Carlos Seabra*
Quando se fala em inclusão digital, é muito comum pensar-se apenas nas
pessoas socialmente excluídas, em situação de pobreza. Mas há mais
fatores fundamentais a levar em conta, sendo o objetivo deste artigo a
questão dos conteúdos e a inserção de novos atores nesse processo.
Ações de inclusão digital meramente direcionadas para o ensino de
informática já se mostraram pobres, tanto nas dinâmicas geradas, quanto
nos resultados alcançados – transformando, muitas vezes, em medíocres
escolinhas de computação o que poderiam ser ricos espaços de interação
social, com apropriação tecnológica focada no protagonismo autoral e na
cultura digital.
Como apontou Paulo Freire, os conteúdos educadores e libertadores devem
ser buscados na cultura e na consciência de cada pessoa. Assim, é de
fundamental importância a existência, na internet, de mais conteúdos em
língua portuguesa (hoje estimados em cerca de 2% da rede mundial).
Textos, imagens, sons e vídeos com conteúdo popular e nacional (além, é
claro, de conteúdos de outros países de língua portuguesa e
latino-americanos em geral). Se hoje pesquisarmos no Google a
ocorrência de “halloween”, encontraremos mais de 100 milhões de
páginas. Já a ocorrência de “saci-pererê” fica em 127 mil páginas. A
mesma proporção ocorre, se compararmos receitas de abóbora escritas em
inglês com bolos de fubá em português. Estimular e direcionar projetos
de inclusão digital para a captação e criação de conteúdos na rede não
só atende a esse objetivo, de aumentar a quantidade de material em
nosso idioma na web, como também é a melhor forma de as pessoas se
apropriarem das ferramentas tecnológicas sem perderem tempo em
cursinhos de informática (de natureza taylorista-fordista em sua
maioria).
Para isso, devemos direcionar esforços para escanear e digitalizar
conteúdos já existentes, bem como criar novos conteúdos, em áreas as
mais diversas, como depoimentos pessoais e histórias de vida, receitas
culinárias típicas, contos e causos do nosso folclore, repentes e
desafios musicais, modas de viola, corais, cantares regionais, música
de novos conjuntos, desenhos e pinturas de artistas locais, fotografias
de diversos lugares de interesse geográfico, turístico ou histórico, de
pessoas, de animais e de plantas, documentação de projetos sociais,
culturais, de desenvolvimento local, captura de imagens ou pequenos
filmes com celulares e câmeras digitais, literatura de autores
desconhecidos ou esquecidos, esgotados ou mal distribuídos, tudo com
direitos autorais liberados para circulação e publicação sem fins
lucrativos, quando possível e desejável.
O potencial de transformação do mundo é enormemente auxiliado e
fortalecido pela apropriação das novas tecnologias de comunicação e
informação, permitindo que cada um seja autor de blogs, boletins,
podcasts, webrádios, serviços noticiosos e sites de todo o tipo. Fazer
com que cada telecentro, ou iniciativas semelhantes de diferentes
nomes, seja um centro de produção, com apoio colaborativo, é a
estratégia mais adequada para garantir o efetivo domínio do digital por
cada indivíduo e sua inserção e articulação em projetos coletivos, de
alcance social e cultural, que gerem o fortalecimento da ação política
e da cidadania. Para tudo isso, é de fundamental importância que se
engajem intelectuais, escritores, pintores, músicos, fotógrafos,
educadores, militantes políticos e demais articuladores sociais e
produtores culturais nas ações de inclusão digital. Parodiando o que
Clemanceau disse em relação à guerra, inclusão digital é uma coisa
séria demais para ficar apenas na mão dos informatas!
*Diretor de
tecnologia do IPSO – Instituto de Pesquisas e Projetos Sociais e
Tecnológicos, vice-presidente da União Brasileira de Escritores e
conselheiro d´ARede.