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opinião – O que Jhessica Reia está pensando…

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Cidade, tecnologia e privacidade

 

ARede nº 98 – maio/junho de 2014

As transformações urbanas e o direito à cidade estão cada vez mais em pauta no país, principalmente com a proximidade dos megaeventos que vêm mudando a organização espacial e social de cidades brasileiras. Das remoções de comunidades à construção da Cidade Olímpica, temas relativos ao espaço público, ao pertencimento e à equidade nos centros urbanos ganham destaque. Hoje são muitos os interessados nesse tema, o que pode ser observado a partir do recorde de participantes no Fórum Urbano Mundial, organizado pela UN-Habitat, agência especializada da Organização das Nações Unidas, em abril, em Medellín, Colômbia.

Segundo a agência, uma em cada quatro pessoas que vivem em áreas urbanas acabam em favelas, ou seja, cerca de 862,5 milhões de pessoas. A situação é mais crítica de acordo com o continente: na África, dos 413 milhões de habitantes de áreas urbanas, 55% vivem em favelas; na América Latina, dos 472 milhões em áreas urbanas, 24% vivem em favelas.

Diante dos desafios de transformar centros urbanos em ambientes mais acolhedores e justos, há também a busca por cidades mais inteligentes e eficientes. Sob o conceito de 
smart city, deposita-se nas tecnologias da informação e da comunicação a tarefa de otimizar e conectar o cotidiano das pessoas, ao mesmo tempo em que se busca engajar essas pessoas no desenvolvimento das cidades.

No Forum Urbano Mundial, foram ressaltados dois pontos para que as novas tecnologias sejam usadas como instrumentos do planejamento urbano: em primeiro lugar, é preciso que as pessoas tenham acesso à internet de qualidade e baixo custo – como as pessoas vão se envolver em processos participativos que acontecem em um ambiente digital se não podem arcar com os custos de conexão? Como levar conectividade a grandes periferias do mundo? Além disso, é preciso que a internet se torne uma ferramenta de conhecimento e aprendizado, de busca por informações que não estão na mídia tradicional ou na educação de baixa qualidade oferecida em tantos lugares de baixa renda.

Em segundo lugar, é necessário garantir o direito à privacidade dos cidadãos – uma das questões-chave do momento e essencial para a construção de cidades mais igualitárias. Salientou-se a necessidade de que os países criem leis que lidem com esse tema de maneira adequada e que permitam que as pessoas confiem mais na coleta de dados feita a partir de seus hábitos de mobilidade, consumo e habitação, por exemplo.

Em um cenário de transição digital e diante da urgência de se pensar soluções para antigos problemas urbanos no Brasil, é preciso enxergar o longo caminho à frente: segundo levantamento do Comitê Gestor da Internet, em 2012 apenas 40% da população tinha internet em casa. Além disso, o país ainda não tem uma lei de proteção de dados, apesar do ante-projeto de lei de Proteção de Dados Pessoais estar em discussão desde 2010. A agenda de políticas públicas urbanas é complexa e multifacetada, sendo preciso ponderar o deslumbramento com as promessas das novas tecnologias e buscar unir processos participativos, transparência, proteção da privacidade e maior equidade nas cidades, principalmente entre a população de mais vulnerabilidade social. Um dos papéis mais relevantes que a internet pode ter é o de dar ressonância a demandas geralmente invisíveis para quem está do lado de lá.

 


opiniao-jessica-reia-revista-arede-edicao-98Jhessica Reia 

Pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro