É possível construir objetos interativos conectados a software de computadores. Roupas, jaquetas e coisas inimagináveis. Sérgio Amadeu da Silveira
Willian Gibson escreveu um romance marcante da cultura digital chamado
“Neuromancer”. Sua ficção inspirou o badalado filme “Matrix”. 1984, ano
de publicação de “Neuromancer”, coincidentemente, é o nome do livro
escrito por Eric Arthur Blair, pseudônimo de George Orwell, lançando a
figura do Grande Irmão e do cotidiano de uma sociedade de controles
totalitários. Talvez a maior contribuição de Gibson tenha sido a
criação de um novo conceito que expressa novas possibilidades de
convívio humano, o ciberespaço. Essa palavra, que denota o interior das
redes conectadas, é tão poderosa que acabou sendo incorporada por
diversas ciências. Gibson, algum tempo depois, em uma entrevista na
revista “Wired”, afirmou que a cibercultura “é uma cultura remix”. Como
afirmava o coletivo Critical Art Ensemble, já nos anos 90, estamos
reabilitando a cópia e a recombinação como algo relevante e fundamental
de nossa cultura. Remix é uma prática recombinante.
Remix é grande parte da criação artística que prolifera livremente com
as licenças Creative Commons. Também é a maior parte do trabalho
colaborativo do software
livre e da Wikipedia. Remix é a essência da música eletrônica.
Aproveitar o que existe de melhor nos diversos arranjos simbólicos,
alterar, reinterpretar e reconfigurar é o que inspira os adeptos da
metarreciclagem, um conjunto de remixagens. Mas as práticas de
reconfiguração são a essência da internet, que é uma obra inacabada.
Quando você menos espera, criam um novo protocolo que porta novas
possibilidades de comunicação. A liberdade na rede permite sua expansão
e a proliferação de idéias e da diversidade de culturas.
Um dos movimentos típicos da cibercultura, portanto das práticas
recombinantes, além da metarreciclagem, é o que se formou em torno do
Arduino. O que é Arduino? É uma plataforma de hardware de fonte aberta
construída sobre uma placa simples de input/output. Parece difícil? O Arduino pode ser usado para desenvolver objetos autônomos e interativos que estejam conectados ao software
dos computadores. O Arduino pode ajudar a formar uma legião de
tecno-amantes que saibam criar aparelhos inteligentes controlados por
sensores e softwares e até obras de arte eletrônica. É um kit que deveria estar nas oficinas dos telecentros e escolas.
O Arduino baseia-se em uma placa com microcontroladores e em um ambiente de software que permite escrever a programação desta placa. O conceito é o que os norte-americanos chamam de physical computing, que é empregado para definir alguns sistemas físicos interativos de softwares e hardware
que podem responder a estímulos do mundo. Por exemplo, alguns sistemas
automáticos que regulam os semáforos de uma cidade, conforme a
intensidade de seu tráfego, são um tipo de physical computing.
Controles de dispositivos eletromecânicos que regulam a luminosidade ou
motores, adequando sua velocidade conforme as informações obtidas do
meio em que atuam, são outros exemplos de physical computing.
Existem muitos microcontroladores e plataformas de microcontrole disponíveis para a physical computing.
Parallax Basic Stamp, Netmedia’s BX-24, Phidgets, MIT’s Handyboard, e
outras tantas que oferecem funcionalidades similares. Todas essas
ferramentas tentam simplificar detalhes da programação de
microcontroladores e empacotá-los para suas placas. O Arduino também
simplifica o processo de trabalho com os microcontroladores, mas
oferece uma série de vantagens para professores, estudantes e
interessados nesses experimentos. Primeiro, custa bem menos. É possível
adquirir um kit Arduino por aproximadamente US$ 50. Segundo,
Arduino é multiplataforma e roda no Linux, inclusive nas distribuições
Debian e Ubuntu. Terceiro, o ambiente de programação do Arduino é bem
simples de ser entendido pelos iniciantes.
Arduino tem seu software licenciado como uma ferramenta open source, ou
seja, possui seu código-fonte aberto. Assim, professores, hackers, nerds
e programadores podem adequá-lo e re-escrever seus códigos. Utilizando
as bibliotecas e a linguagem C++ ou C, é possível ampliar e
reconfigurar o software do Arduino. A base do Arduino são os
microcontroladores ATMEGA8 e ATMEGA168, e seus planos e desenhos de
circuitos estão licenciados em Creative Commons. Mesmo usuários bem
inexperientes podem criar versões de módulos prontas para operar
motores, pequenas atividades, por exemplo, tais como ligar aparelhos
eletrônicos, quando alguém chega em casa. O limite é a criatividade.
Para ver as enormes possibilidades do Arduino, seja para criação de
aparelhos espertos, seja para a prática do ensino-aprendizagem, é
interessante observar as várias fotos dos trabalhos realizados com
Arduino que estão no Flickr
(http://www.flickr.com/photos/tags/arduino/). Até roupas, jaquetas e
bermudas podem receber aplicações do Arduino. Juntando pilhas com o kit
Arduino, e ligando com pequenos sensores que podem comunicar-se pelo
bluetooth com laptops e telefones celulares, é possível criar coisas
inimagináveis.
O Arduino pode ser um grande instrumento para praticar a recombinação e
estimular a invenção entre os jovens e adultos que participam dos
projetos de cultura digital e dos telecentros brasileiros. Em um
ambiente que tende cada vez mais à convergência digital, reunir a
criatividade típica do brasileiro, a idéia da gambiarra, com a
disseminação da cultura recombinante pode gerar muitas soluções
importantes para problemas do dia-a-dia. Começar com pequenas oficinas.
Adquirir os primeiros kits,
ler os tutoriais, montar e desmontar os experimentos, tudo isso faz
parte do processo de criação-aprendizagem que muitos já estão chamando
de comunidades de práticas.
Um site muito interessante para encontrar trabalhos
inspiradores de arte digital é o The Webby Awards. Ele tem o
repositório de várias iniciativas premiadas pela The International
Academy of Digital Arts and Sciences (Academia Internacional de
Ciências e Artes Digitais). O endereço é http://www.webbyawards.com/press/speeches.php