Para entender os temas em pauta no debate sobre o Plano Nacional de Banda Larga

ARede fez uma lista de perguntas importantes sobre os temas envolvidos no debate sobre o Plano Nacional de Banda Larga, para quem quiser entender melhor a questão.

 

Atualização – 05/02/2010

Qual o objetivo do Plano Nacional de Banda Larga?

O presidente Lula disse no dia 02, em reunião com representantes da sociedade civil para discutir o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), que pretende fazer, com a iniciativa, o que fez com o Luz Para Todos, o programa de universalização da energia elétrica.

Criado em 2003 pela ministra da Casa Civil Dilma Roussef, então à frente do Ministério de Minas e Energia, o Luz para Todos levou eletricidade a dois milhões de residências até o final de 2009. E deve chegar a mais um milhão durante 2010. Essa energia não é gratuita. Os consumidores pagam, embora seja uma tarifa social.

O plano pretende levar a banda larga a lugares onde, a iniciativa não chegará por meio das operadoras ou onde o serviço não for oferecido a preços razoáveis. A rede de banda larga vai chegar a todas sedes dos municípios brasileiros este ano, por uma obrigação de universalização das operadoras. Apesar disso, não há garantia de os preços possam ser pagos por toda a população. As empresas só vão montar a chamada rede de acesso, que leva o serviço até a casa do cidadão, se houver quem pague o preço necessário para que o investimento dê retorno comercial.

 

Metas

Os participantes da reunião do dia 2 não receberam cópias da apresentação do governo, mas tomaram nota das seguintes informações sobre as metas do PNBL: além da expansão natural do mercado de banda larga atendido pelas operadoras, o governo pretende que mais 20 milhões de domicílios recebam o serviço, dentro do PNBL, até 2014.

Hoje, no Brasil, há 19 acessos fixos em banda larga a cada 100 telefones fixos. Se for cumprida a meta para 2014, esse número deverá chegar a 68 acessos em banda larga a cada 100 acessos fixos.

Os números atualizados são os seguintes: O governo estima que, se depender do ritmo atual do mercado, que evolui em ritmo de linha discada, a banda larga fixa levará quatro anos para sair dos atuais 11,03 milhões para 18,3 milhões de conexões. É muito pouco: equivaleria a uma penetração de 9,2% da banda larga, quase o mesmo que Argentina e Chile já têm hoje. Com o Plano Nacional de Banda Larga, o governo pretende oferecer 20 milhões de novas conexões. Assim, o Brasil chegaria a 2014 com cerca de 40 milhões de acessos — uma penetração de 20%. (Adicionado em 12/05/2010)

De acordo com a apresentação, hoje, o preço médio da banda larga, cobrado pelas empresas, representa dez vezes o preço médio do Japão. A meta é que caia para três vezes o preço do Japão.

 

Investimento

Esta é uma das incógnitas importantes do plano, porque o nível de investimento necessário para cumprir as metas de 2014 depende das parcerias realizadas para que as redes cheguem ao usuário final. Se a Telebrás usar as redes das operadoras, dos estados, das prefeituras, o custo é um. Se tiver que construir tudo, não somente o investimento será maior como o plano terá que disputar mais espaço no orçamento federal. Na apresentação à sociedade civil, o investimento necessário pode variar de R$ 3 bilhões a R$ 15 bilhões até 2014.

 

Não é somente acesso

O plano do governo federal é também programa de desenvolvimento, com ênfase na produção de conteúdo (educação, saúde, segurança e mesmo entretenimento, como videojogos) e na política industrial. A política industrial envolve a redução de impostos para baixar os custos de equipamentos e medidas de política industrial para incentivar o desenvolvimento tecnológico e a fabricação local de produtos como os modems usados no acesso a banda larga.

 

Comitê gestor

Será criado um comitê gestor para coordenar as ações do governo federal em todas as áreas de abrangência do plano. O comitê terá quatro divisões: 1. Produção de conteúdo, a cargo dos ministérios da Educação e da Cultura; 2. Política industrial e tecnológica, a cargo do Ministério da Ciência e Tecnologia; 3. Infraestrutura, a cargo do Ministério das Comunicações e 4. Aplicações, a cargo do Ministério do Planejamento.

 

Quem vai prestar o serviço?

Pela informação que existe até hoje, a Telebrás deverá oferecer o serviço. Isso será feito por meio de terceiros, onde não houver oferta de serviço pelas operadoras privadas ou o serviço for oferecido a um preço elevado. Em uma das propostas do governo, é considerado preço elevado o que for superior em 50% ao preço praticado na capital dos estados.

Esses terceiros podem ser pequenos provedores que atuem nas localidades ou parceiros públicos (prefeituras, por exemplo). Isso ainda não está definido, e tem importância fundamental — porque tem um impacto sobre o nível de investimento público necessário.

É importante levar em conta que nesse esquema de parcerias o governo federal terá que subsidiar o preço do serviço. A Telebrás poderá, por licitação, escolher parceiros para vender o acesso aos usuários finais. Ou, em uma segunda hipótese, fazer uma licitação na qual ganha o direito de oferecer o serviço quem se comprometer a cobrar o menor preço ao usuário final – e, neste caso, o governo paga a diferença entre o preço a ser oferecido ao usuário final e o necessário para remunerar o investimento.

De onde virão esses recursos? Uma das hipóteses é o uso dos recursos correntes (arrecadados ao longo de cada ano) do Fundo de Universalização das Telecomunicações.

 

O que quer dizer “serviço prestado em regime público”?

Hoje, pela legislação, a banda larga é um serviço público (pode ser oferecido a todos) prestado em regime privado. Ou seja, o prestador do serviço não tem metas de universalização e de qualidade e nem preço controlado pelo governo.

A banda larga pode ser transformada, por decisão do Executivo, em um serviço prestado em regime público. Mas para isso são necessárias mudanças na legislação. Por exemplo, será preciso dividir o país para definir as áreas onde cada concessionária poderá prestar o serviço, estabelecer obrigações e metas das concessionárias, estabelecer uma política tarifária, realizar o leilão de concessões.

Só podem prestar serviços em regime público empresas que recebem uma concessão do governo. Essas concessões são necessariamente licitadas. O serviço telefônico é o único prestado em regime público e suas tarifas são aprovadas pela Agência Nacional de Telecomunicações.

Muitos, como o professor Marcos Dantas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, advogam que somente com a banda larga prestada em regime público o país vai conseguir fazer com que ela se popularize. Porque as metas de universalização é que vão obrigar as concessionárias a atender a toda a população. “Banda larga em regime privado já existe (e bem) no Brasil. Só atende 400 municípios, ou seja, onde há mercado”, explica ele.

As grandes concessionárias sofrem hoje a pressão da população, que encara a banda larga, na prática, como um serviço que tem que ser prestado por elas, com compromissos de qualidade e abrangência. Essas empresas entendem que o melhor caminho é transformar em regime público.

Mas, para os pequenos prestadores de serviço de acesso, isso vai causar ônus que não existem hoje. Eles também temem que, dependendo da política de divisão das áreas de concessão, não tenham recursos para disputar o leilão com as grandes empresas.

 

 

A volta do Estado ao setor de telecomunicações

Há um problema legal, alerta o professor Dantas: a Lei Geral de Telecomunicações foi feita para privatizar os serviços e não há, nela, nenhuma previsão de que o estado volte ao setor. É preciso encontrar uma saída legal para que isso seja feito. De qualquer maneira, em vários países, como a Austrália, a Finlândia, os Estados Unidos, o direito ao acesso da população à banda larga está em debate e, em todas as discussões há uma previsão do retorno do estado ao setor de telecomunicações.

Este é o ponto que mais incomoda as operadoras. Veja: “A perspectiva de que o governo federal volte a atuar no setor de telecomunicações como um prestador de serviços de banda larga diretamente ao consumidor pode minar os investimentos projetados pelas concessionárias de telefonia fixa. O alerta foi dado na quinta-feira, dia 4, durante o Seminário Políticas de Telecomunicações organizado pela revista TELETIME e pelo CCOM/UnB. Quem fez o alerta foi o presidente da Abrafix (representante das operadoras Oi, Telefônica, Sercomtel e CTBC), José Fernandes Pauletti.

As projeções de investimento divulgadas no projeto alinhavado entre Ministério das Comunicações e as empresas de telecomunicaçõees para a expansão da banda larga indicavam um montante de R$ 75 bilhões nos próximos cinco anos.” O trecho acima foi publicado pelo Teletime.

O problema das operadores é que a banda larga é o serviço do futuro, com a queda na receita do serviço de voz. E que os planos delas, até agora, não incluíam a possibilidade de ter como concorrente, ainda que indireto, o Estado. Sem a concorrência, podem oferecer os serviços que dão mais retorno, aos preços que desejarem, onde considerarem mais rentável. A meta do governo é estimular a prestação do serviço mesmo onde ele não seja rentável e a preços mais baixos do que os atuais.

O presidente da Telefônica, Antônio Carlos Valente, propõe uma atuação do Estado no sentido de facilitar a ampliação da rede das operadoras (com novas licitações de licenças de TV a Cabo e de frequências para serviços de banda larga sem fio) e reduzir a carga tributária do serviço. Isso ampliaria oferta do serviço. Essas, no entanto, são soluções para aumentar o número de usuários a serem atendidos de acordo com a regra do mercado: rentabilidade. Não cumprem o papel de universalizar o acesso.

Valente observa, também, que o governo bloqueou, até hoje, o uso dos recursos do Fust, o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações, criado exatamente para levar serviços para regiões onde não são rentáveis, do ponto de vista do mercado.

 

O serviço vai ser de graça? Quem vai definir o preço?

Não há essa possibilidade, na proposta apresentada pelo governo. Se for um serviço prestado em regime público, a Anatel vai definir os preços. Se for em regime privado, a Telebrás vai licitar o acesso e poderá fixar um preço máximo.

O serviço gratuito poderá acontecer em casos excepcionais, como há hoje em algumas localidades do Rio de Janeiro, em caráter experimental, se os governos de estado ou as prefeituras instalarem suas próprias redes e oferecerem o sinal dessa maneira. Mas essas seriam iniciativas independentes do plano.

 

Com que rede?

Pelo plano do governo, deverão existir no país 31.000 km de fibras ópticas federais, incluídas aí as redes da Eletronet e de estatais, até 2014. Esta rede poderá atender 4238 municípios, o equivalente a 58% da população. Essas redes, pelo que fui publicado até agora, seriam gerenciadas pela Telebrás.

Mas, para que isso aconteça, são necessários investimentos, porque a rede da Eletronet é um backbone – uma rede de alta capacidade que transporta sinais para outras rede. Para que a rede da Eletronet chegue até as cidades, a Telebrás vai precisar construir essas redes. Ou fazer acordos com empresas públicas ou privadas, para ligar seu backbone às redes delas. Esses parceiros podem ser outras empresas públicas, como as concessionárias de energia, ou privadas, como as operadoras.

Para chegar até a casa dos usuários, a Telebrás vai provavelmente licitar a terceiros a construção de redes de acesso, provavelmente sem fio. Essa tarefa também pode ser assumida pelas prefeituras.

 

Isso poderá ser realizado neste governo?

Já está claro que existe uma decisão política do presidente Lula de deixar, no mínimo, um plano traçado. Definido o plano do governo – e a meta de Lula é fazer isso este mês – será preciso implementar essas decisões.

Este é um debate complexo, que envolve decisões sobre investimentos e mudanças na legislação. Além disso, o plano precisa ser pactuado com os diferentes segmentos envolvidos: a sociedade civil, as operadoras de telecomunicações, os governos estaduais e municipais, os provedores de acesso. Vai haver um impacto sobre os planos de negócios das concessionárias (Oi, Telefônica, Embratel), hoje as principais prestadoras de serviços de banda larga.

Definida a recriação da Telebrás, seria necessário um ano para colocar os equipamentos somente para vender serviços de transporte de sinais em seu backbone a outras operadoras. Seria necessário mais tempo ainda para construir as redes de acesso.

Mesmo que não haja banda larga pública para os usuários finais antes do final de 2010, este será um tema colocado em debate público durante a próxima eleição. O que é uma conquista importante, porque poderá comprometer os futuros governantes a transformar o acesso à banda larga em um direito da população.