Os programas do MEC e da Unesco
para integrar as comunidades ao espaço das escolas estão conseguindo
reduzir índices de violência nas periferias, e qualificando o processo
de aprendizagem de alunos, pais, professores e vizinhos.
Eliane do Canto, Manaíra Medeiros, Manuela Martinez, Miriam Pinheiro e Verônica Couto.
Greciane Dias de Andrade, 20 anos,
nasceu sem os braços, e aprendeu
novinha a fazer todos os movimentos
com os pés, inclusive desenhar,
talento descoberto nas oficinas do
Escola Aberta. A jovem de Nova
Palestina, em Vitória (ES), é
oficineira na escola Nelsa Nunes
Gonçalves.
“A praça é a escola”, diz Raphael Luís do Nascimento, coordenador
escolar do Ciep Zuzu Angel, na periferia de São Gonçalo (RJ), que, aos
13 anos, quando entrou no “brizolão”, não sabia ler nem escrever. Hoje,
é funcionário da escola, está concluindo ensino médio, pretende fazer
faculdade na área de petróleo e gás, e é defensor renhido da abertura
das escolas às comunidades nos finais de semana. “Aqui é bem violento,
e a escola aberta tira muita gente da rua”, garante. De fato, em várias
cidades brasileiras, o que parecia impossível começa a acontecer:
diretores de ensino estão perdendo o medo do funk, e aprendendo
a linguagem de jovens que, por sua vez, ajudam a reduzir as pichações,
os casos de depredação e os conflitos no espaço público da escola. Nas
experiências pesquisadas por ARede na Bahia, no Espírito Santo,
em Minas Gerais, no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul, tudo indica
que a abertura reduz de fato a violência, como afirma Raphael.
Essa também é a percepção da Unesco, que primeiro propôs a parceria
entre escolas e comunidades, em 2000, com o objetivo específico de
reduzir o número de mortes violentas entre jovens, especialmente nos
centros urbanos e nas grandes metrópoles. Atualmente, cerca de 4 mil
escolas brasileiras estão abrindo as portas às comunidades nos finais
de semana, em todos os estados, dentro dos dois maiores programas nessa
área: o Escola Aberta, do Ministério da Educação, e o Abrindo Espaços,
da Unesco.
Oficineiro de música Willian Carlos
Lino, do Ciep Hilda do Carmo
Siqueira, Duque de Caxias (RJ).
Os atuais convênios do MEC com estados e municípios vão até fevereiro
de 2008 — e, desde outubro de 2004 (90 meses), terá consumido um
investimento de R$ 95 milhões, destinados ao repasse anual de R$ 22 mil
por escola, para ressarcir despesas com as atividades no final de
semana. A continuidade do programa, contudo, já tem R$ 38 milhões
previstos para 2008, na Lei de Diretrizes Orçamentárias — R$ 6 milhões
em transferência direta para a Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade (Secad), por meio da Ação Diversidade para
a Cidadania, mais R$ 32 milhões no Programa Dinheiro Direto na Escola,
uma das ações do PAC Educação.
De acordo com Natália Duarte, coordenadora nacional do programa Escola
Aberta no ministério, são 2 mil escolas no programa, 101 secretarias de
Educação, em 27 estados, mais de 90 municípios. Total que ela estima
atender a cerca de 2 milhões de pessoas por mês, entre alunos, parentes
e pessoas das comunidades sem outro vínculo com a escola, senão a
chance de freqüentá-la no fim de semana, como espaço de lazer e de
aprendizagem. Os desembolsos programados para 2008 vão permitir manter
a rede de 2 mil escolas, mas não prevêem a sua expansão, embora ela
possa ocorrer, afirma Natália, como vem sendo feito, por meio de
rearranjos orçamentários.
Aurora Ferreira, de 72
anos, sofre de aneurisma,
mora sozinha e passa o dia
inteiro na Escola Aberta,
em Vitória (ES), pulando
de oficina em oficina:
bijuteria, bordados,
cestaria, pintura. “Se
todos fizessem o mesmo,
não existiria depressão”,
enfatiza.
Em Minas Gerais, o município de Contagem, na região metropolitana de
Belo Horizonte, tem uma experiência modelo com o Escola Aberta,
registrando queda significativa dos indicadores de violência. “Não há
ainda uma estatística oficial, mas não temo dizer que esta queda deve
estar próxima de 50%”, afirma o secretário municipal de Educação,
Esporte e Cultura, Lindomar Diamantino. Segundo relatório da Polícia
Militar de Minas Gerais (PMMG), de dezembro de 2006, o índice de crimes
violentos em Contagem caiu 26% em dois anos, o mesmo tempo de
instituição do Escola Aberta na região. E, no Índice de Desenvolvimento
Educação Básica (Ideb), indicador nacional de qualidade do ensino, o
município aparece com 4.7 de pontuação, acima da média nacional de 3.7.
Foi a melhor cidade, com mais de 100 mil habitantes, avaliada pelo MEC
na região metropolitana de BH. Em Vitória (ES), relatos também apontam
redução de 40% na violência e de 20% na evasão escolar.
Segundo Natália, o custo de uma oficina de informática para as
comunidades — usando o equipamento escolar — sai por R$ 0,22/mês por
beneficiário, considerando a escala de atendimento. Para a coordenadora
de Ciências Humanas e Sociais da Unesco, Marlova Jovchelovitch, à
frente do Abrindo Espaços, o custo mensal de abertura da escola, por
aluno, varia de R$ 0,80 (no caso da mais econômica, em Pernambuco, com
muitos voluntários) a R$ 4,70 (a mais cara, no Rio de Janeiro). “Parece
muito, mas é um programa preventivo, que trabalha a escola, a
coletividade, capaz de transformar a realidade; logo, não é muito, em
comparação a R$ 2,6 mil/mês estimados para manter um jovem numa unidade
de internação, tipo a Febem”, argumenta.
Nos estados e municípios, muitos governos anunciam a intenção de
ampliar a rede de unidades abertas, para além dos limites orçamentários
do apoio federal: casos de Minas Gerais, Espírito Santo ou Rio de
Janeiro (onde as Escolas de Paz — parceria governo estadual e Unesco —
foram fechadas pelo governo anterior, mas devem ser retomadas na atual
gestão).
Em São Paulo, contudo, o governo José Serra determinou a redução, a
partir deste ano, de 5,2 mil para 2.334 escolas abertas, encolhimento
de 55,1%, no programa Escola da Família (como se chama a parceria
estadual com o Abrindo Espaços, da Unesco). “Fizeram uma avaliação, e
concluíram que algumas áreas não precisavam, porque outras escolas
poderiam dar conta. O objetivo foi maximizar os recursos”, explica a
professora Lúcia Mara Mandel, chefe de departamento de convênios com
instituições de ensino superior da Fundação para o Desenvolvimento da
Educação (FDE). Como resultado desse redimensionamento, ela cita, por
exemplo, a incorporação dos consultores mantidos pela Unesco ao quadro
funcional das escolas estaduais.
Cultura de paz
O Escola Aberta, do MEC, nasceu do Abrindo Espaços, da Unesco, que, por
sua vez, surgiu em 2000, para as comemorações da Década Internacional
da Promoção da Cultura de Paz e Não-Violência em Benefício das Crianças
do Mundo (2001/2010). Marlova lembra que as pesquisas da Unesco, na
linha Juventude, Violência e Cidadania, apontaram que os jovens (16 a
24 anos) estavam no alvo de situações de violência, tanto no papel de
sujeitos quanto no de vítimas, e que a maior parte desses incidentes
acontecia nos finais de semana. “Pensamos, então, em encontrar
atividades que se desenvolvessem no equipamento público, no fim de
semana, e que permitissem repensar a relação do jovem com a escola e a
comunidade”, conta. Atualmente, a Unesco mantém convênios para o
Abrindo Espaços com o município de Cuiabá (dez escolas), no Mato
Grosso; Estado de São Paulo (Escola da Família); Rio Grande do Sul;
Sergipe (onde o programa foi relançado no dia 14 de agosto, com a
abertura de dez escolas, e previsão de chegar a 61, até o final do
ano). Ou seja, na última contagem da Unesco, em julho, um total de
2.451 escolas, 95,2% das quais em São Paulo. Os números crescem a cada
mês. Além disso, Marlova adianta que a prefeitura de Curitiba (PR)
também estuda sua implantação, e que o governo do Rio (parceiro também
do Escola Aberta, do MEC) já teria manifestado à Unesco a intenção de
retomar as Escolas de Paz. Nessas parcerias, a Unesco dá a metodologia,
e os governos locais financiam a abertura.
Em 2004, o MEC firmou a parceria com a Unesco para transformar o
programa numa política pública — o Escola Aberta. “Talvez o maior
mérito do Abrindo Espaço tenha sido influenciar a formulação de uma
política federal”, avalia Marlova. Além do MEC, a proposta de abrir
escolas às comunidades, formulada na unidade brasileira da Unesco, foi
adotada pelo governo argentino (Patios Abiertos), e, este ano, pelo
escritório da entidade em São José da Costa Rica, para ser implementada
em Honduras, El Salvador e Guatemala, e também pela sede da Unesco, em
Paris.
Ciep Zuzu Angel, no estado do
Rio de Janeiro
O Escola Aberta, do MEC, acompanha os objetivos da Unesco, mas pretende
ser, além de uma iniciativa de enfrentamento da violência, uma ação
para melhoria do ensino. “A escola deve ser aberta não só para
funcionar no final de semana, mas também aberta, no sentido amplo, ao
saber popular e à cultura daquela comunidade onde está inserida”, diz
Natália. As pesquisas acadêmicas, segundo ela, mostram que a qualidade
da educação — maior aprovação, melhor desempenho na avaliação escolar —
acompanha a integração com a comunidade. “Quando os pais podem
participar do espaço da escola, não tem arame farpado, porteiro, PM,
muro, surgem melhores condições de construir o projeto pedagógico, com
apoio de conselho escolar, associação de pais e mestres, grêmio, jornal
mural, comunitário, etc. E aí a escola pára de ser depredada, diminui o
índice de roubo, de furto, de conflito.”
Arroz, feijão e outros detalhes.
Raphael: “a comunidade
cuida e protege a escola.”
A escola fechada, por outro lado, “é impenetrável à juventude”, avalia
Natália. “Há muita dificuldade em aceitar a linguagem, o dialeto, as
manifestações culturais da juventudade — hip hop, forma de
vestir, estética — que são consideradas como incivilidade”. Ela
assinala, ainda, outro fator, basicamente urbano, que contribui para o
aumento da violência. “As comunidades precarizadas não têm instrumentos
públicos de lazer, não têm teatro, não têm piscina, cinema, não têm
quadra poliesportiva, praça”. Essas periferias, contudo, têm escola.
“Às vezes bem equipadas, com laboratório, biblioteca, quadra, mas
fechadas”.
Na opinião da executiva do MEC, não há, ao contrário do que muito se
diz, tanta resistência à abertura por parte dos diretores. “O MEC
convida — não obriga — a escola a se abrir, e isso faz uma grande
diferença. Conversa com os diretores, explica o programa, e são poucos
os que não desejam implementá-lo”. Outro diferencial, diz, é que a
pessoa que abre a escola não é o diretor, mas um líder comunitário. O
diretor escolhe uma liderança local, e também conta com um professor
comunitário, que queira trabalhar no final de semana, mediante uma
gratificação.
“Eles têm o objetivo de desconstruir o muro que há entre escola e
comunidade. Há professores de classe média, que ainda vão dizer que a
comunidade é perdida, não tem valores, que a família está destruída,
que as mães não cuidam dos filhos, que os filhos são mal educados. Por
isso, a gente quer propiciar esse encontro, para mudar essa imagem”,
explica Natália. Todos os atores têm uma formação básica sobre o
programa, dada pelo MEC — diretores, coordenadores e interlocutores das
secretarias de Educação, oficineiros.
Oficina de biscuit, em escola do
Espírito Santo.
Há ainda um detalhe a mais que, segundo os depoimentos de agentes das
escolas, contribui de forma decisiva para apoiar a construção desse
laço. Não consta da verba de ressarcimento repassada pelo MEC aos
estabelecimentos de ensino no Escola Aberta, mas a oferta de refeição
(café da manhã, almoço, lanche) está sendo provida em algumas
inciativas pelo governo do estado, como no Rio de Janeiro ou em
Pernambuco. Desde o mês passado, a Secretaria de Educação do Rio de
Janeiro distribui R$ 1,8 mil/mês, por escola, para as refeições no
final de semana. No Ciep Zuzu Angel, em São Gonçalo, a medida provocou
um aumento de 50% na freqüência. “A comida é boa: frango frito com
maionese, farofa, arroz, feijão, molho à campanha. É importante, porque
a pessoa que vinha para a escola tinha que voltar em casa para comer, o
que significa despesa para o transporte ou interrupção no ritmo das
atividades”, ensina o coordenador escolar Raphael.
As oficinas oferecidas nos finais de semana, algumas apoiadas por
bolsitas universitários (programa Conexão de Saberes, do MEC) envolvem
esportes, dança de salão, grafite, música (instrumentos variados),
costura, bijouteria, culinária, jardinagem, rádio, jornalismo
comunitário, e o que mais se pensar. No caso da informática, em geral,
noções básicas e navegação na internet. Para o uso dos laboratórios,
não há uma orientação geral sobre a plataforma de software: vai
depender das políticas locais das escolas, e a maioria trabalha com
Windows, embora os computadores enviados pelo MEC (ProInfo) usem software livre. No Espírito Santo, a prefeitura de Vila Velha só trabalha com software livre (BrOffice), em todas as escolas; a de Vitória passou a adotar o dual boot;
e, no governo do Estado, os computadores vão migrar da plataforma
aberta para a proprietária devido a um contrato especial oferecido pela
Microsoft para uso nas instituições de ensino, museus e bibliotecas
públicas — o Contrato Escola.
Para avaliar o programa, a Unesco fez um estudo do Abrindo Espaços no Rio de Janeiro e em Pernambuco, disponíveis no site
da instituição. E o MEC recebeu, em agosto, os resultados de uma
pesquisa qualitativa sobre o Escola Aberta, feita pela Universidade
Federal Fluminense (UFF). Outro levantamento está sendo realizado, este
ano, pela Universidade de Brasília (UNB).
Para a professora Tina, é muito fácil abrir as escolas.
Oficina de Dança, no projeto
Escola Aberta.
A diretora do Colégio Estadual Pedro Álvares Cabral, no centro de São
João de Meriti (RJ), na Baixada Fluminense, é a professora Tina, ou
Ernestina Pacheco de França. Aos 60 anos, 43 de magistério, ela está à
frente de uma escola de 980 alunos (da 8ª série, do ensino médio e do
curso técnico de patologia clínica), que fica entre o morro do Gogó da
Ema e o Morro do Carrapato, em área pobre e sem equipamentos de
lazer. Mas ninguém mexe com a escola, e as pessoas vêm de diferentes
bairros para participar das atividades comunitárias que, segundo ela,
tiraram muita gente do desvio.
A professora Tina garante que não teve medo de abrir a escola, nem de
que os equipamentos fossem roubados ou danificados. Aliás, em 99, um
ano antes de a escola aderir oficialmente ao Escola de Paz, o programa
da Unesco com o governo estadual (hoje suspenso), ela já abria os
portões no sábado, sozinha, a quem quisesse entrar. “É muito fácil. Mas
precisa querer e não ter medo. Se a gente tiver medo de fazer as
coisas, senta e encarquilha, perde a capacidade de se movimentar”,
ensina. Nos sábados de “festa grande”, como a mostra folclórica que
acontece em setembro, são até 2 mil pessoas na escola. “Quando acaba,
os banheiros estão intactos, e os jovens ainda ajudam a guardar as
cadeiras.”
Ela diz que, “no passado”, havia brigas no bairro, mas isso agora é só
história, que ela conta com gosto. “Havia um garoto que brigava com
meus alunos — e eles voltavam chorando. Um dia, já crescido, ele veio
falar comigo: ‘quero saber se eu posso apresentar meu grupo de dança.’
Funk. Respondi: ‘tudo bem, mas desde que você prometa que vai
transcorrer tudo em harmonia. E sem palavrão.’ Eles apresentaram o
show, e eu, da outra sala, comecei a ouvir uma gritaria, as meninas
adorando, aplaudindo. Fui ver: não tinha palavrão mesmo, mas os
gestos…Tive que me preparar psicologicamente. Muito inteligente,
hoje, ele é compositor, além de excelente padeiro aqui na comunidade.”
Em geral, a escola oferece de oito a 12 oficinas, com apoio de
professores e talentos comunitários: língua portuguesa, hip-hop,
matemática, música, grafite, culinária, dança de salão, etc. A de
informática (banda larga, cinco computadores e mais de 200 pessoas
formadas, entre elas a própria professora Tina) é dada por um
oficineiro de 17 anos, aluno do Instituto de Educação. De vez em
quando, a diretora dá uma olhada na tela dos computadores para ver por
onde os alunos estão navegando: “Porque, apesar de abençoadíssimos,
eles são jovens.”
O índice de reprovação não passa de 7%, diz a diretora. “Se os alunos
começam a faltar, o pessoal do conselho (Tutelar) vai na casa dos pais
saber o que está acontecendo.” A única diferença que ela lamenta, entre
o atual programa do MEC e o antigo Escola de Paz, é a ausência dos
monitores — jovens de 17 a 18 anos que ajudavam a receber as pessoas,
sugeriam as oficinas, e fortaleciam o vínculo com outros jovens da
comunidade, que estavam fora da escola.
Este ano, a professora Tina precisou passar por uma cirurgia, e
espantou-se com a quantidade de alunos que se apresentaram para doar
sangue e visitar a sua casa. “A escola está aí e pode ser renovada com
nossa vontade e nossa garra. Só não pode mentir. Tem que olhar bem
dentro do olho do outro, para ele conhecer você”.
Rio amplia a rede
No Rio de Janeiro, os objetivos alcançados pelo Escola Aberta, em
convênio com o MEC, foram além da redução da violência, e envolvem
geração de renda e melhoria do ensino, de acordo com o coordenador e
interlocutor do programa na Secretaria Estadual de Educação, Jorge
Nascimento. Este ano, o total de unidades conveniadas passou de 40 para
65, na capital, onde cada escola recebe, em média, entre 250 e 300
participantes por fim de semana. Em todo o estado, o projeto é
desenvolvido em 289 escolas, incluindo municipais e estaduais da rede
pública, e abrange 18 municípios da Região Metropolitana.
As escolas estaduais abrem às 9h, até às 16h, nos sábados, e até às
13h, no domingo. Segundo Jorge, 85% das escolas têm laboratórios de
informática com conexão à internet, que são usados para cursos
oferecidos às comunidades nesse período. Não há uma orientação
específica para plataforma de software, mas o coordenador diz que vê,
na sua maioria, máquinas rodando Windows. “Enquanto a mãe está
aprendendo no laboratório de informática, a criança está na recreação,
e o adolescente no oficina de música. Tem culinária, curso de manicure,
salão de beleza. Não consideramos o grupo como alunos, falamos em
participantes, porque o espaço é aberto ao corpo docente e discente e à
comunidade”.
No Escola de Paz, programa iniciado em 2000, em convênio com a Unesco
(ação Abrindo Espaços), o estado do Rio chegou a ter 200 escolas
abertas. A perspectiva é que o governador Sérgio Cabral o retome para
ampliar a rede de escolas abertas. O estado, como os demais que
integram a parceria com o MEC, tem comitês de acompanhamento, formado
por integrantes do ministério, da Unesco, do Estado e das prefeituras
(nos municípios onde está implantado).
A escola recebe, por mês, R$ 270,00 para pagar o professor comunitário,
mais R$ 270,00 para o coordenador escolar; e de R$ 80,00 a R$ 170,00
para os oficineiros. Ao todo, a escola costuma dispor de R$ 750,00 para
convidar colaboradores.
• Muitas vitórias no ES
No Espírito Santo, o Escola Aberta (MEC) está ativo em 120 escolas, em
bairros de cinco municípios — Vitória, Vila Velha, Cariacica, Serra e
Viana —, todos com elevados índices de criminalidade. Nas 48 escolas
estaduais, a média de participação, por mês, é de 53 mil pessoas. Na
capital Vitória, o número chega a 9 mil, e, em Vila Velha, a 4,5 mil
participantes. Em busca de inserção no mercado de trabalho, os jovens
são atraídos pelo curso de informática, para depois conhecerem as
demais atividades. Foi pensando assim que Fernando Silva de Araújo, 18
anos, resolveu fazer o curso na escola de seu bairro, Alger Ribeiro, em
Cidade da Barra, Vila Velha. Da oficina, foi chamado para ser monitor,
e em seguida, oficineiro. “Aprendi mais do que ensinei.” Nas oficinas
de informática, os participantes aprendem a digitar trabalhos escolares
e currículos, criam blogs e jornais. Vitória e Vila Velha destacam-se
nessa área. De 55 escolas (municipais e estaduais), 54 têm
laboratórios, com 20 computadores cada. O acesso à internet é banda
larga e o sistema operacional se divide entre Linux e Windows, embora o
MEC envie todos os computadores às escolas com o software
livre. Para Lígia Lobo Azevedo, coordenadora-interlocutora do Escola
Aberta na Secretaria de Estado da Educação, ao sentirem-se valorizados,
os jovens saem da marginalidade. A nova visão do ambiente escolar
obriga as escolas a terem uma postura menos elitizada, e isenta de
discriminação, diz Lígia. “Essas pessoas em sua maioria vêm de famílias
desestruturadas, que não vão às escolas, porque só são chamadas no
sentido corretivo, e não para formar parcerias. Então, o que deve mudar
é a forma de olhar dos dirigentes, para que as pessoas permaneçam na
escola, identifiquem-se, sintam-se seguras e com perspectiva de vida.”
• RS: teatro no frio.
À EMEF Grande Oriente, na zona norte de Porto Alegre (RS),
chegaram cedinho a coordenadora-interlocutora do programa Escola Aberta
(Unesco) realizado pela Secretaria Municipal de Educação (SMED), Maria
do Carmo de Souza, e a professora Sandra Padilha, além de pais e mães
de alunos que desafiaram a manhã chuvosa e gelada para acompanhar a
programação. Sem o frio, a escola recebe de 250 a 300 pessoas nos
finais de semana. Naquele sábado, contudo, o número não chegava a
60. Entre elas os alunos da 7ª Série de outra escola municipal, a
Marcírio Goulart, localizada no Morro da Cruz, bairro Partenon, no
outro lado da cidade, que vieram em uma Kombi da SMED para apresentar a
peça “Diário de Kauany”, escrita pela aluna Jéssica Oliveira. A garota,
que completou 14 anos naquele sábado cinzento, inspirou-se em suas
colegas que terminam o ano letivo grávidas.
O Programa Escola Aberta no Rio Grande do Sul — apesar do nome, é
parceria do governo do estado com a Unesco, não com o MEC —, funciona
em 107 das 52 escolas municipais de Porto Alegre e 2.865 estaduais.
Outras cerca de 50 unidades, no interior, fazem parte do Escola Aberta
do MEC. No primeiro caso, a formatação do projeto é da Unesco, e o
financiamento, do governo gaúcho. No segundo, são recursos do MEC. Para
que a escola adote o programa, a comunidade tem que querer e
solicitá-lo na escola.Todas têm acesso à internet banda larga e
oficinas de informática para a comunidade.
• Um outro clima na Bahia
De um total de quase 2 mil escolas públicas na Bahia, apenas 107 (86 em
Salvador e 21 em Lauro de Freitas) fazem parte do Escola Aberta. Mas,
quem visita os bairros onde elas funcionam e conversa com as pessoas da
comunidade percebe a diferença. Com 700 alunos matriculados em três
turnos — cerca de 300 participam do projeto —, a Escola Municipal Novo
Marotinho, na periferia de Salvador, oferece cursos de informática,
artesanato, recreação, dança e capoeira, grafite, futebol de salão. Os
dez computadores da instituição, todos conectados à internet (banda
larga), recebem 150 aprendizes aos sábados e domingos. “Não sabia
nem ligar o computador. Agora, estou criando um blog”, conta Caroline
Gomes, 16 anos, que cursa a 7ª e 8ª séries do ensino fundamental.
“Temos poucos computadores e priorizamos os alunos. Mas fazemos um
cadastro dos demais interessados e, na medida do possível, as pessoas
são convocadas”, diz José Nivaldo, diretor da escola. De acordo com a
coordenação do Programa Escola Aberta em Salvador, 11.574 alunos são
beneficiados pelo projeto — outras 1,2 mil pessoas (10,36%) moram nas
comunidades e não freqüentam as aulas regulares. Há, ainda, 46
professores e 258 oficineiros (monitores) contratados ou voluntários.
“Antes, as brigas eram rotina. Agora, o clima é outro, a interatividade
é grande e todos querem participar do projeto”, compara a diretora da
Escola Municipal Antonio Carlos Magalhães, em São Caetano, Sâmara
Márcia de Assis Assemany. Segundo a Secretaria Municipal da Educação de
Salvador, em todos as unidades onde o programa Escola Aberta funciona,
a evasão escolar foi reduzida à metade e os atos de vandalismos, antes
comuns, praticamente acabaram.
• Selo de qualidade em Minas
O Programa Escola Aberta, parceria com o MEC, implementado pela
prefeitura de Contagem, vem mudando a história do município considerado
o mais violento da Região Metropolitana de Belo Horizonte. A cidade,
com 600 mil habitantes, possui 73 escolas de ensino fundamental entre
mais de cem unidades de ensino. Dessas, 32 estão no Escola Aberta, que
atinge 75 mil alunos da rede municipal, desde agosto de 2004. Segundo o
coordenador do programa na cidade, Nelson Batista Raimundo, são mais de
40 oficinas. A diretora Rita de Cássia Araújo, da Escola
Municipal Prefeito Sebastião Camargo, num dos bairros mais pobres de
Contagem, a Granja Vista Alegre, emociona-se ao falar sobre as
transformações vividas. “Tudo mudou. No lugar das pichações, lindos
murais. Até a cantina virou espaço de aprendizado — as grandes mesas
servem de ateliês.” Lá, cerca de 600 alunos, entre mães, pais, filhos e
vizinhos encontram-se, aos sábados e domingos. Julye Cristie de Aquino,
de 12 anos, que tem hidrocefalia, é aluna do 3º ano do 1º ciclo da
escola, adora ir à escola no final de semana para plantar. A mãe, Maria
de Fátima de Aquino, também participa como aluna e “oficineira”, dando
aulas de tapeçaria. Ela vende seus trabalhos aos visitantes, o que
ajuda no orçamento familiar. A coordenação local do Escola Aberta
estuda a possibilidade de criar um selo para os produtos feitos por
meio do programa.
O Programa Escola Aberta: Educação, Cultura, Esporte e Trabalho para a
Juventude é promovido pelo MEC — por meio do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE), sob a coordenação da Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), em parceria
com a Secretaria de Educação Básica (SEB) e com os Ministérios do
Trabalho e Emprego, do Esporte e da Cultura, e executado por
secretarias estaduais e municipais de Educação, com a cooperação
técnica da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (Unesco).
www.fnde.gov.br – No menu à esq., procure Escola Aberta.
www.unesco.com.br
No Brasil, a escolaridade só é obrigatória para os nove anos do ensino
fundamental, diferentemente dos demais países, por exemplo, do
Mercosul, onde ela é de 12 anos. Ou seja, a obrigação legal na rede
pública brasileira não inclui o ensino médio. Para Natália Duarte,
coordenadora nacional do programa Escola Aberta no MEC, isso explica,
em parte, o baixo acesso dos jovens à escola, “comprometendo o tecido
social, o desenvolvimento econômico e a imagem da juventude”. Como não
é obrigatória, os governos estaduais podem limitar a oferta de escolas
de ensino médio. “No fundamental, o Ministério Público pode atuar”,
compara Natália. O resultado é que o índice de acesso ao ensino
superior no Brasil é de 13%, em comparação a taxas de 60% a 80% na
Europa e nos Estados Unidos, ou de 40% na Venezuela.
Entre os dados críticos levantados pela Unesco, nos seis livros que
compõem o seu mapa da violência, Natália destaca que, no Brasil, nesse
corte etário de 14 a 24 anos, o número de homicídios dobrou em dez
anos, passando de 28% dos óbitos, no final da década de 80, para 53%,
no ano 2000. Entre os adultos, a variação foi de 21% para 23%. Ela cita
“outras violências” contra a juventude: o acesso ao primeiro emprego
cada vez mais tarde, a renda muito baixa, ter que viver às custas da
família. “São 60% dos jovens brasileiros estudando, e 40% trabalhando.
E 20% nem trabalhando, nem estudando, na ociosidade. Simbolicamente, é
muito ruim para a juventude, que começa a ser descontruída na mídia,
identificada como fútil, encostada, violenta.” A coordenadora nacional
do Escola Aberta chama a atenção para o grande volume de matrículas no
EJA (Educação de Jovens e Adultos, para alunos acima de 15 anos) — 4
milhões, sendo mais de 50% de jovens. Há, no Brasil, 35 milhões de
jovens e adultos que não concluíram o ensino fundamental e não estão na
escola.