Laboratório da UFF desenvolve portal para buscar, na internet, o serviço governamental que cada cidadão precisa. Verônica Couto
Projetos visam facilitar o acesso
a serviços e informações de
interesse público Aprestação de serviços públicos pela internet – ou governo eletrônico
—, cria inúmeras facilidades, mas transfere cada vez mais, para o
cidadão, a responsabilidade de ir atrás das informações. Um movimento
que, muitas vezes, pode piorar a vida das pessoas, em vez de
facilitá-la. A advertência é de Ana Cristina Bicharra Garcia,
professora associada do Departamento de Ciência da Computação da
Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenadora do Laboratório de
Documentação Ativa e Design Inteligente (ADDLabs), onde duas pesquisas
estudam as interações do governo com o cidadão, usando internet e TV
digital: o e-cidadão e o e-cidadania. Para Ana Cristina, houve uma
mudança de foco dos governos. Antes, investia-se na publicação de
anúncios na mídia, e em outras formas de fazer a informação chegar ao
cidadão. Agora, ele é que deve correr atrás do que lhe interessa.
A UFF inaugurou este mês, em Niterói (RJ), as novas instalações do
ADDLabs, uma parceria com a Petrobras. Especializado em tecnologias de
inteligência artificial, o laboratório desenvolve interfaces
cooperativas, capazes de garantir interações eficientes entre os
sistemas de computador e o usuário, aplicáveis também à área de
inclusão digital. No caso do projeto e-cidadão, o propósito é produzir
ferramentas para facilitar o uso dos serviços de governo eletrônico
pela população; e o e-democracia quer testar a linguagem televisiva dos
reality shows em processos coletivos de deliberação (orçamento
participativo, por exemplo), por meio da TV digital.
De acordo Ana Cristina, pesquisadores do ADDLabs analisaram os sites
governamentais das capitais do país, do Distrito Federal, de todas as
cidades do estado do Rio de Janeiro e de alguns órgãos federais,
durante nove meses, em 2003. “Havia problemas terríveis”, conta. Entre
eles, o formato dos sites públicos exige das pessoas cada vez mais
qualificação para conseguir informação. São complicados, sem padrão e
confusos, e sem acessibilidade para portadores de deficiências. Além
disso, muitos municípios terceirizaram os serviços públicos, que estão
dentro de portais com terminação .com, de empresas privadas, ou .org,
de organizações não-governamentais. Com isso, ficam mais difíceis de
serem localizados, e expõem os cidadãos a maiores riscos de violação de
privacidade.
Embora o governo federal tenha definido um padrão para o governo
eletrônico – as especificações do projeto E-Ping (Padrões de
Interoperabilidade de Governo Eletrônico; saiba mais) — ele, na
prática, não é adotado pela maioria dos sites, afirma Ana Cristina. Há
cada vez mais informação e serviços disponíveis, mas as pessoas não
sabem localizá-los, nem a periodicidade com que são atualizados. “Para
dar conta de tudo que os governos publicam online, seria preciso uma
pessoa de plantão, 24 horas, verificando se alguma coisa que saiu pode
influenciar a vida daquele cidadão específico”, explica. A base do
e-cidadão, por isso, são softwares que fazem essa busca, simulando
determinadas áreas de interesse, a partir de perfis individuais.
Aplicativos conhecidos como “agentes”. Com essa tecnologia, gerou-se um
portal para fazer buscas dirigidas.
O projeto e-cidadão foi idealizado por José Luiz Nogueira, aluno de
doutorado do Instituto de Computação da UFF. Segundo ele, o portal
começa a ser testado, em dezembro, por cem usuários. A pessoa entra no
site com seus dados, e o sistema gera um perfil, a partir do qual vai
apontar as informações e áreas de governo eletrônico que deverá
monitorar, e com que periodicidade serão enviados, por e-mail, os
avisos de novidades. O usuário confirma ou altera os dados. Por
exemplo, se alguém de 65 anos acessar essa agência virtual, será
lembrado de que está na hora de fazer o vale-transporte, com
informações de qual secretaria deve procurar, endereço e telefone.
O teste do e-cidadão vai cobrir apenas o site do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE). Mas estão sendo desenvolvidos
conversores, ou agentes, para monitorar outros sites, como os da
Radiobrás, da Receita Federal e do INSS. A idéia é que o portal
funcione como uma agência de serviços, mantida pelo ADDLabs, e
atendendo nas três instâncias de governo: federal, estadual e
municipal. O cidadão poderia, regularmente, ter informes sobre
pagamento de contas, emissão de tributos, simulação de aposentadoria
(sempre que houvesse uma mudança nas regras ou na legislação), situação
do cadastramento do CPF, direitos quanto a pré-natal, processos de
revisão de benefícios, liberação de lotes de restituição de Imposto de
Renda, etc.
“A pessoa só descobre que tem multa de trânsito pendente, na fila da
vistoria do veículo. Mas o Detran tem um serviço online, em que, a
partir do código do carro no Renavam (Rede Nacional de Veículos
Automotores), é possível saber se há multa. Com o e-cidadão, munido
desse código, o usuário seria informado, por e-mail, no momento em que
a multa fosse registrada”, explica o doutorando da UFF.
Democracia pela TV
Com o e-cidadão,
usuário recebe
informações por e-mail.
Os mecanismos de participação foram os que menos avançaram em termos de
relação governo/cidadão pela internet, na opinião de José Luís. É o
foco do outro projeto do ADDLabs, o e-democracia. De acordo com Ana
Cristina, ele estuda as formas comunitárias de deliberação e formação
de consenso, e como elas poderiam acontecer pela internet,
especificamente pela TV digital. A pesquisa parte dos reality shows
(tipo “Big Brother”, da TV Globo), para tentar aplicar o seu formato às
experiências de orçamento participativo.
“Em várias cidades, as pessoas fazem assembléia, saem de casa para
discutir. Não é só mudar a mídia, votar sim ou não. É preciso ver se é
possível usar a mídia e o formato da TV para amadurecer a idéia
coletiva”, destaca Ana Cristina. O primeiro protótipo, um programa de
várias edições, deve estar pronto em dois anos. Os primeiros estudos
estão sendo feitos com o orçamento participativo de Niterói, e serão
estendidos também a Piraí e Rio das Ostras, todas cidades do Rio de
Janeiro.