Para perder o medo da 5ª série

Os programas Trilha das Letras e Números em Ação, do governo de São Paulo, usam software interativo em nova metodologia de ensino.


Os programas Trilha das Letras e
Números em Ação, do governo de São Paulo, usam software interativo em
nova metodologia de ensino.
  Fátima Fonseca


Caixa eletrônico simulado, no
Números
em Ação.
A preocupação com a dificuldade dos alunos no aprendizado de matérias
básicas do ensino fundamental, português e matemática, aliada a um tema
que tem norteado as discussões sobre educação no país, a inclusão
digital, resultaram em dois programas, que têm feito sucesso entre
alunos e professores no estado de São Paulo: Trilha das Letras e
Números em Ação. O primeiro é voltado para a recuperação de português,
com foco na leitura e na escrita, e o segundo tem como meta ensinar ao
aluno os cálculos básicos de matemática. Ambos envolvem software
interativo (mas que não precisa estar conectado à internet) e
metodologia pedagógica.

Os dois cursos foram planejados pelos profissionais da Fundação para o
Desenvolvimento da Educação (FDE) do Estado de São Paulo, em parceria
com os professores da rede estadual de ensino; desenvolvidos na
plataforma Windows, estão, atualmente, sendo transportados para o
Linux.

As discussões começaram em 2004, quando foi realizado um programa
piloto, que criou as bases para uma nova metodologia de ensino. “A
proposta era criar um programa, a partir do uso de tecnologias, que
motivasse a participação do aluno”, conta Silene Kuin, especialista em
tecnologia na educação da FDE. “Nessa filosofia, o papel do professor é
de mediador”, acrescenta. Ou seja, não existe mais aquela situação em
que o professor entra na sala de aula e domina o conhecimento.


Trilha das Letras, para exercícios
de leitura e escrita.

Trilha das Letras e Números em Ação são voltados para os alunos da
quinta e da sexta séries do ensino fundamental, onde há um gargalo no
aprendizado. Além de cumprir o principal objetivo,  o de recuperar
os alunos que passam pelos primeiros quatro anos do ensino básico e
chegam à quinta série com graves falhas no aprendizado, os cursos
promovem a inclusão do aluno, e a do professor. “O aluno aprende quando
ele tem desafios, e o uso pedagógico de tecnologias ajuda a gerar esses
desafios”, observa Silene, que é também professora de português. Sua
colega Nely Pereira da Silva, também especialista em tecnologia na
educação da FDE, e professora de matemática, enfatiza que, além da
inclusão digital, os cursos promovem a inclusão social. “Antes, o aluno
sentia-se excluído porque não acompanhava os colegas em sala de aula;
com as aulas de reforço, ele obtém o conhecimento e passa a sentir-se
parte do grupo”, diz Nely.

Para ensinar as operações fundamentais de matemática, leitura e
escrita, os professores optaram por um processo que se pauta pela
interação permanente. Em uma aula de matemática, o método recorre, por
exemplo, a simulação de uso de um caixa eletrônico para saques de
dinheiro. Primeiro, os alunos exploram uma animação de caixa eletrônico
para conhecer seu funcionamento. Num segundo momento, o professor
estabelece uma mesma quantia que deverá ser “sacada” do caixa
eletrônico, pelas duplas de alunos, decomposta em diversas cédulas. O
método permite o uso de variáveis e, ao final de cada situação
proposta, o professor conduz uma discussão onde os alunos analisam as
várias possibilidades encontradas, com toda a turma. Nessa operação, o
professor lembra aos alunos que, como um caixa eletrônico real, esse
também tem limites de retirada. Assim, só poderão dispor de R$ 800,00
por saque, mas dependendo do valor estipulado, haverá diversas
combinações de cédulas. A socialização, ao final das diversas
estratégias utilizadas, permite ao aluno com dificuldades perceber que,
um mesmo problema pode ter diversas soluções e pode encontrar, entre os
colegas, alguma forma que seja mais próxima da sua forma de calcular,
aumentando seu repertório e facilitando seu aprendizado.

Os alunos também são estimulados a participar e avaliar as atividades,
os recursos e o professor. O professor, por sua vez, tem uma formação
continuada, que não se esgota nos quatro cursos realizados durante o
ano pela FDE para atualização tecnológica — os professores que
participam do programa têm formação básica no uso da tecnologia — e
troca de experiências.
 
“O professor traz as dificuldades de trabalho com os alunos, e também
as descobertas”, conta Silene. Os professores que participam dos cursos
também formam seus colegas, multiplicando o conhecimento. “Assim,
formamos uma rede humana, que é mais poderosa que a rede tecnológica”,
acredita Silene. Sua colega Nely acrescenta: “essa forma de trabalho
gera o que chamamos de capital social, que é a relação de confiança
entre pessoas”.


Animação para discutir
em aula os "Saberes e
Culturas" de diferentes
atividades

No projeto, detalham as especialistas, os integrantes se agrupam de
forma participativa, em relações horizontais, verticais e interconexas,
nas diversas regiões físicas do Estado. São incentivados a se
comunicarem através de um ambiente virtual, onde não há um responsável
por decisões e orientações enviadas de “cima para baixo”, mas um grupo
de profissionais em constante ação de troca e colaboração em torno de
um objetivo comum: propiciar aos alunos ambientes estimulantes,
atrativos e facilitadores da aprendizagem. Nely destaca que é nítida a
percepção do aumento da auto-estima, tanto dos professores quanto dos
alunos. “Isso se traduz no crescimento da inteligência coletiva e gera
confiança, colaboração e responsabilidade nos diversos níveis de
interação”, comenta.

Embora os resultados do programa não tenham sido, ainda, medidos por
uma metodologia científica, dados parciais relativos a 2006 mostram um
alto grau de satisfação com o resultado dos programas: 96% dos 33.275
alunos que participaram de uma pesquisa realizada pelos conselhos de
751 escolas disseram estar satisfeitos e plenamente satisfeitos com o
resultados (veja a tabela). No total, o programa teve a adesão, no ano
passado, de 62.548 estudantes, de quinta e sexta séries, de 1.269
escolas; envolveu 2.387 professores e 57 diretorias de ensino — no
Estado, são 90 diretorias, que reúnem as 6 mil escolas no estado de São
Paulo.

Apesar desse alcance, o programa está restrito as 4 mil escolas da rede
pública estadual com laboratórios de informática. O Estado mantém
outras 2 mil escolas, ainda não informatizadas, nas quais as aulas de
reforço acontecem por métodos tradicionais. Normalmente, essas aulas de
reforço começam em março, mas, neste ano, com a troca de governo, a
Educação só foi autorizada a dar continuidade ao projeto em maio. “A
expectativa com os cursos é grande”, diz Silene Kuin. “Tanto que logo
após a abertura do programa, em maio, mais de mil escolas, de 57
diretorias, se inscreveram.”