Opinião – Patentes no lugar errado


Livia Oliveira Sobota*


Programas de computador se assemelham juridicamente a músicas, livros,
filmes e outras criações intelectuais. É um direito de seus autores
estabelecer as condições em que estas obras podem ser acessadas,
utilizadas, modificadas ou redistribuídas por outras pessoas (sua
licença).

O software conhecido como proprietário tem licenças de uso que não
admitem cópia, alteração (em geral, o código é fechado) ou
redistribuição do programa. As empresas que lucram com essas restrições
beneficiam-se da “pirataria” doméstica, que viabiliza a “capacitação”
do usuário por meio de programas ilegais, para utilizar os programas
legais contratados a preços altíssimos pelas empresas em que trabalham.

Já por meio das licenças livres, o autor permite que o software seja
utilizado, modificado e redistribuído, desde que as alterações
desenvolvidas também sejam licenciadas dessa maneira. A chamada
“comunidade” acredita no desenvolvimento aberto e colaborativo de
programas, que vem gerando resultados técnicos melhores que o fechado.
Os softwares livres, portanto, resgatam o verdadeiro papel do direito
autoral: no lugar de ser o sustento de grandes corporações
monopolistas, é a garantia do reconhecimento e da proteção do autor
contra o plágio. O projeto Creative Commons levou essa idéia ao mundo
da música, do vídeo, da arte.

Apesar de direitos autorais e patentes serem vistos como “propriedade
intelectual”, surgiram com finalidades muito diferentes. Patente é um
privilégio legal sobre uma invenção, concedido pelo Estado para
protegê-la contra cópia ou comercialização sem a autorização do
titular. Argumenta-se a necessidade do retorno econômico “a quem
investiu tempo e dinheiro” e o estímulo a futuras inovações, visto que,
para muitos, há uma relação automática entre respeito às patentes e
desenvolvimento tecnológico. Isso já é questionado no mundo dos bens
“físicos” (remédios, por exemplo), e no mundo digital simplesmente não
é verdade. Softwares são idéias, e o seu patenteamento bloqueia a
inovação e o acesso ao conhecimento.

O Japão e os EUA têm sistemas de patentes que abrangem softwares, mas,
na Europa, a Convenção Européia sobre Patentes (1973) estabelece que
programas de computador não são invenções sujeitas à lei das patentes.
O lobby para aprovar uma “diretiva sobre patenteabilidade de invenções
implementadas em computador” é fortíssimo. Por isso, foi estratégica
sua rejeição, em julho deste ano, pelo Parlamento Europeu, que manteve
a liberdade de publicação e de interoperabilidade, bem como a restrição
das patentes ao domínio físico.

Quem desenvolve um programa, por mais inovador que seja, parte do que
outros já fizeram. Por que patentear informações que podem ser
compartilhadas, que não são patrimônio exclusivo de seu autor, mas de
todos? Os desenvolvedores correrão o eterno risco de desrespeitar uma
patente e serem processados. O custo e o tempo de pesquisar previamente
todas as patentes registradas mais o risco de processos praticamente
inviabilizam seu trabalho. E, por isso, atrasam a inovação. Muitos
autores chamam a época em que vivemos de sociedade da informação.
Patentear softwares é patentear informação. E, se isso ocorrer, eu não
poderei mais escrever artigos como este – que, no fundo, não é meu, mas
um remix de coisas que li e ouvi, ditas do meu jeito. Todos que se
preocupam com o uso das novas tecnologias para a emancipação social
devem lutar contra isso.


*Estudante de Direito, é pesquisadora do Instituto IDEPES.
livia.sobota@gmail.com