ARede nº53 novembro 2009 – Hoje, mais do que nunca, parece haver um consenso nacional de que educar é a solução: solução para formar cidadãos mais autônomos e comprometidos com a qualidade de vida das pessoas e do planeta, para qualificar trabalhadores, para promover o empreendedorismo, solução para melhorar a produtividade da força de trabalho, solução até para reduzir os níveis de violência. Esse consenso em torno da educação aparece claramente no universo de mais de 200 projetos de inclusão digital inscritos para o Prêmio ARede 2009, cujos 14 jurados escolheram a duras penas – diante da qualidade do conjunto – os dez vencedores. Entre eles, mesmo os projetos estritamente técnicos, como a ferramenta de software livre Demoiselle, do Serpro, ou o Ponline, do estado de São Paulo, que promove há três anos a única pesquisa sistemática do país sobre os resultados de um projeto de inclusão digital, embutem uma preocupação indisfarçável com educação. No caso do Ponline, os efeitos da iniciativa para o estudo da inclusão digital saltam aos olhos.
O Demoiselle, batizado em homenagem ao último monoplano de Santos Dumont, trata de, primeiro, educar a comunidade de programadores para a experiência do desenvolvimento coletivo de software em código aberto. A partir do ano que vem, os “educandos” do projeto serão os fornecedores potenciais de software para a administração federal: todos terão de aprender a programar em Demoiselle, nome também do melhor avião construído até 1910, que Dumont se recusou a patentear, para que outros inventores pudessem aperfeiçoar a máquina e, assim, beneficiar mais gente e mais rapidamente.
Nesta sua terceira edição, portanto, o Prêmio ARede confirma uma tendência que já se delineava com clareza em 2007: a educação está no foco direto de seis dos nove projetos premiados, sem contar a escolha de Léa Fagundes, educadora de renome que trabalha há décadas na confluência entre educação e tecnologia, como A Personalidade do Ano. Antes mesmo do advento do Windows e do PC, a professora já defendia o uso de computadores como instrumento de educação. “O aluno não aprende olhando a mídia, ouvindo a mídia, pois não é a percepção que dá o conhecimento”, avisa: é a interação.
Sete outros projetos premiados revelam que a ideia de inclusão digital já permeia o tecido social não só da administração pública brasileira mas também da iniciativa privada e da sociedade civil. Particularmente no âmbito do poder público, como mostrou o levantamento do Anuário ARede de Inclusão Digital, que está sendo lançado este mês, pela Momento Editorial, não só o número de iniciativas se multiplicou nos últimos anos, como elas vêm ganhando em qualidade.
Pela primeira vez – pelas razões expostas –, ARede premia dois projetos na categoria Educação: o UCA Piraí e o Programa de Ensino Médio Presencial com Mediação Tecnológica. Primeira cidade do Brasil em que todos os alunos da rede municipal têm um computador portátil, Piraí (RJ) era o caldo de cultura perfeito para que o projeto federal Um Computador por Aluno (UCA) vicejasse: ali, o poder público municipal já se empenha há anos na construção de uma cidadania digital. Quanto ao Amazonas, cujas zonas rurais desconheciam a existência de ensino médio até o ano passado, foi a vontade política do Estado, aliada à tecnologia, que levou, em três anos, 26 mil alunos às salas de aula do colégio via satélite.
A Escola Conectada, do Ministério da Educação em parceria com o Ministério das Comunicações, que vai universalizar o uso das TICs nas escolas urbanas do país até o final de 2010; o Ponline paulista e o projeto Rádio na Escola, da Prefeitura de Florianópolis, que descobriu o poder do rádio nas escolas municipais como ferramenta de aprendizagem, são os três projetos que completam a lista daqueles patrocinados pelo poder público.
O Prêmio ARede 2009 na categoria de Empresa Privada foi para a maior fabricante mundial de chips, com seu programa Intel Educar, que já formou 3.500 “professores-multiplicadores” por todo o país – e todos eles lecionam no ensino público. O objetivo do programa, iniciado em 2001, quando uma pesquisa constatou que três de cada cinco professores brasileiros não saberiam diferenciar um mouse de um rato, é familiarizar os docentes com a tecnologia e ajudá-los a usar todos os recursos tecnológicos disponíveis para o processo de ensino-aprendizagem.
Da mesma forma, o Instituto Vivo, uma entidade privada sem fins lucrativos, resolveu consultar a própria sociedade sobre a melhor opção de investimento para seus recursos destinados à inclusão digital – e criou a Rede Vivo Educação, um coletivo online que organiza grupos de trabalho virtual tanto em torno de teorias da educação como ao redor de projetos concretos em escolas reais. Foi assim que, em maio, um grupo de alunos de 5ª série de uma escola pública da periferia de Porto Alegre acabou produzindo, coletivamente, o primeiro e-book brasileiro, Brincando com os sentidos. A ideia nasceu na Rede Vivo, onde uma professora daquela escola descortinou novos horizontes e partiu para a ação.
O prêmio na categoria Organização da Sociedade Civil foi para o projeto Se Liga, que vem transformando a vida dos habitantes da cidade de Maracanaú, nos arredores de Fortaleza. Iniciativa da ONG Instituto Idear, em parceria com a prefeitura local, que praticamente paga todas as contas, o Se Liga, que começou com apenas dois telecentros, atua hoje em 33 e espera chegar a 85 em 2010 – todos em bairros de baixa renda, onde mora a maioria da população. Nos espaços do Se Liga, crianças, jovens e adultos aprendem e ensinam, como recomenda a professora Léa. Mas os resultados desse tipo de projeto são de longo prazo, “o tempo da germinação da semeadura”, adverte.
É por acreditar nesse tempo que a Momento Editorial instituiu um prêmio anual para os melhores projetos de inclusão digital no país, escolhidos por um júri composto por formuladores de políticas públicas, empresários, especialistas em tecnologia – pessoas de notório saber em suas áreas de atuação e de olhares diferentes, diferentes regiões e diferentes opiniões sobre o país e seus rumos. Reconhecer os melhores – descritos em detalhe nesta edição especial d’ARede – é uma forma de estimular iniciativas e inspirar novas ideias. É uma forma de semear.
Prêmio ARede 2009
Personalidade do Ano
Léa Fagundes, coordenadora do Laboratório de Estudos Cognitivos do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Modalidade Educação (CA)
– Rio de Janeiro
Projeto UCA Piraí
– Amazonas
Programa de Ensino Médio Presencial com Mediação Tecnológica
Modalidade Terceiro Setor (CA)
– Categoria Fundações e Institutos
Rede Vivo Educação
– Categoria Organização da Sociedade Civil
Se Liga
Modalidade Setor Público (CA)
– Categoria Federal
Ministério da Educação: Escola Conectada
– Categoria Estadual
São Paulo: Ponline
– Categoria Municipal
Florianópolis: Rádio na Escola
Modalidade Empresa (CA)
– Categoria Empresa Pública
Serpro: Demoiselle
– Categoria Empresa Privada
Intel: Intel Educar
Critérios da avaliação
A comissão julgadora analisou os projetos a partir de indicadores que apontam o impacto das ações nas comunidades beneficiadas e a sustentabilidade das iniciativas. Estes foram os critérios de avaliação:
Resultados – Foi julgado se os objetivos do projeto foram cumpridos, quais as contribuições para as comunidades e se havia metodologias para monitorar os resultados.
Gestão – A comissão avaliou se houve um mecanismo de interação com a comunidade para criar uma gestão compartilhada do projeto, quais foram as fontes de financiamento e os sistemas de administração operacional e financeira do projeto.
Tecnologia – Software, hardware, conexão, entre outros indicadores de tecnologia contaram na avaliação dos projetos, com prioridade para o uso de tecnologias abertas.
Público – Foram consideradas as metas diretas, quantificadas, e a s indiretas, de alcance social.
Inovação – Contou pontos o grau de contribuição do projeto para a renovação de processos e para a inspiração a outras iniciativas.
A arte que recicla
Para fazer o troféu do Prêmio ARede 2009, a Momento Editorial convidou o artista plástico Lúcio Bittencourt, que trabalha com sucata de aço. Com mais de dez mil peças produzidas e duas mil exposições nacionais e internacionais, ele criou peças inéditas e exclusivas para cada premiado, inspiradas no conceito de redes para a inclusão digital.
Bittencourt é um artista reconhecido não apenas por sua estética peculiar, mas também pelo trabalho de reaproveitamento de materiais descartados. Desde garoto, juntava latas, pregos, madeiras e outros materiais que se transformavam em carrinhos e estátuas no quintal de casa, em Mogi das Cruzes (SP), onde nasceu. Quando arrumou emprego em uma funilaria de automóveis, já adolescente, aprendeu a soldar metal – e deu início a uma trajetória de mais de 30 anos de sucesso, percorrendo caminhos que vão desde a Bienal de São Paulo, em 1985, até exposições na Europa (1993). Para 2010, o artista se prepara para mais uma vernissage internacional, desta vez na Espanha.
Formado em Artes Plásticas e Educação Artística, Bittencourt tem obras expostas em diversos museus, mas também em muitas praças públicas de cidades brasileiras. Hoje, é com sucata industrial que ele realiza as obras de que mais gosta: as grandes esculturas, montadas com guindastes. Para a cidade de Assis (SP), por exemplo, fez um São Francisco de 12 metros de altura. Em Araçariguama (SP), sua obra “Desbravador” tem 25 metros de altura.
Comissão Julgadora
Modalidade Educação (CA)
– Arthur Pereira Nunes, coordenador-geral da Representação do Ministério
da Ciência e Tecnologia no Rio de Janeiro
– José Valente, Professor do Núcleo de Informática Aplicada à Educação, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
– Rogério Costa, pesquisador do Laboratório de Inteligência Coletiva da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
– Sinara Duarte, professora da rede de ensino de Fortaleza (CE) e pesquisadora de novas tecnologias na educação Modalidade Terceiro Setor
– Ezequiel Pinto Dias, analista sênior do Departamento de Informática do SUS (Datasus)
– Hernani Dimantas, pesquisador da Escola do Futuro (USP) e coordenador de conteúdo do Programa Acessa São Paulo
– Manoel Horário Francisco da Silva, presidente do Banco Fator
– Roseli Lopes, professora e pesquisadora do Laboratório de Sistemas Integráveis da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP)
Modalidade Setor Público (CA)
– Carlos Eduardo Corrêa da Fonseca, consultor de informática
– Cecília Hartmann Regueira, presidente do Instituto Hartmann Regueira
– Marco Antonio Lage, diretor de Comunicação Corporativa da Fiat Automóveis
Modalidade Empresa (CA)
– Marcelo d’Elia Branco, coordenador da Associação de Software Livre
– Roberto Agune, coordenador da Secretaria de Gestão do Estado de São Paulo
– Teófilo Galvão Filho, pesquisador em Tecnologia Assistiva para inclusão educacional de alunos com deficiência