Gilberto Gil é eleito Personalidade
do Ano, por seu trabalho em defesa da cultura digital e da
democratização do acesso à internet.
Gil, em Seminário Internacional sobre Diversidade Cultural.
O ministro da Cultura e músico Gilberto Gil recebeu o maior número de votos, entre 13 indicações à Personalidade do Ano do Prêmio ARede 2007.
A premiação quis homenagear alguém que tenha contribuído de forma
decisiva e marcante para a inclusão digital no país e para o movimento
pela democratização do acesso à informação por meios digitais. Nesse
sentido, Gilberto Gil fez diferença, ao abrir várias frentes
simultâneas de batalha, todas articuladas com o propósito de promover a
cultura digital. Ou seja, a aplicação das novas tecnologias para
descentralizar a produção artística e cultural, a geração e recepção de
conteúdo, e, finalmente, distribuir a riqueza do país, por meio da
valorização da diversidade regional e do desenvolvimento local. Atuou
pela inclusão digital, pelo software livre, pelo projeto da TV
pública, acendeu o debate sobre direitos autorais, e tem cobrado pressa
na definição de um plano nacional de banda larga, tema que foi título
de canção recente, do show e da turnê internacional.
“Embora há alguns anos o virtual fosse considerado não-real, é agora
uma das nossas mais verdadeiras realidades”, observou o ministro,
durante o Seminário Internacional Criatividade e Inovação na Cultura
Digital, organizado pelo sociólogo Manuel Castells, na Universidade de
Sevilha, na Espanha, em maio deste ano. Na ocasião, apresentou os
fundamentos do Cultura Digital, programa desenvolvido pelo MinC: “Essa
experiência tenta estabelecer um novo ponto de vista cultural, a partir
do qual a criatividade simbólica é projetada além da produção
individual, tornando-se um processo coletivo.” Mais: “O que chamamos
Cultura Digital é uma possibilidade aberta para avançar na expansão das
fronteiras que limitam dramaticamente o acesso à informação e à
tecnologia”.
Inauguração da Praça
da Bandeira, no município
de São Cristóvão (SE)Por isso, afirmou, o Cultura Digital, dentro do MinC, trabalha
induzindo o questionamento sobre essas novas realidades, e associando
esse debate a ações práticas, no programa Cultura Viva, dos Pontos de
Cultura (atualmente, cerca de 600 no país). Nos Pontos, os artistas
populares são equipados pelo ministério com ferramentas multimídia para
pesquisar novas linguagens, fazer o intercâmbio entre ações apartadas
geograficamente, e ampliar o alcance das obras, postas a circular em
rede. “Hoje, no Brasil, temos comunidades tradicionais, como tribos
indígenas, quilombolas e populações ribeirinhas gravando suas músicas
em CDs ou registrando em vídeo seu trabalho e sua cultura”, destacou o
ministro. “Eu desejo que o Cultura Digital possa ser esse campo
libertário. Que todo indivíduo possa ser o centro de sua própria
percepção, possa ser a fonte de sua produção. (…) Que muitas redes
possam derrubar muros e demolir as barreiras que estigmatizam e mantêm
separados aqueles que não são capazes ou não querem navegar no
mainstream. Eu desejo que Cultura Digital possa ser a chave para
construir a nossa utopia.”
Direitos autorais
Noutra ponta, e com o mesmo propósito de liberar a cultura brasileira que fica fora do “mainstream”,
o ministro Gilberto Gil mobilizou a sociedade civil para debater
a criação de uma TV pública, proposta pelo governo federal. Diversos
segmentos sociais foram chamados a produzir um amplo diagnóstico do
setor, que garantiu consistência ao I Fórum Nacional de TVs Públicas,
realizado em maio, onde se produziu a Carta de Brasília-Manifesto pela
TV Pública Independente e Democrática.
Um novo fórum começa a ser preparado pelo MinC para fazer, agora, o
debate público sobre os direitos autorais. Vespeiro inevitável, a ser
encarado, de acordo com Gil, com a perspectiva dos novos suportes
digitais. “Passados dez anos da última alteração da Lei Autoral
brasileira, é hora de a sociedade pensar se é necessária uma
atualização”, escreveu em artigo publicado no jornal “Folha de São
Paulo”, em setembro deste ano. “São muitas as insatisfações com o atual
modelo, a começar pelos autores, que não se sentem inteiramente
protegidos, nem bem remunerados. E acrescentemos o desafio dos novos
modelos de negócios em base digital e, também, o aprofundamento da
democracia e o desejo dos brasileiros de acessar a cultura, como parte
de sua formação humana integral.”
Gil é contra a pirataria, mas também se opõe a medidas de proteção
tecnológica (os chamados DRM), na sua avaliação ineficazes para
remunerar artistas e investidores, ao mesmo tempo em que cerceiam “as
liberdades produzidas pela própria tecnologia”. Para permitir a maior
interação entre diferentes conteúdos e o reequilíbrio dos direitos —
recuperando o direito cidadão de ter acesso à cultura —, Gil tem
levantado a bandeira do autogerenciamento de direitos e da autonomia
autoral. Por exemplo, por meio de modelos de licenciamento como os da
organização Creative Commons, que permitam maior circulação das obras,
prevendo a sua reprodução não-comercial. Durante a turnê Banda Larga,
os espectadores foram liberados a filmar, gravar, fotografar, e a
enviar pela rede o material obtido.
Em julho, Gil foi ao 17º Festival Latino-Americando, em Milão, quando
declarou à agência de notícias Ansalatina que “a cultura com um todo, e
principalmente a música, devem se tornar livres e compartilháveis, como
fazem os desenvolvedores Linux”. Aliás, os kits multimídia oferecidos pelo MinC aos Pontos de Cultura são baseados em plataformas abertas e softwares livres.
O programa Cultura Viva fomenta o
registro da cultura popular em mídia
digital. Na foto, com o mestre Nelson
da Rabeca, em Alagoas
Gil foi pioneiro ao liberar obras em Creative Commons, estimulando as fusões artísticas. No site
do músico já acontecem experimentações concretas de construção
compartilhada de obras. Uma delas é a própria marca Banda Larga,
identidade visual criada para o seu mais recente trabalho, também
regulada por licença Creative Commons e liberada aos internautas, a
quem o site recomenda: “faça a sua própria versão da marca Banda Larga ou invente a sua própria mensagem com o kit Message Builder”. Estão disponíveis no portal bases vocais e instrumentais em mp3, além de uma série de remixes criados a partir de músicas de Gil, para quem quiser fazer o seu próprio remix ou mashup. O uso comercial das músicas ou bases postadas no site, contudo, é proibido.
Antena das transformações sociais, Gilberto Gil reflete sobre a
tecnologia desde os tempos da Tropicália, com Cerébro Eletrônico e
Futurível (69), passando por Cibernética (74), Parabolicamará (91), e
Quanta (97). Há mais de dez anos, em 96, abriu o seu site e foi o
primeiro a lançar uma música “Pela Internet”, literalmente. “Nos anos
60, escrevi uma canção sobre o ‘cérebro eletrônico’, que pode fazer
tudo, mas não pode falar. A canção fala sobre o computador, incapaz de
sentir. Hoje, no Ministério da Cultura, estou certo de que nós temos
que humanizar essas tecnologias politizando-as. Fazendo delas
instrumentos políticos para a sociedade e para todos os cidadãos”. A
mais recente iniciativa de impacto do MinC foi o lançamento do programa
Mais Cultura, que prevê investimentos de R$ 4,7 bilhões até 2010.
Segundo o ministro, “uma lógica clara une as ações: investir no
universo simbólico do país como pressuposto para combater a enorme
desigualdade entre regiões e dentro das regiões”.
“O cérebro eletrônico faz tudo
Faz quase tudo
Faz quase tudo
Mas ele é mudo
(…)
Só eu posso pensar
Se Deus existe
Só eu
Só eu posso chorar
Quando estou triste
Só eu
Eu cá com meus botões
De carne e osso
Eu falo e ouço. Hum
Eu penso e posso
Eu posso decidir
Se vivo ou morro por que
Porque sou vivo
Vivo pra cachorro e sei
Que cérebro eletrônico nenhum me dá socorro
No meu caminho inevitável para a morte (…)”
Futurível
“Você foi chamado, vai ser transmutado em energia
Seu segundo estágio de humanóide hoje se inicia
Fique calmo, vamos começar a transmissão
Meu sistema vai mudar
Sua dimensão
Seu corpo vai se transformar
Num raio, vai se transportar
No espaço, vai se recompor
Muitos anos-luz além
Além daqui
A nova coesão
Lhe dará de novo um coração mortal (…)”
Cibernética
“(…)Eu não sei quando será
Cibernética
Eu não sei quando será
Mas será quando a ciência
Estiver livre do poder
A consciência, livre do saber
E a paciência, morta de esperar (…)”
Parabolicamará
“Antes mundo era pequeno
Porque Terra era grande
Hoje mundo é muito grande
Porque Terra é pequena
Do tamanho da antena
parabolicamará
Ê, volta do mundo, camará
Ê, ê, mundo dá volta, camará (…)”
Pela Internet
“Criar meu web site
Fazer minha homepage
Com quantos gigabytes
Se faz uma jangada
Um barco que veleje
Que veleje nesse infomar
Que aproveite a vazante da infomaré
Que leve um oriki do meu velho orixá
Ao porto de um disquete de um micro em Taipé (…)”
Quanta
“(…)Sei que a arte é irmã da ciência
Ambas filhas de um Deus fugaz
Que faz num momento
E no mesmo momento desfaz
Esse vago Deus por trás do mundo
Por detrás do detrás
Cântico dos cânticos
Quântico dos quânticos”