Opinião – Os novos protagonistas


Célio Turino*


comum pensarmos em Redes como sendo uma articulação horizontal entre
pontos. De certa forma, essa imagem faz sentido, pois uma rede
pressupõe equilíbrio entre as partes. No entanto, se pensarmos nas
redes de televisão, ou supermercados, percebemos que não
necessariamente a rede se estabelece de forma igualitária; pelo
contrário, esses são exemplos de redes fortemente hierarquizadas e
verticalizadas. Isso acontece porque a rede é construída a partir de um
centro, que irradia decisões, formas e gostos. O processo de
globalização comandado pelas grandes corporações mundiais é outro
exemplo dessa forma de construção de uma rede, que acaba se confundindo
com a expansão dos interesses dessas próprias corporações, e não das
populações e toda sua diversidade de interesses e cultura.

Voltando à imagem de uma rede horizontal. O equilíbrio horizontal
também não garante uma equitativa distribuição do poder decisório, ou
de padrões. Apenas pode assegurar uma aparência desse equilíbrio,
afinal, as partes são desiguais, recebem informações diferentes, bem
como dispõem de diferentes ferramentas. E aqueles que dominam melhor o
ferramental acabam prevalecendo. Talvez uma boa imagem para uma rede
mais equilibrada fosse a de um cipoal, um emaranhado, uma trama,
vertical, horizontal e transversal ao mesmo tempo. Mas, para que isso
aconteça, é necessário que cada parte tenha o seu papel protagônico e
apresente-se como tal. É nesse momento que a apresentação da imagem de
cada um se torna fundamental.

O psicanalista Lacan observou que as crianças só ampliam seu universo
de relações quando se reconhecem no espelho. Se transpormos esse
conceito para a sociedade, facilmente percebemos a matriz de muitos dos
nossos desajustes. À maioria da população é vedado o direito de ver-se
projetada no espelho. Ou, quando essa maioria aparece, é numa condição
de inferioridade. Em alguns momentos, a construção da imagem popular é
tratada com benevolência e respeito, mas, mesmo assim, continua sendo
construída sob o olhar do “outro”.

Com a tecnologia digital, é possível abrir novas fendas. A câmera
digital começa a ficar ao alcance das mão, se não de indivíduos, ao
menos de grupos e organizações comunitárias. Se aliarmos o barateamento
dos recursos tecnológicos ao uso do software livre, a possibilidade de
edição e disseminação desses auto-registros fica ainda mais possível. A
experiência dos Pontos de Cultura indica que a instalação dos estúdios
multimídia pode representar uma pequena revolução nesse processo de
construção do protagonismo social. Com pouco mais de R$ 20 mil, é
possível instalar um pequeno equipamento de gravação sonora, estúdio de
rádio-web, gravação e edição de imagens. Tudo disponibilizado em
programas livres, fruto de trabalho compartilhado, da generosidade
intelectual e de tecnologias colaborativas. Com esse equipamento
distribuído às comunidades mais remotas, o índio ou o quilombola pode
se registrar a partir do seu próprio olhar. O povo das favelas pode se
ver no espelho. Com o auto-reconhecimento, a troca fica mais
equilibrada e a rede se constrói de fato.

São as visões periféricas que começam a ocupar o centro e, ao dar corpo
a esse movimento, desfazem o próprio centro. Essa experiência que está
sendo desenvolvida, quase que unicamente no Brasil, abre uma nova etapa
no processo de inclusão digital. Como primeira entrada no mundo
digital, surgiram as escolinhas de informática. Na seqüência, houve a
disseminação dos telecentros, o contato com a internet. Agora, com o
estúdio multimídia, podemos estar iniciando um terceiro estágio no
processo de apropriação da Cultura Digital: o protagonismo social.


*Secretário de Programas e Projetos Culturais do Ministério da Cultura, autor de “NaTrilha de Macunaíma” (Ed. Senac).