Patrícia Cornils
Projetos de comunicação democrática ganharam um apoio que representa, também, um reconhecimento por sua relevância na construção da diversidade da mídia nacional. O Ministério da Cultura (Minc) anunciou, em meados de maio, os 78 projetos vencedores do prêmio Pontos de Mídia Livre, criado para apoiar iniciativas, fora das grandes corporações, que contribuem para democratizar a comunicação social. Lançado durante o Fórum Social Mundial, em Belém (PA), pelas secretarias de Cidadania Cultural (SCC) e de Articulação Institucional (SAI) do Minc, inicialmente o prêmio pretendia contemplar 60 projetos. O retorno foi grande: em pouco mais de três meses, cerca de 400 candidatos se inscreveram. A excelência das propostas, informa o Minc, fez crescer o número de premiados. Foram escolhidos 15 projetos na categoria regional/nacional — premiados com R$ 120 mil cada — e 63 na categoria local/estadual – R$ 40 mil cada. O recurso total é da ordem de R$ 4,3 milhões, R$ 1,1 milhão a mais do que o previsto a princípio.
Quem conferir a lista de projetos, disponível no site do Minc, compreende que essa mídia, alternativa à grande imprensa, faz mais do que produzir informações para expressar os anseios das comunidades a quem se dirige. Um ponto comum entre os projetos é o objetivo de usar a informação para tornar a sociedade mais igualitária. Outro é a experimentação. Como no des).(centro, um dos vencedores na categoria nacional. Com sua Rede de Servidores Livres, o des).(centro propõe um debate sobre a democracia na era da cultura digital e, ao mesmo tempo, cria um caminho concreto para exercitar essa democracia.
A Rede de Servidores Livres é, na verdade, uma rede de servidoras: Aletta, Cícera, Piriguete, Arca, Xilinguete (chinesa, comprada na Santa Efigência) são cinco das sete máquinas, todas com nomes femininos, mantidas voluntariamente por participantes do des).(centro. Essa rede de computadores hospeda projetos de redes de pessoas. No DVD enviado para o Minc, na inscrição para os Pontos de Mídia Livre, há uma sequência de três minutos de dezenas de imagens de páginas dos projetos hospedados. Para ficar em alguns importantes: o Estúdio Livre, que é uma das maiores referências de conteúdo cultural multimídia e material didático para produção gráfica de áudio e de vídeo em software livre. O Estúdio Livre ganhou outro dos prêmios de Ponto de Mídia Livre. Nas servidoras, há sites de pontos de cultura, como a Escola Amorim Lima, no Butantã (SP); blogs de participantes do metareciclagem; há o mapsys, sistema de mapeamento que a equipe do Cultura Digital, do Minc, usou para mapear os pontos de cultura há dois anos; há o site da Rádio na Feira, experiência de rádio livre em feiras de rua; e o do Centro Cultural da Juventude, na Vila Nova Cachoeirinha (SP), que ali mantém atualizada toda a sua produção cultural.
“Fala-se muito em acesso à banda larga. Mas o que é a internet? Ela é feita de conexões, mas não só. É formada pelos nós de rede, os servidores”, explica Alexandre Freire, um dos participantes do des).(centro. “Onde as pessoas colocam sua produção cultural?”, pergunta ele. Em portais concentradores de conteúdo, como o YouTube, o FaceBook? Mas a internet é, em essência, descentralizada, desconcentradora, e a Rede de Servidores Livres é uma maneira de praticar essa descentralização. Foi, também, o meio encontrado por seus mantenedores para compartilhar o conhecimento adquirido com a manutenção de sites e ferramentas online. Todos trabalham em projetos multidisciplinares na convergência de mídias, artes e tecnologias, usando ferramentas livres. E é, também, uma forma de demonstrar que cada um pode cuidar de seus bits e bytes com independência. Os recursos do prêmio serão usados para ampliar a capacidade dos servidores, para finalmente remunerar o trabalho voluntário de manutenção e também para realizar capacitações em gerência de servidores, para pessoas que desejem se integrar ao esforço.
A relação entre software livre e mídia livre aparece em outros projetos vencedores. É o caso da revista Viração, premiada na categoria nacional. A Viração é um projeto social impresso da Associação de Apoio a Meninas e Meninos da Região Sé, de São Paulo. Divulga e defende direitos da juventude, como acesso a educação, cultura e comunicação. Trata-se de uma revista mensal, com uma tiragem de 5 mil exemplares, produzida por jovens repórteres comunitários (os “virajovens”) e apelidada por eles de Vira. Seu conteúdo é copyleft. “Em maio, migramos todos os nossos computadores para o software livre”, comemora Paulo Lima, editor da revista. “É mais uma maneira de defender o direito à comunicação e ao conhecimento, na prática, no processo de produção da revista”. O conselho editorial da Viração é composto pelos jovens e adolescentes que a produzem e a rede nacional que se mobiliza em torno da revista é, conta Lima, uma fonte de força para a real democratização do país.
A Rede Mocoronga de Comunicação, premiada na categoria regional, também é formada por jovens, moradores de 34 comunidades ribeirinhas do Pará. A Mocoronga oferece, por meio de oficinas de educomunicação, capacitação continuada para adolescentes e jovens atuarem como repórteres comunitários. Os cerca de 300 participantes da rede produzem programas de rádio, vídeos, jornais locais, conteúdos para internet e para um programa semanal na Rádio Rural de Santarém. Além de meios tradicionais, como rádio e jornal, usam tecnologias digitais nos telecentros que operam em oito das localidades.
“O prêmio coloca em evidência o potencial dos meios alternativos de comunicação”, explica Fábio Pena, coordenador de Educação, Cultura e Comunicação do Projeto Saúde e Alegria, do qual a Rede Mocoronga faz parte. “Por meio dos postos de acesso, as comunidades ribeirinhas dizem ao mundo quem são e, ao mesmo tempo, desenvolvem uma relação mais crítica com a informação produzida em escala global”, acrescenta o coordenador. Na região onde atuam os “mocorongos,” a vida de milhares de pessoas está completamente ligada aos rios, e elas sofreram, este ano, a maior enchente da década. Em Santarém, o rio Tapajós chegou a 9,1 metros acima do nível normal. A enchente foi coberta pela rede. “A grande mídia está se concentrando nas questões factuais. Nós estamos tentando fazer um balanço entre conhecimentos tradicionais e científicos para ampliar isso e discutir a questão ambiental”, conta Pena.
O espaço desta reportagem é pequeno para dar conta de tantos e tão bons projetos. Há a Rede Abraço de Rádios Comunitárias, que faz cobertura em rede de atividades de movimentos populares, sociais e culturais. Há o Pão e Poesia, que entrega poesia a compradores de pão, impressa no papel de embalar; há o portal Observatório do Direito à Comunicação, do Intervozes, que produz e reúne conteúdo para estimular o debate sobre a comunicação no país. Há o Tankalé, que, em parceria com a premiada Crioulas Vídeo e os recursos do prêmio, vai incrementar o conhecimento técnico de pessoas que já produzem filmes, para que elas ensinem moradores de outras comunidades quilombolas a fazer seu autoregistro audiovisual. Já estão combinando oficinas de captação profissional de áudio. É grande, este Brasil.