Dyelle Menezes, do Contas Abertas
05/11/2012 – O orçamento do governo federal será menos transparente em 2013. Alterações realizadas pelo Poder Executivo dificultam o controle e a fiscalização dos gastos públicos no próximo ano. A avaliação está em nota técnica conjunta das consultorias de Orçamento, Fiscalização e Controle do Senado Federal (Conorf/SF) e de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados (Conof/CD).
A principal crítica ao modelo de 2013 é a diminuição do número de ações orçamentárias: de 3.117 neste ano para 2.414. A modificação reduziu o nível de detalhamento de dados e informações veiculados pela lei orçamentária e dificultou a comparação com orçamentos públicos de exercícios anteriores.
A nota afirma que houve o “esvaziamento do significado das ações orçamentárias” porque os títulos perderam “conteúdo e força descritiva”. Foi ressaltado ainda o fato das ações de 2013 incluírem diversas realizações em um mesmo programa, o que impossibilita o conhecimento da despesa fim do governo e as torna distantes da precisão e nível de detalhamento necessário.
Para o assessor político do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Lucídio Bicalho, essa “aglutinação” é um retrocesso. “Já havia ocorrido diminuição de ações no Plano Plurianual vigente (2012-2015), não sendo necessário esse novo rearranjo. Perdem as instituições que acompanham o governo, mas perdem mais ainda os cidadãos comuns”.
Além disso, a medida limita o poder do Legislativo de especificar no orçamento a destinação de determinados recursos através das emendas parlamentares. “Há nessa manobra uma transferência ainda maior das decisões políticas relacionadas ao orçamento do Legislativo para o Executivo”, afirma.
Para Gilda Cabral, especialista em políticas públicas e sócio-fundadora do Centro de Estudos Feministas e Assessoria (Cfemea), o governo desmontou todo o processo de educação política e democrática. “Com a adoção dessa medida perdemos algo mais preciso do que o importante acesso às informações: perdemos também direitos e processos de construção de cidadania”, afirma.
Os dois especialistas reforçaram que as modificações acontecem no ano em que foi sancionada a Lei de Acesso à Informação, símbolo da transparência para a administração pública. “O governo criou sites, portais e telefones para contato direto com a população, estimulando denúncias de mau uso das verbas públicas. Ao mesmo tempo, embola e confunde as pessoas com a falta de transparência sobre os recursos e gastos governamentais”, ressalta Gilda.
Ações genéricas
Os consultores observaram também que muitos dos planos e programas governamentais, como o Plano Brasil sem Miséria e o Programa Brasil Carinhoso, não podem ser encontrados no orçamento pelo nome fantasia. Constam na lista ainda os programas Mais Educação, Saúde da Família, Rede Cegonha, Saúde Não Tem Preço, Olhar Brasil, Brasil Sorridente, Bolsa Verde e o Brasil Maior, entre tantos outros com ações perdidas dentro do orçamento.
Outro exemplo é o do setor de rodovias. O governo federal lançou o “Programa de Investimentos em Logística: Rodovias e Ferrovias”, que não é definido em nível da lei orçamentária. O programa realiza concessões de rodovias federais à iniciativa privada. No entanto, estão previstos R$ 79,5 bilhões em recursos públicos. “Não há clareza quanto à forma pela qual esses R$ 79,5 bilhões serão acomodados no âmbito da programação existente”, afirma nota.
Segundo os consultores do Congresso Nacional, é difícil, para qualquer cidadão, verificar quanto custam os “planos/programas/iniciativas/ações” do governo. Os dados apresentados em extensivos relatórios de realizações não são passíveis de análise crítica e objetiva, pois não possuem a precisão e o rigor essenciais às categorias de classificação utilizadas na elaboração e na execução das leis orçamentárias.
Distanciamento entre PPA e lei orçamentária
A nota do Congresso Nacional afirma que o PPA 2012-2015 e o Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2013 ficaram sem conexão no novo modelo. O modelo dificulta o acompanhamento de forma direta dos recursos orçamentários alocados no orçamento de 2013 em programas e ações não compatíveis com o cumprimento das metas estabelecidas nas iniciativas do PPA.
Bicalho lembra que o PPA foi implementado em 2012 e já deverá sofrer modificações para se adequar às novas regras. “O que se pretende fazer é ocultar o detalhamento das ações em nome de um melhor gerenciamento, transferindo a visualização do que será efetivamente executado para fora da lei orçamentária de 2013. Isto poderá prejudicar não só o controle feito hoje por organizações da sociedade civil como até o controle feito pelo Parlamento”, afirma.
Versão do governo
A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, porém, afirmou, em audiência pública da Comissão Mista de Orçamento, que a transparência tem sido preocupação constante do governo federal.
Segundo a ministra, a junção de dotações orçamentárias adotada pelo Executivo foi “estratégia gerencial e não significa intenção de dificultar o acompanhamento e a fiscalização do Congresso”. A prova disso seria o Plano Orçamentário (PO) enviado ao Legislativo, explicitando cada uma das dotações de rubricas, “compensando” a perda de informação na lei orçamentária.
O PO foi criado pelo Poder Executivo para viabilizar a reestruturação da programação qualitativa de acordo com a produção pública: ações finalísticas, com produtos finais; e ações-meio, com produtos intermediários. A medida identificaria aos beneficiários a contraprestação do Estado sob a forma de produtos e serviços finais.
Em contraposição ao intuito do governo, a nota técnica do Congresso afirma que os planos retiram da lei orçamentária a função de evidenciar, por completo, a programação de trabalho governamental. A lei orçamentária passaria a ser instrumento de trabalho de caráter geral, cabendo ao administrador público definir e determinar o detalhamento da ação de governo.
Para o Inesc, da forma como essas mudanças aconteceram, parece haver uma intencionalidade no sentido de fugir do controle externo. Para mostrar o compromisso do governo com a transparência seria necessário que o detalhamento do PO estivesse disponível pelo menos no Portal da Transparência.
O Instituto afirmou em artigo que é necessário e urgente construir estratégia de diálogo com o governo e com o Congresso para diminuir os efeitos dessas medidas “aparentemente técnicas, mas de consequências políticas desastrosas”. “É preciso fornecer elementos que permitam a continuidade do controle social do orçamento, transparência em relação às mudanças feitas e investimento político no processo de democratização do processo de elaboração dos orçamentos públicos”, conclui artigo.
Preocupação
O presidente da Comissão Mista de Orçamento, deputado Paulo Pimenta (PT-RS), afirmou que foram realizadas diversas reuniões com o governo federal em que foi apresentada a preocupação com a transparência do orçamento. Especialmente para manter os mecanismos de fiscalização e não dificultar o acompanhamento da execução orçamentária.
Segundo Pimenta, o governo se comprometeu em criar indicador que permita a manutenção da série histórica, tornando possível acompanhar as iniciativas ao longo de diversos exercícios. Além disso, está em discussão com a Secretaria-Geral da Presidência da República a utilização de mecanismo de fiscalização.
“Ninguém discorda de que é necessário que o governo tenha formas mais eficientes na fiscalização da execução das ações governamentais. O intuito é que seja possível saber se os recursos chegaram especificamente em determinado problema, o que o novo modelo não permite”, explica.
O parlamentar ainda afirmou que é preciso haver meios e mecanismos para que a população possa fiscalizar ações públicas. “Não podemos trabalhar apenas do ponto de vista do gestor ter mais facilidades se para a sociedade a proposta não ficar simples”, conclui Pimenta.