A colaboração faz a força
O projeto do Serpro corta custos substanciais NA administração pública: quem quiser vender software ao governo, terá de desenvolver em Demoiselle. VERA FRANCO
ARede nº 53 novembro 2009 – A partir do próximo ano, o projeto Demoiselle promete decolar. Ferramenta livre, desenvolvida pelo Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), a solução (framework) foi idealizada para servir de base a todas as empresas que fornecem software para a administração pública. Com isso, será possível padronizar as soluções tecnológicas do governo federal, garantindo interoperabilidade e impulsionando a geração de software livre. O projeto vem sendo desenvolvido de forma colaborativa, há seis meses, pelos participantes da Comunidade Demoiselle. Em janeiro de 2010, estará aberto ao público o primeiro curso a distância, gratuito e com tutoria avançada, sobre a plataforma. Até junho, será lançado um livro para formação de universitários e pós-graduados nas áreas de engenharia e tecnologia da informação. Ao disseminar uma cultura de uso do Demoiselle, o Serpro espera contribuir para a formação de um novo mercado de trabalho, de alta qualidade, onde as pessoas possam ter emprego e renda a partir do software livre.
O nome Demoiselle foi inspirado na aeronave de Santos Dumont que serviu de base para o desenvolvimento da aviação. Ao se recusar a patentear seu invento, o pai da aviação publicou todas as especificações técnicas da aeronave para que qualquer um pudesse reproduzir, modificar e implementar melhorias. O licenciamento adotado pelo Serpro permite que o framework Demoiselle seja utilizado em aplicações abertas e proprietárias, de modo que qualquer interessado possa usá-lo para fins comerciais. Ao estabelecer um padrão de desenvolvimento de aplicações, a ferramenta vem resolver um problema crônico do governo, o de interoperabilidade. Empresas interessadas em participar de concorrências para o desenvolvimento de software governamental serão obrigadas a seguir esse padrão. Isso impede que somente alguns fornecedores sejam beneficiados, por dispor de ferramentas de construção de software não acessíveis aos demais.
“A expectativa é de que o Demoiselle propicie a contratação, pelo governo, de empresas de menor porte”, avalia Antônio Carlos Tiboni, gerente de coordenação do projeto Demoiselle. “Esses pequenos não precisarão comprar ferramentas para gerar produtos. Isso também vai acelerar o processo de desenvolvimento deles.” Hoje, o Serpro tem 13 sistemas diferentes de orçamento, com oito tecnologias distintas, o que aumenta muito o custo de manutenção e operação.
O grande atributo do Demoiselle, disponível no portal do Software Público Brasileiro desde abril, é a construção colaborativa – qualquer empresa ou desenvolvedor autônomo pode participar da comunidade, reportando um erro, sugerindo melhorias, submetendo códigos ou ajudando na documentação. Como a maioria dos projetos de software livre, o Demoiselle segue o modelo de governança da meritocracia – quanto mais contribuições oferecer, mais o usuário ganha espaço no projeto. Orientada pelas especificações da tecnologia Java, a ferramenta se divide em cinco subprojetos, cada um com seu ciclo de vida independente, permitindo a reutilização dos módulos.
Desenvolvedores em ação
Para que alcance a agilidade e o sucesso necessários, as comunidades de software livre têm que ficar sempre atentas. É preciso aumentar o número de participações, especialmente as de desenvolvedores, responsáveis por consolidar as contribuições, gravar as alterações e lançar novas versões da ferramenta. O Demoiselle tem apenas oito desenvolvedores ativos – em comunidades que já atingiram o nível de maturidade desejado, a média é de 300 a 500 participantes. Entre os usuários do Demoiselle, estão as empresas de processamento de dados dos estados do Paraná (Celepar), Pará (Prodepa) e Bahia (Prodeb) – esta última se comprometeu a instalar o Demoiselle em seus servidores de desenvolvimento e a estudá-lo. Usam o Demoiselle a GovTech, fornecedora de soluções administrativas e financeiras para governo municipal e estadual e uma das primeiras a adotar a plataforma; e a DataInfo, fabricante de software que presta serviços de consultoria em TI em Blumenau. O próprio Serpro já tem 30 projetos oriundos de todas as suas 11 regionais que usam o Demoiselle, como o Sistema Interno de Gestão Comercial (Sigecom) e o Sistema Administrativo Financeiro do governo (Siaf). “Essas empresas já notam uma redução de custo significativa por não precisarem mais pagar pela licença de software e migrarem da plataforma de mainframe para microcomputadores”, explica Flávio Gomes da Silva Lisboa, administrador do Serpro responsável pelo relacionamento com a Comunidade Demoiselle.
Estratégia de divulgação
A estratégia de divulgação do Demoiselle não se limita ao mercado. São efetivos os esforços do Serpro para motivar seu público interno a compartilhar conhecimento na plataforma. Uma norma editada pela empresa no dia 19 de junho estabelece a liberação dos funcionários para atuar em pesquisas para utilização de componentes de software livre em múltiplas áreas: iniciativas de software livre externas à empresa; apoio a projetos do Serpro em código aberto e projetos sociais de inclusão digital. O investimento no Demoiselle, que começou a ser desenvolvido em março de 2008, consiste basicamente na mão-de-obra dos próprios funcionários. Em Curitiba, foi formada uma equipe de sete pessoas, que toca o projeto com a colaboração do “Grupo de Arquitetos”, todos funcionários das 11 regionais do Serpro espalhadas pelos grandes capitais do país.
Ao poder baixar o código e estudar as suas especificidades, a indústria de software nacional terá mais condições de competir com os grandes concorrentes internacionais. O Demoiselle vem também contribuir para o surgimento de novas empresas especializadas em oferecer serviços de implantação, treinamento, customização, serviços de suporte e manutenção.