados serão as empresas. A maior prejudicada será a sociedade brasileira, que de jeito nenhum pode pagar este preço.
João Carlos Caribé é publicitário, consultor de mídias sociais e ciberativista.
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