Prêmio ARede 2010 – Terceiro Setor | Acessibildade | Telelibras

Um jornal para todos. Sem exclusão.

Programa veiculado na web é produzido por portadores de diferentes tipos de necessidade especiais   Carlos Minuano

ARede nº64 novembro de 2010 – A maior parte dos programas de TV das emissoras comerciais não têm tradução simultânea em Libras, a linguagem dos sinais. Por isso, os seis milhões de brasileiros portadores de deficiência auditiva são excluídos do direito à informação e ao entretenimento. A eles, além da audição, falta uma mídia que garanta os seus direitos. “Gostaria que todos pudessem fazer a experiência de tapar os ouvidos e assistir televisão por uma hora. Só assim, saberiam o que os surdos sentem”. A sugestão vem de Neivaldo Zovico, deficiente auditivo e diretor regional da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos.

“Comunicação é uma necessidade do ser humano”, defende Claudia Cotes, fonoaudióloga, doutora em linguística e presidente da ONG Vez da Voz, voltada à inclusão de pessoas com deficiência. “Vivemos em um país lotado de leis sobre acessibilidade que estão somente no papel”, desabafa. Para ela, a mídia não está cumprindo seu principal papel, o de informar. “São milhões de pessoas que não entendem o que se passa na televisão”. Para tentar mudar essa realidade, ela decidiu criar, em 2007, o primeiro telejornal inclusivo da internet brasileira, o Telelibras. O jornal rapidamente bombou na rede. Com duas edições semanais, alcança em média 30 mil acessos por mês.

Além do uso da linguagem Libras, o Telelibras decidiu ampliar a inclusão e incorporou na equipe pessoas com diferentes tipos de necessidades especiais – portadores de Síndrome de Down, surdos, cegos e cadeirantes. Desde o início do projeto, já foram produzidos 176 programas. “Se levar em conta todo o material, já são 250 vídeos”. Na pauta, cultura, esporte, política, economia, ciência, variedades, cidadania, entre outros. Quinzenalmente se reúnem com jornalistas para a gravação dos programas. “Eles produzem também as matérias externas durante a semana, e alguns já escrevem o próprio texto, que depois passa pela edição da equipe”, conta Claudia.

Segundo ela, surdos e portadores de Síndrome de Down são os que têm mais dificuldade para desenvolver o trabalho. Por isso, participam de oficinas de texto, narração e Libras, antes de entrar no estúdio para gravar. As gravações que eram feitas em estúdio improvisado em Campinas (SP) acontecerão agora em São Paulo. Para facilitar acesso de deficientes, Claudia acaba de alugar uma sala no bairro do Paraíso, “em um prédio acessível”, ressalta.

Enquanto em outros países experiências semelhantes focam apenas seus públicos específicos, o Telelibras busca ir além. “Queremos promover a interação entre pessoas com e sem deficiência. É um jornal para todos. Aliás, é o que veículos de comunicação também deveriam fazer”, diz Claudia, que critica a televisão por falar em acessibilidade, mas não praticá-la em seus telejornais e demais programas. Ela acredita que a televisão brasileira só mudará com pressão do governo.

Entretanto, o caminho começa a ser aberto – e não por vias governamentais. Pela primeira vez, deficientes auditivos têm acesso a um programa de rádio. A experiência pioneira, no Brasil e no mundo, é resultado de parceria
da ONG Vez da Voz com a Rádio CBN. Já estão disponíveis no site da emissora, em Libras, parte do conteúdo da programação da emissora e o boletim “Cidade Inclusiva”, apresentado por Cid Torquato.

Voz para quem não tem vez
Apesar de o projeto ter sido iniciado só há três anos, em sua vida – pessoal e profissional – Claudia Cotes está, há tempos, intimamente ligada à mídia e às pessoas com deficiência. Como fonoaudióloga, assessora repórteres há 12 anos e é consultora da emissora local da Rede Globo de Campinas, a EpTV. No caso do projeto para pessoas com deficiência, em parte, a ideia veio de sua própria casa.

Também formada em Letras e autora de livros infantis, Claudia – inspirada na convivência com o irmão, portador de Síndrome de Down, produziu o kit ‘Vez da Voz’, com CD e livros de histórias que valorizavam a diferença. “O que era um simples kit virou um projeto de ação social que percorreu varias cidades”. O irmão recebeu o kit, e gostou. Ele morreu em 3 de dezembro de 2004 – Dia Internacional do Portador de Deficiência.
A data simbólica e a dor da perda selaram em definitivo seu destino. Daquele dia em diante, sua vida seria dedicada ao trabalho com pessoas com deficiência. Logo em seguida, o projeto recebeu o apoio institucional da Unesco e em fevereiro de 2005 nascia a Vez da Voz, segundo ela, para “dar voz a quem não tem vez”.

A ideia de produzir um veículo que atendesse a deficientes veio da observação da inacessibilidade da mídia convencional, diz ela. “Ler um jornal ou uma revista, por exemplo, é extremamente difícil para surdos que se comunicam apenas por Libras”, explica Claudia. Foi então que ela teve a grande ideia: “Vou criar um jornal para eles”.

Apesar de jovem, a ONG só tem o que comemorar. Além de uma trajetória de parcerias bem sucedidas, já acumula uma série de prêmios. E acaba de receber mais um. O projeto Telelibras foi o vencedor na categoria Acessibilidade da modalidade Terceiro Setor da quarta edição do Prêmio ARede de Inclusão Digital. “Esse reconhecimento fortalece nossa certeza de que estamos no caminho certo, na direção de uma comunicação mais democrática e inclusiva”, comemora a presidente da Vez da Voz.
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