Ainda não se sabe se o projeto de crimes na internet, conhecido como Substitutivo do Senador Azeredo, vai ser vetado ou mantido pelo seu relator na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados, deputado Julio Semeghini. O que aconteceu nos últimos dias foi o reconhecimento, pelo relator, de que muitos pontos do projeto precisam ter sua redação alterada sob pena de, por imprecisão, se tornarem instrumentos de criminalização de práticas cotidianas na internet.
Em entrevista dada depois de uma reunião com representantes da sociedade civil, da Polícia Federal, do governo e da Câmara dos Deputados, no dia 1, Semeghini elencou os pontos que precisam ser modificados. A esta altura da tramitação do projeto, depois de sua aprovação pelo Senado, ele não pode ter sua redação alterada – apenas a suspensão de artigos – a não ser que seja submetido novamente ao Senado. Como a ideia do relator é suprimir os pontos polêmicos, o projeto pode ficar inócuo.
O que levanta dois problemas: primeiro, Semeghini sabe que há uma luta política contra o senador Azeredo, seu companheiro de partido, levada à cabo pelo movimento contra o AI-5 Digital. O mérito do movimento foi esclarecer os pontos obscuros do projeto, alertar para a agenda de vigilância que embute e mobilizar a sociedade contra ele, principalmente por meio da internet. E Semeghini, ao que parece, não pretende desgastar seu colega.
A segunda questão é técnica: um dos pontos do Projeto Azeredo, a guarda dos logs de acesso pelos provedores, defendida, na reunião desta semana, pelo delegado Carlos Eduardo Sobral, da Polícia Federal, conta com a simpatia de Semeghini. “Há oito, nove anos, apresentei um projeto para disciplinar a guarda dos logs”, diz ele. Na época, a preocupação do deputado era impedir que uma informação usada para fins comerciais – a cobrança da conta dos provedores – fosse usada sem mandado legal, diz ele. Semeghini ainda tem dúvidas sobre essa questão. “Podemos analisar isso com mais calma”, diz.
A guarda dos logs é discutida pelo sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, em um texto publicado no blog Trezentos. Amadeu leva a questão para um contexto diferente daquele considerado por Semeghini: explica que a Aliança Internacional de Propriedade Intelectual (IIPA, na sigla em ingês, lobby da indústria que detém patentes ou direitos autorais) decidiu concentrar sua batalha contra o compartilhamento de arquivos na obtenção de informações dos provedores de acesso. Ele apresenta um relatório da IIPA onde se afirma que a MPA (associação da indústria de audiovisual) está realizando, no Brasil, um lobby para que a Lei Azeredo permita os provedores de internet apresentar informações sobre seus usuários por meio de ordens judiciais e não apenas a pedido da polícia e do Ministério Público.
Amadeu também conta como foi a reunião na Câmara e quem foram seus participantes. Um deles, o deputado Paulo Teixeira (PT/SP), acredita que o projeto Azeredo será “enterrado”. “Ele tem três problemas insanáveis: embarca na discussão de segurança na internet a defesa da propriedade intelectual; institui o vigilantismo na rede; e é impreciso em relação a tipificação de crimes”, explica. Para Teixeira, um novo projeto, que contemple a questão de crimes como roubos de senhas, invasão de computadores, clonagem de cartões, difusão de vírus, deverá ser feito. E um código civil estabeleceria, entre outras coisas, em que circunstâncias os logs de acesso poderiam ser guardados e usados por autoridade policiais.
Ainda que a lei vá à plenário, será de tal forma reduzida em relação à proposta inicial do senador Azeredo que discutir se ela será ou não “abandonada” ou “enterrada” é inútil. Por isso, o debate, agora, deverá se voltar para a guarda dos logs e, em seguida, para as novas propostas de marco legal civil e criminal para a internet no Brasil.