Governo exclui acesso da sociedade a sistemas informatizados

A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2013 poderá restringir o acesso dos cidadãos e de instituições sem fins lucrativos a 15 sistemas públicos.

Paulo Victor Chagas
Do Contas Abertas

25/06/2012 – A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2013 poderá restringir o acesso dos cidadãos e de entidades sem fins lucrativos a 15 sistemas informatizados do governo, como o Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), Sistema de Convênios do Governo Federal (Siconv) e Sistema de Informação das Estatais (Siest), dentre outros. O parágrafo que continha a permissão dessas entidades se cadastrarem nos sistemas foi suprimido do anteprojeto enviado pela presidente Dilma Rousseff ao Congresso Nacional em abril deste ano. É a primeira vez desde 2008 que a concessão não consta na proposta do Planalto.

Na LDO de 2012, por exemplo, o artigo 99 cita diversos sistemas para os quais o objetivo é o “acompanhamento e a fiscalização orçamentária a que se refere o art. 166, § 1o, inciso II, da Constituição”. Esse “direito” ao acesso irrestrito foi assegurado aos membros e órgãos competentes dos Poderes da União, inclusive ao TCU, ao Ministério Público Federal e à Controladoria-Geral da União, para consulta a esses sistemas ou informações, bem como o recebimento de seus dados em meio digital.

Além disso, o parágrafo que permite o acesso de entidades sem fins lucrativos aos sistemas governamentais contém o seguinte texto: “Os cidadãos e as entidades sem fins lucrativos, credenciadas segundo requisitos estabelecidos pelos órgãos responsáveis, poderão ser habilitadas para consulta aos sistemas e cadastros de que trata este artigo”.

Questionada quanto à exclusão, a assessoria de imprensa do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), órgão que elabora o anteprojeto da Lei, respondeu que após a edição da Lei de Acesso à Informação (12.527) essa determinação não precisava mais ser prevista na LDO. “O dispositivo foi excluído do PLDO – 2013 considerando que a Lei de Acesso à Informação já permite amplo acesso a todas as informações não sigilosas, inclusive aos sistemas. Desta forma, tornou-se desnecessário tratar desse assunto nas LDOs”, afirma em nota.

Apesar da justificativa, vários órgãos governamentais, inclusive o Planejamento, têm negado o acesso a esses sistemas por meio da própria Lei. A Associação Contas Abertas solicitou no dia 16 de maio, data em que a Lei entrou em vigor, as senhas de acesso a 11 sistemas, dois quais apenas duas foram liberadas. Para o Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais (Siasg), por exemplo, o MPOG interpretou por meio de portaria que apenas entidades sem fins lucrativos que recebam recursos públicos podem ter acesso aos sistemas, detalhe que não consta originalmente no parágrafo.

O Ministério do Planejamento também negou o acesso a outros sistemas com outros argumentos como restrições técnicas, falta de permissão para a “concessão de acesso a entidades externas ao setor público”, e com pedidos de prorrogação do prazo, não cumpridos de acordo com a Lei (10 dias após os 20 dias do prazo normal). (veja matéria)

A Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) usa justamente a frase do parágrafo da LDO para negar o acesso ao Sistema de Informações Gerenciais de Arrecadação (Angela), após solicitação da Associação Contas Abertas com base na Lei de Acesso. “O § 1º do art. 99 da Lei nº 12.465, de 2011, condiciona eventual possibilidade de habilitação para consulta a sistemas e cadastros a credenciamento, que, se viável, deverá ocorrer em conformidade com requisitos estabelecidos pelo órgão gestor do sistema” (grifo do órgão). As expressões “eventual” e “se viável” não constam no parágrafo da Lei citada pelo órgão, que vem a ser a LDO de 2012.

“Estão usando a lei do acesso para cortar o acesso. Isso é um absurdo. Em nome da transparência se tira a transparência? Eu acho que todo mundo tem que ter acesso, o que abunda não escasseia”, indignou-se o senador Cristóvam Buarque (PDT/DF), ao ser informado sobre a eliminação do artigo e a resposta do Ministério. Para o economista Paulo Brasil Correa de Melo, especialista em Orçamento e Finanças Públicas, o texto do parágrafo ao invés de suprimido poderia ter sido mais detalhado.

Paulo Brasil acredita que a palavra “poderão”, por exemplo, abre margem a diferentes interpretações, a depender do órgão e da informação que está sendo solicitada. “Mas se comparada a LDO 2012 com a proposta de LDO 2013, há um retrocesso maior, porque no parágrafo da LDO 2012 há uma abertura que pode ser regulamentada, aperfeiçoada. O ente público, na dúvida de como regulamentar, suprimiu essa parte. O caminho devido, mais democrático e transparente seria melhorar a redação e estabelecer critérios de forma que seriam analisados de forma técnica desde que não fossem utilizados para outros interesses”, explica.

“Assegurar uma série de informações de caráter sigiloso em ambiente técnico de forma a não estabelecer um critério é complicado. Por outro lado, percebe-se que caminhamos para a maior transparência de dados e recursos governamentais. Porém, essas intenções esbarram no medo de que, ao se expor, as administrações públicas fiquem cada vez mais suscetíveis a escândalos, como o do caso Cachoeira”, afirma.

No entanto, o economista acredita que poderiam ser encontradas soluções mais transparentes e não simplesmente negar os dados. “Em contrapartida, acredito que como justificativa dessa negativa eles deveriam oferecer um portal em que se dispusessem a fornecer o maior número de informações possíveis”, defende.

Prazo para mudança

Segundo a assessoria do relator do projeto de Lei da LDO 2013, senador Antônio Carlos Valadares (PSB/SE), o trabalho tem sido realizado para aumentar a transparência e criar critérios objetivos para o acompanhamento das leis orçamentárias. A assessoria, no entanto, não se posicionou quanto à colocação do artigo novamente no texto.

A Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso Nacional está recebendo desde a última quarta-feira (20) emendas a serem apresentadas ao Projeto de Lei da LDO 2013. De acordo com o relatório preliminar do senador Valadares, aprovado na CMO na semana passada, parlamentares, comissões permanentes da Câmara e do Senado e bancadas estaduais poderão apresentar emendas ao projeto da Lei.

Caso nenhuma dessas emendas recoloque o parágrafo na Lei até o dia 28, próxima quinta-feira, quando termina o prazo, a participação dos cidadãos e de entidades sem fins lucrativos no acompanhamento das políticas públicas e ações do Governo poderá ser desvalorizada, no ano em que a Lei de Acesso à Informação entrou em vigor.

 

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