Prêmio ARede 2014 – Setor Privado | Conteúdo de interesse público
A moçada dos morros aparece no mapa
Projeto Agentes da Transformação recorre aos moradores das comunidades para saber mais sobre as necessidades locais e subsidiar políticas públicas
Texto Áurea Lopes | Foto Rubens Kurin
ARede nº 101 – especial novembro de 2014
UMA PARCERIA entre o Instituto TIM e o Instituto Pereira Passos (IPP), autarquia da prefeitura do Rio de Janeiro, está levantando informações sobre os jovens que vivem nas comunidades pacificadas cariocas. O projeto Agentes da Transformação, vencedor do Prêmio ARede 2014, capacita meninas e meninos de 14 a 24 anos para trabalhar como entrevistadores nas regiões onde moram, reunindo indicadores socioculturais que podem orientar a formulação de políticas públicas.
A primeira fase foi realizada em 2013, em dez comunidades. Agora, na segunda etapa, estão sendo mapeadas as comunidades de Batan, Parque Oswaldo Cruz (Manguinhos), Unidos de Santa Teresa (Fogueteiro), Mangueira, Salgueiro, Santa Marta e São João. Em cada localidade, dez jovens integram o time de pesquisadores locais. Em 2013, foram aplicados 5 mil questionários. Este ano, serão 3,5 mil.
Andréa Pulici, gerente de Pesquisa e Avaliação do IPP, e coordenadora da segunda edição da pesquisa, explica que para formar a equipe de campo o IPP visita as escolas estaduais dos bairros e convida os estudantes, que por sua vez divulgam o projeto entre seus amigos. A TIM paga uma bolsa de R$ 250 aos participantes e fornece os tablets usados para registrar os dados coletados, todos com conectividade 3G.
Antes de sair batendo nas portas dos vizinhos, os jovens recebem uma capacitação sobre o ofício de entrevistador, aprendem noções de estatística e colaboram para montar um plano de ação. Recebem, também, treinamento para lidar com os tablets no trabalho. As capacitações duram quatro semanas, com carga de 4 horas diárias, sempre no contraturno escolar. Depois, os pesquisadores ficam em campo por cerca de três meses. “Concluída a coleta, fazemos nova capacitação em cima dos resultados. É um segundo ciclo, em que a gente apresenta os resultados para eles, que analisam e os apresentam depois, em uma formatura, a uma plateia de jornalistas, funcionários da prefeitura e familiares”, diz Andréa.
Rubens Kurin, coordenador geral do projeto desde o início, aponta outros efeitos sociais da inicitaiva: “O contato entre os jovens e com a comunidade acaba por estimular a formação de grupos e propiciar articulações locais. Assim, o trabalho também se torna um instrumento para formação cidadã, de onde podem surgir novas lideranças”.
COMUNIDADE CANSADA
Ano passado foram 5 mil entrevistas. Em 2014, mesmo com uma quantidade (um pouco) menor, a rotina não é moleza não. “Algumas pessoas ficam assustadas quando a gente chega perguntando. É natural. Antes da pacificação, a coisa aqui era complicada”, conta Matheus Wassil Mesavilla Esperança, de 18 anos, que participa da segunda fase do projeto, iniciada em junho. Ele mora no Morro do Salgueiro. Faz um curso supletivo pela manhã e no período da tarde se dedica ao projeto. No dia a dia, precisa também vencer outro preconceito, o de que levantamentos do tipo não levam a nada. “A comunidade está cansada de responder pesquisas e não ver mudanças, de não ver continuidade nos projetos”, diz.
Os agentes carregam a tiracolo o tablet, que usa o sistema operacional Android. Inserem os dados coletados no software livre Para Pesquisa, desenvolvido por outra parceira, a empresa La Fabrica, especialmente para o projeto. Os formulários preenchidos são transmitidos pela internet e armazenados em plataforma web. Pela internet, os gestores podem criar novos formulários e acompanhar os registros. O programa tem interfaces para pesquisas realizadas, pendentes, fluxo de aprovação de pesquisas, criação de usuários pesquisadores e coordenadores e atribuição de cotas de pesquisa.
Marlon de Souza Rangel, 17, estudante do 3º ano do ensino médio, já participa pela segunda vez do Agentes da Transformação. “Fiquei surpreso de ver quantos jovens pararam de estudar. E concluí que muitas pessoas reclamam da vida, mas não sabem como é a realidade de gente que está muito abaixo, gente que ganha 400 reais para sustentar três filhos”, diz. Seu colega, Eduardo Rosa Thomé dos Santos, que participou da primeira fase do projeto, se chocou, ainda, com a pobreza extrema e falta de projetos sociais. “Na época do tráfico eu praticamente não saía de casa. Por isso, não conhecia a minha comunidade”, relata.
RETRATO DE UMA GERAÇÃO
Na primeira etapa do Agentes da Transformação, em 2013, cem jovens e mais dez coordenadores de campo trabalharam nas comunidades Borel, Cidade de Deus, Formiga, Morro dos Prazeres, Nova Divineia, Pavão, Pavãozinho, Providência, São Carlos, Tabajaras e Vidigal. Descobriram que 89% acessam a internet rotineiramente, 72,8% o fazem todos os dias, e o Facebook é o serviço mais usado, acessado por 86,3% deles. O levantamento também revelou, por exemplo, que 17% dos jovens são responsáveis pelo domicílio e que 19,1% têm filhos. Estudar é um desafio para a maioria. Dos jovens de 18 a 24 anos, apenas 20% se dedicam unicamente aos estudos. Entre o restante, 6,9% estudam e buscam emprego, 13,3% estudam e trabalham, 29,8% só trabalham, 10% só buscam emprego e 20% não estudam, nem trabalham, nem procuram emprego.