Jorge Bittar*
A
crise deflagrada pelas denúncias de corrupção contra integrantes de
partidos e de governos colocou a reforma política na pauta e despertou
na sociedade um interesse inédito pela atividade parlamentar – há
recordes de audiência nas TVs Câmara e Senado, com transmissões ao vivo
online, e em blogs noticiosos que acompanham as investigações. É a
primeira grande crise nacional acompanhada pela internet, o que lhe dá
grande velocidade e alto grau de repercussão. E que também evidencia o
poder das tecnologias da informação e comunicação (TIC) para a
cidadania. Não por acaso, a proposta de alteração das regras
eleitorais, aprovada no dia 18 de agosto pela Comissão de Constituição
e Justiça (CCJ) do Senado, considerou a internet entre as novas normas:
candidatos e partidos seriam obrigados a publicar na internet,
diariamente, o relatório de recursos recebidos para financiamento das
campanhas e sua destinação.
As atividades da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que
apura as denúncias de corrupção nos Correios podem ser conferidas no
site da Câmara ou do Senado, onde estão descritas todas as demais
comissões em atividade no Legislativo. Mesmo assim, atentos ao
interesse da sociedade, os integrantes da CPMI dos Correios abriram um
site específico para divulgação dos trabalhos – o
www.cpidoscorreios.org.br. Estão lá depoimentos na íntegra,
requerimentos, nomes, telefones e e-mails para contato, e até um espaço
para o cidadão encaminhar denúncias.
Recorrer à internet para prestar contas à população é tendência
irreversível. Já em novembro do ano passado, a Controladoria Geral da
União (CGU) lançava o Portal da Transparência
(www.portaldatransparencia.gov.br), com as aplicações dos recursos do
Orçamento Geral da União. O ministro do Controle e da Transparência,
Waldir Pires, qualificou a iniciativa como uma das formas mais
eficientes de combate à corrupção, sobretudo num país com as dimensões
e as diferenças regionais e socio-econômicas do Brasil. Outro portal
relevante é o Interlegis (www.interlegis.gov.br). Criado pelo Congresso
Nacional, em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID),utiliza internet, videoconferência e transmissão de dados para a
comunicação entre as unidades do Poder Legislativo e com o cidadão,
além de publicar links e informações de utilidade pública. Os próprios
sites da Câmara dos Deputados (www.camara.gov.br) e do Senado Federal
(www.senado.gov.br) trazem telefones, e-mails dos parlamentares, canais
de comunicação, noticiários do Congresso. Sem falar nos sites das
organizações da sociedade civil, que já se articula em múltiplas redes
sociais. São ações bem-vindas, mas que conduzem à pergunta inescapável:
tudo isso para quem? A cidadania migra muito mais depressa para as
mídias digitais do que os cidadãos vão para a rede. Estima-se em apenas
15% o total da população com acesso à internet, concentrados nas
classes A e B. E é fácil visualizar o cenário perverso, resultante do
descompasso entre cidadania e acesso aos novos meios de comunicação.
Essa exclusão é tão grave que o I Encontro Nacional de Direitos
Humanos, realizado em agosto, em Brasília, escolheu como tema o
“Direito humano à comunicação”. Promovido pelo Fórum de Entidades
Nacionais de Direitos Humanos (Fendh) e pela Comissão de Direitos
Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, o encontro produziu a Carta
de Brasília, que, entre outros pontos, defende a diversidade de meios e
conteúdos, o acesso eqüitativo às TICs e a socialização do
conhecimento. Ou seja, é imprescindível que a inclusão digital deixe de
ser tratada como iniciativa acessória, a critério da sensibilidade dos
governos, e seja reconhecida como direito efetivo do cidadão,
assegurado em políticas públicas permanentes. A participação popular e
online nas decisões do país pode provocar mais mudanças nos modos dos
políticos brasileiros do que supõe a nossa vã filosofia.
* Deputado federal (PT-RJ) e membro do conselho editorial d’ARede.