Prefeitura de Campinas vai ter rede própria de banda larga

A rede será implantada por uma empresa de economia mista e a meta da prefeitura é que "qualquer cidadão tenha acesso à informática em qualquer ponto geográfico do município".

10/03/2010 – O Tele.Síntese publicou uma entrevista com Pedro Jaime Ziller, ex-conselheiro da Anatel e atual presidente da Informática Municípios Associados (Ima), da cidade de Campinas (SP). Nela, ele conta como, para que e por que o município vai construir uma rede pública de banda larga. Veja a seguir:

A administração de Campinas decidiu ter a sua própria rede de banda larga para interligar seus estabelecimentos e iluminar a cidade para acesso público à internet. Por trás deste projeto está o ex-conselheiro da Anatel, Pedro Jaime Ziller de Araujo, para quem a prefeitura não pode “ficar dependendo do que acontece aí fora com a banda larga”. Presidindo a Ima (empresa de economia mista do município, controlada pela prefeitura), Ziller acha que a Anatel deverá vender barato a banda de 3,5 Ghz tornada disponível aos governos em seu recente regulamento, e espera e que empresas como a sua também possam comprá-la sem disputa.

Tele.Síntese – O sr. assumiu a Ima, empresa do município de Campinas, para telecomunicações. Quais são os planos?

Pedro Jaime Ziller de Araujo – A Ima, Informática Municípios Associados, é uma empresa de economia mista, com o controle acionário da prefeitura de Campinas, criada há 33 anos.Teve altos e baixos durante esse período. Quando o Dr. Hélio (atual prefeito, reeleito), assumiu a prefeitura, escolheu uma pessoa técnica e competente, o Bruno Vianna, mais vinculado à informática, que deu uma arrumação boa nessa área na empresa. Passados quatro anos, havia a necessidade de o governo lidar também com banda larga e iluminar a cidade. Coincidiu de a reeleição de Dr. Hélio acontecer durante a minha saída da Anatel. Com o fim de meu mandato, ele me convidou para presidir a empresa. Veio comigo o Marcelo Pimenta, que cuida diretoria de informática da empresa. Depois de quase um ano a frente da empresa, somente há pouco tempo pude pedir a licença de SCM (Serviço de Comunicação Multimídia) à Anatel.

Tele.Síntese – Por que precisou esperar tanto tempo?
Ziller – Porque sou representante legal da empresa, e o Decreto 8.012 estabelece que qualquer pessoa que tenha exercido cargo de direção no Governo Federal só pode representar interesse de outra pessoa jurídica 12 meses depois de ter deixado o cargo. Em novembro do ano passado completou-se um ano de minha saída da Anatel, quando pude dar entrada no pedido de licença.

Tele.Síntese
– E a licença, já saiu?
Ziller – Ela foi aprovada pelo Conselho Diretor em fevereiro e já recebemos a informação da Anatel sobre os documentos que precisamos apresentar para podermos ter a autorização.

Tele.Síntese – E o que o sr. pretende fazer com essa licença?
Ziller – É um projeto grande. A prefeitura conta hoje com 62 centros de saúde. Todos eles serão interligados pela rede da Ima. Um programa implantado pela prefeitura – o Siga Saúde – já permite que a população, ao discar o 160, marque a consulta pelo telefone.

Tele.Síntese – Esses centros não eram interligados antes?
Ziller – Eles tinham os sistemas de informática, mas não eram interligados a ponto de permitir a marcação de consulta pelo telefone. Agora, já permitem. Mas iremos fazer nós mesmos a interligação dos serviços de telecomunicações, que hoje são contratados. Há ainda outros programas, como o 156 e a cidade digital.

Tele.Síntese – Como a prefeitura pretende implementar a cidade digital?
Ziller – “Cidade digital” tem mil conotações. Para nós, o mais importante é que qualquer cidadão tenha acesso à informática em qualquer ponto geográfico do município. E, para isso, é preciso fazer a cobertura da cidade. É exatamente para isso que precisamos da licença do SCM.

Tele.Síntese – Será uma rede wireless?
Ziller – Nós vamos usar as frequências não licenciadas de 2,4 e 5,8 Ghz, mas iremos usar também a fibra óptica da prefeitura. Hoje a rede de fibra é usada, entre outros, para o monitoramento do tráfego. A prefeitura tem cerca de 140 Km, mas tem fibra apagada, que vamos acender e complementar uma parte dessa rede, instalando também novos sites. Acabamos de conseguir agora também um sistema de domínio autônomo da internet.

Tele.Síntese – O que é isso?
Ziller – Nós conseguimos junto ao NIC.Br um IP próprio, o que faz com que a Ima se transforme também em um provedor de serviço de internet. Evidentemente, não seremos provedor para o público em geral, mas só para a prefeitura. Com isso tudo, estimamos que haverá uma redução de custos para nós, e consequentemente, para a prefeitura.

Tele.Síntese – O sr. imagina que irá economizar quanto, ao deixar de contratar as empresas privadas de telecom para fazer essas interligações dos postos de saúde e demais serviços?
Ziller –  A economia não é o nosso principal objetivo. O principal é a qualidade do serviço, para não ficarmos dependendo do que está acontecendo aí fora. Não preciso ficar comentando o que acontece em banda larga no Brasil, né? Entendemos que se nós mesmos formos os prestadores da banda larga, a qualidade é muito maior. Não acho que ganharemos mais do que 10% a 15% em economia do serviço. Mas o que interessa é a qualidade.

Tele.Síntese – Mas o sr. acha que trabalhar com essas frequências não licenciadas – que não são protegidas – assegura essa qualidade? Não é muito arriscado?
Ziller – Mas vamos usar uma rede híbrida. Usaremos a rede de fibra para chegar até a porta das escolas. O entrocamento será feito por fibra, alguns entrocamentos usarão a rede wireless e a distribuição do sinal dentro das escolas é que contará com os equipamentos sem-fio nas frequências não licenciadas.

Tele.Síntese – As escolas também estão nesse projeto? Não são apenas os postos de saúde e demais estabelecimentos da prefeitura? O governo federal negociou com as concessionárias o backhaul nas escolas, haverá substituição desse programa?
Ziller –  O backhaul das escolas que pertence ao programa do governo federal oferece banda larga de 1 Mbps, que vai subir para 2 Mbps, mas Campinas tem escolas muito grandes. Uma coisa é levar um ponto, outra coisa diferente é fazer a cobertura de banda larga em toda a escola. O Wi-Fi será necessário. Não vou dispensar o programa Banda Larga nas Escolas de jeito nenhum, até porque é de graça, mas nas escolas maiores, iremos complementar a oferta.

Tele.Síntese – E o sr. pretende implantar a rede com que velocidades?
Ziller – Iremos dimensionar a rede paulatinamente. Para os centros de saúde, por exemplo, sabemos que são poucos computadores (4 a 5) que não precisarão de velocidades maiores do que 512 Kbps e até 1 Mbps, conforme for se desenvolvendo a demanda.

Tele.Síntese – E o sr. pretende interligar esses postos de saúde até quando?
Ziller
– Hoje eles já estão interligados com as empresas de telecomunicações. Vou implantar gradativamente. A Anatel nos concede 18 meses para implantar o projeto. O projeto básico, pretendemos entregar para a Anatel em três ou quatro meses, pois ela terá que autorizar as estações licenciadas. Não tenho expectativa de menos de um ano esta rede estar funcionando. Tenho 18 meses de prazo, pretendo concluir a rede em menos tempo, em 12 meses.

Tele.Síntese – O sr. falou em cidade digital. Esses pontos coletivos serão disponibilizados também pela Ima, ou diretamente pela prefeitura, com aquela licença de serviço limitado que o sr. viabilizou?
Ziller – Será a Ima, pois se a empresa já está cobrindo uma escola e um posto de saúde, o custo para disponibilizar outros pontos é bem menor.

Tele.Síntese – O sr vai cobrir toda a cidade, ou só alguns pontos?
Ziller – Eu ando como papagaio: um bico, um pé, outro pé; um bico, um pé, outro pé. Nós vamos desse jeito. Nós vamos colocar a cobertura nos principais pontos de interesse da cidade. Fizemos uma pesquisa para saber quais seriam esses pontos. Campinas é uma cidade de alto conteúdo tecnológico. A pesquisa mostrou que 56% das residências de Campinas já têm computador. Temos que caminhar com segurança, nem todos que têm computador em casa vão levar computador para rua.

Tele.Síntese – De que forma o Plano de Banda Larga do Governo Federal poderá interagir com o seu trabalho?
Ziller – Acho que é necessário o governo elaborar um plano de banda larga, mas não temos as informações nesse sentido. Acredito que poderá funcionar como o “Banda Larga nas Escolas”, ou seja, não atenderá todas as necessidades de Campinas, até porque parece que o programa estará mais voltado para as cidades pequenas. Mas o que vier para gente, será muito bem-vindo, pois irá complementar a nossa experiência.

Tele.Síntese – A Anatel acabou de publicar novo regulamento para ocupação da frequência de 3,5 Ghz, na qual ela destina um pedaço da banda para os projetos de governo, como prefeituras, etc. O sr. teria interesse em comprar essa faixa?
Ziller – É óbvio que gostaria de comprar um pedaço dessa faixa. Mas a Ima não tem condição – ou seja, não tem caixa – para competir em uma licitação com todos os players. Se pudermos usar a banda como empresa de economia mista, vinculada à prefeitura, para projetos públicos, achamos que devemos ter um pedaço dessa faixa.

Tele.Síntese – Como o sr. está vendo o mercado de telecom brasileiro este ano?
Ziller – Depois da crise, este ano, as situação econômica vai melhorar. O país deu a volta.

Tele.Síntese – Qual a sua avaliação sobre o papel da Anatel neste cenário?
Ziller – Agora sou presidente de empresa, e prefiro não falar sobre este assunto.