Bits livres correndo nas veias
Deputado estadual, secretário de serviços da prefeitura de São Paulo, Simão Pedro Chiovetti defende a cultura digital e combate projetos que inibam o desenvolvimento da rede
ARede nº 94 – especial novembro 2013
O Grêmio Esportivo Garantia de Luta é um time paulistano de futebol de várzea, criado há cerca de dez anos na Cohab Itaquera 1. Time Master 40, de pessoas com mais de 40 anos, o Garantia chegou à final da Copa Negritude de futebol de várzea em 2008. Não ganhou, mas continua na luta. Em 2012, perdeu nas oitavas para o Cacique da Leste, nos pênaltis, por 5×4. Um dos criadores do Garantia de Luta é o secretário de Serviços da Prefeitura de São Paulo, Simão Pedro Chiovetti. Chegando perto dos 50 anos (ele nasceu em 1964), Simão agora começa a jogar no Negritude e no Gema, que são Master 50. Futebol de várzea, em Iguatemi, Guaianases, Itaquera, foi o principal lazer de Simão desde que, aos 12 anos, se mudou com a família da cidade paranaense de Tapira para a Zona Leste de São Paulo. Ali, começou a militar nas Comunidades Eclesiais de Base, nas lutas dos movimentos populares e no Partido dos Trabalhadores. Desde então, não parou mais. Garantia de Luta é, além do nome do time que ajudou a criar, o lema dos mandatos de Chiovetti.
Poderia ser somente uma frase marqueteira, se não estivesse respaldada pela atuação de Simão Pedro e reconhecida pelos seus eleitores. Em 2002, na primeira eleição que disputou, foi eleito deputado estadual com 94 mil votos. Ele foi um dos primeiros políticos do país a colocar o software livre como bandeira central em uma campanha eleitoral. A adoção do software livre pela administração pública fez parte de seu programa. Ele tomou posse em janeiro de 2003, e em maio apresentou o Projeto de Lei 404/2003, que previa a obrigação – e não somente a possibilidade – de o Poder Executivo adotar software livre, a não ser quando a solução livre fosse inexistente, ineficiente ou mais cara que a proprietária. Aprovado por todas as comissões em que tramitou na Assembleia Legislativa paulista, o projeto nunca foi a plenário, em uma casa dominada pela bancada de apoio ao PSDB. Mas serviu de referência para o Projeto de Lei do vereador Nabil Bonduki (288/2013), que tramita hoje na Câmara de Vereadores de São Paulo. Faz dez anos, e a luta não mudou.
A marca que ele procurou dar à sua atuação como deputado foi a de um mandato aberto a pautas propostas pela sociedade. “Os mandatos que eu exerci abrigaram muitas frentes de luta”, explica. Em 2006, foi reeleito com mais de 104 mil votos. Em 2010, recebeu 118.453 votos. Naquele ano, organizou na Assembleia Legislativa o primeiro ato contra o chamado AI 5 Digital, o projeto do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG). O mandato de Chiovetti ajudou a construir a resistência ao Projeto Azeredo, que não era um tema estadual. Líder da Bancada do PT na Assembleia de 2007 a 2008, coordenou as frentes parlamentares pela Reforma Agrária; pela Segurança Alimentar e Nutricional; de apoio às Rádios Comunitárias; Pró-Economia Solidária, em defesa do Metrô Público e Estatal; em Defesa dos Quilombolas e Comunidades Tradicionais; em defesa da Educação Técnica e Tecnológica; pela Habitação e Reforma Urbana, onde mantém forte interação com as demandas populares. “Um mandato tem de ser um canal para que as lutas dos movimentos se expressem dentro do parlamento”, afirma.
Em 2011, Chiovetti apresentou o Projeto de Lei 989/2011, que institucionaliza Recursos Educacionais Abertos (REA) como política pública em São Paulo. O projeto foi mais longe que o do software livre. Aprovado em dezembro de 2012, acabou vetado pelo governador Geraldo Alckmin com o argumento de “vício de origem”, ou seja, de que não poderia ter sido proposto pelo Legislativo. A adoção de recursos educacionais abertos evitaria o duplo pagamento (pela criação do material e compra dos livros), por parte do estado, na produção e aquisição de materiais didáticos. E permitiria o livre compartilhamento das aulas, conteúdos, metodologias produzidos pelos professores. “Fui chamado, este ano, para falar na Unesco sobre o tema, por conta do projeto. E ele foi vetado, aqui”, conta.
A atuação de deputados envolve, também, a apresentação de propostas para a aplicação de recursos do orçamento público, as emendas parlamentares. Emendas de Chiovetti ajudaram a fazer a Biblioteca Virtual Brasil Nunca Mais (www.videotecas.armazemmemoria.com.br), um acervo de mais de 150 filmes sobre a ditadura militar, em 2012; o 1º Festival de Cultura Digital da Cidade Tiradentes, em 2010; a Feira e Congresso Tecnológico das Obras Sociais Dom Bosco, em 2011.
O terceiro mandato de Chiovetti vai até 2014, mas em janeiro deste ano ele se licenciou da Assembleia Legislativa para assumir a Secretaria de Serviços do Município de São Paulo, responsável pelos serviços de coleta de resíduos, iluminação, funerário. É nessa secretaria, também, que se encontram os projetos de telecentros, criados pela gestão de Marta Suplicy em 2002, e o Praças Digitais, uma iniciativa da prefeitura de oferecer internet pública e livre em 120 praças da cidade.
Implantar serviço público de WiFi não é uma inovação absoluta. Muitas cidades do Brasil e no exterior oferecem conexões públicas. Mas é inovação em São Paulo, onde até hoje a prefeitura não realizou uma política de acesso à banda larga. E é inovação em todo o país por conta dos pressupostos incorporados ao edital do projeto, que vai oferecer acesso livre (sem cadastramento obrigatório ou monitoramento da navegação dos usuários); a uma velocidade efetiva de 512 kbps para download e upload, sem derrubar as conexões dos internautas; sem coletar seus dados pessoais; respeitando a neutralidade da rede; sem restrição de acesso a determinados serviços. Ao implantar uma rede pública na capital paulista, o secretário Simão Pedro Chiovetti está, ao mesmo tempo, defendendo e aplicando princípios de uma internet livre, que respeite a privacidade dos cidadãos e contribua para o acesso da população a todas as possibilidades que a rede pode oferecer.
As Praças Digitais têm um componente que já estava lá no projeto inicial dos telecentros, implantados prioritariamente em áreas de baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Elas serão criadas em todos os 96 distritos da cidade, de forma a levar, para a periferia, a infraestrutura de conexões em banda larga. O desafio é, além de conseguir contratar prestadores dispostos a oferecer e manter essa qualidade de serviço, integrar o projeto de Praças Digitais aos telecentros. Hoje com cerca de 220 pontos de acesso em funcionamento, o programa de telecentros se tornou, ao longo das administrações locais que sucederam a de Marta Suplicy, uma iniciativa muito aquém das possibilidades imaginadas por seus criadores. Muitos pontos sem funcionamento, cursos profissionalizantes extremamente limitados, falta de fiscalização por parte da prefeitura – este foi o quadro que Chiovetti encontrou ao assumir a Secretaria de Serviços. Repensar o papel dos telecentros, criar novas funcionalidades, reintegrá-los à comunidade é uma das suas prioridades: “Como secretário, preciso ser um impulsionador de boas inciativas. Entendo que liberdade é bom, que democracia é bom e que a internet é uma possibilidade de construir essas duas coisas. É por isso que ela precisa ser livre e é por isso tenho apoiado os temas relacionados ao digital”.