O remo e a caneta, enfim juntos.
O Amazonas resolve o problema do ensino médio em áreas rurais: 26 mil alunos já passam todo dia do remo (ou da enxada) à caneta. ÁUREA LOPES*
ARede nº53 novembro 2009 – O barqueiro amazonense Daniel Carneiro Fonseca, de 39 anos, fez o ensino fundamental e depois ficou sem estudar por 18 anos. Agora, ele encontrou um meio de continuar sua educação formal, sem precisar abrir mão da terra onde construiu a vida, com a esposa e os quatro filhos. Ou melhor: da água onde construiu a vida. Fonseca mora e trabalha na ilha de Parintins, município amazonense na divisa com o Pará, a 27 horas de barco de Manaus, capital do estado.
Diariamente, às 5 da manhã, ele leva a primeira turma de crianças da comunidade de São Sebastião do Boto à escola local, pilotanto uma pequena embarcação com motor de popa. Muitas idas e voltas depois, às 16 horas, é ele quem pega um barco para ir à escola onde assiste às aulas do segundo ano do ensino médio – transmitidas via satélite, ao vivo, de um estúdio em Manaus para o televisor na sala de aula. O curso vai das 19h às 22h. Toda noite, de segunda a sexta. O barqueiro compensa o cansaço com seus projetos para o futuro: estudar informática e agronomia e trabalhar com a defesa da natureza. “Quero ser secretário do Meio Ambiente da minha cidade”, avisa.
O barqueiro de Parintins é um dos 26 mil habitantes da zona rural do estado do Amazonas que, desde 2007, se beneficiam do Programa de Ensino Médio Presencial com Mediação Tecnológica. São 740 salas de aula em 400 escolas, distribuídas em 62 municípios do interior do estado. Nelas, os estudantes se comunicam com os professores das várias disciplinas por um sistema de videoconferência e são orientados localmente por um professor que acompanha as tarefas, tira dúvidas e aplica provas. “A demanda inicial, que era de apenas 260 salas de aula, triplicou”, revela o professor José Augusto de Melo Neto, coordenador geral do programa. “Até 2010, esperamos ter mais de mil salas de aula em 500 escolas.”
O programa foi lançado em 2007, oferecendo o primeiro ano do ciclo médio. Em 2008, começou o segundo ano e, em 2009, foi implantado o terceiro e último ano, tudo com a mesma carga horária e o mesmo currículo dos cursos presenciais – com direito a certificado de conclusão reconhecido pelo Ministério da Educação. “Os indicadores mostram taxas de aprovação e de permanência mais altas do que nos cursos convencionais”, comemora o mentor da iniciativa, Gedeão Timóteo Amorim, secretário de estado de Educação e Qualidade do Ensino (Seduc). Dados da Seduc contabilizam 77,5% de aprovação das turmas do projeto em 2007, contra 60% de aprovação no ensino convencional do Amazonas em 2005.
Como em qualquer programa de TV, as aulas também têm uma produção prévia. Os professores preparam roteiros e selecionam material ilustrativo, como fotos, vídeos e animações. “Temos uma infinidade de recursos para tornar a aula atrativa”, diz o professor de História, Amaury Oliveira Pio, que integra o corpo de professores especializados e a equipe pedagógica do programa em Manaus, no Centro de Mídias da Educação do Amazonas. O Centro tem dois estúdios de TV — um para as aulas do primeiro ano, outro para as do segundo.
Com 3,7 milhões de habitantes distribuídos por uma área de 1,5 milhão de quilômetros quadrados, o Amazonas desafia qualquer projeto de inclusão digital, sobretudo na zona rural, onde o ensino médio era praticamente inexistente até o ano passado. O programa de educação à distância do estado do Amazonas foi viabilizado pela vontade política somada à tecnologia da banda satelital C, distribuída por meio de equipamentos de rádio pré-WiMAX e hotspots com sinal de Wi-Fi nos pontos de maior circulação.
Além da infraestrutura de comunicação – foram feitos três grandes contratos para o fornecimento das antenas VSAT, com a empresa Hughes –, o investimento incluiu serviços técnicos e aquisição de equipamentos. De acordo com o secretário Amorim, até agora o projeto já custou R$ 15 milhões ao governo do Amazonas, para custear toda a estrutura, capacitar professores e montar o Centro de Mídias.
Modelo é referência
O estado também despende cerca de R$ 300 mil mensais na manutenção do programa. Mesmo assim, afirma o secretário, “sai mais barato do que escolas convencionais, tanto em despesas de custeio como em folha de pessoal – e a qualidade do ensino é melhor, com muito mais recursos didáticos”.
A Hughes equipou o estado para o programa de ensino médio a distância: são 406 estações em escolas, três canais de vídeo IP, 200 sites remotos e 4 Mbps de banda de internet. Nas escolas cada sala de aula tem antena VSAT bidirecional, roteador-receptor de satélite, microcomputador equipado com câmera e microfone, TV LCD de 37 polegadas, impressora a laser e no break. Complementam a solução o acesso à internet em banda agregada ofertada pela Hughes, tanto via satélite quanto pelo backbone de seu centro de operações, em São Paulo.
“O projeto tornou-se referência para outras localidades do Brasil e do mundo”, afirma Ricardo Amaral, gerente de Negócios de Educação da Hughes. Amorim, o secretário amazonense, adianta que o estado da Bahia já está interessado em adotar o modelo.