Sala de aula mais atrativa
Projeto aposta na formação de professores para estimular o uso de tecnologia na escola a partir de dispositivos portáteis
Rafael Bravo Bucco
ARede nº 94 – especial novembro 2013
Cerca de 450 escolas em 13 países já receberam o projeto Aula Fundação Telefônica, que leva recursos digitais móveis e conexão de internet a escolas públicas, promove formação de educadores e estimula a troca de informações e experiências em ambientes virtuais. Coordenada pela Fundação Telefônica, na Espanha, a iniciativa chegou ao Brasil em 2008 pra ficar três anos. Mas deu tão certo que permaneceu e hoje acontece em 47 escolas estaduais e municipais paulistas, das cidades de Bauru, Bebedouro, Campinas, Diadema, Hortolândia, Ourinhos, Santos e São Paulo.
“Em um terço das escolas integrantes, os recursos tecnológicos fornecidos pelo projeto representam 70% do total de equipamentos disponíveis para estudantes e docentes”, observa Françoise Trapenard, presidente da fundação. Em cinco anos, o investimento realizado no Brasil foi de cerca de R$ 10 milhões. Nesse período, foram distribuídos 1.600 Classmates (netbooks para as crianças), 47 projetores, 47 carrinhos para guardar e carregar os equipamentos, 47 notebooks e 10 lousas digitais. A maioria dos alunos beneficiados cursa o ensino fundamental, uma vez que a maior parte das instituições é de redes municipais de ensino. Mas também há estudantes do ensino médio e, resultado dos trabalhos dos dinamizadores, os equipamentos têm sido usados ainda em cursos de Educação de Jovens e Adultos (EJA) e formações para inclusão digital de pais de alunos.
Quase 800 professores passaram por oficinas presenciais e virtuais. “Parte deles assumiu a tarefa de animar e orientar os colegas na aplicação das tecnologias em sala de aula, além de servir de elo com a equipe de capacitação”, conta Milada Tonarelli Goncalves, gerente de educação e aprendizagem. Os educadores do programa têm suporte remoto permanente de especialistas. “O projeto busca a integração entre aplicação e reflexão sobre o uso das tecnologias, incluindo a construção conjunta de estratégias e a partilha de experiências entre integrantes da comunidade escolar”, completa Milada.
Cursos online, que duram 40 horas, são realizados três vezes ao ano. Em paralelo, uma formação presencial, que acontece de quatro a cinco vezes ao ano nos municípios, é oferecida aos “dinamizadores” do projeto. Esses dinamizadores compõem equipes de professores, diretores e coordenadores pedagógicos, com média de cinco pessoas em cada escola. São responsáveis por multiplicar as ações do projeto entre seus colegas. Entre os dinamizadores, cada cidade seleciona um “formador local”, que faz a ponte entre a equipe de formação e as escolas do município, permitindo que o projeto impacte também escolas que não tenham sido diretamente incluídas.
A professora Carolina Quattrer, de informática educativa da UME Professor Avelino da Paz Vieira, da cidade de Santos, é uma das dinamizadoras. “A escola tinha laboratório de informática, mas com os classmates aumentam o uso, pois temos a possibilidade de ir até a sala de aula”, conta. Ela participou da formação presencial, que aconteceu até o final de 2012. Para os professores menos habituados à tecnologia – em sua escola os classmates chegaram há cinco anos – recomendava os cursos online. “Começa com o básico, como criação de e-mail, e cada módulo vai aprofundando em alguma ferramenta específica”, explica. Nas formações, os professores são estimulados a trocar conhecimento com pares de outras cidades e países. O compartilhamento se dá por meio de ambientes virtuais. Cada escola mantém um blog onde são relatadas as atividades. Todas participam da Rede AFT de Educadores (global), que serve para publicação de notícias e práticas pedagógicas.
Desde o início, uma estratégia de avaliação tem acompanhado os avanços e os limites do projeto. Os indicadores observam aspectos como: disponibilidade de computadores, organização das tecnologias, formação de professores e gestores, e presença de tecnologias nas práticas pedagógicas. Realizadas com envolvimento direto das escolas, as avaliações levaram à reformulação de várias práticas ao longo dos anos. Entre os resultados, foi identificado que mais de 80% das escolas incluíram o uso das tecnologias em seus projetos político-pedagógicos. Professores de diferentes disciplinas se apoderaram dos equipamentos, construindo programas curriculares em conjunto, e utilizando os equipamentos para atividades comunitárias.
Não há perspectivas de ampliação da rede de escolas atendidas. “Em 2014 acontecem as últimas formações online de professores, com tutoria”, diz Françoise. Mas o projeto tem a meta de ampliar a reflexão sobre a cultura digital na educação para além das escolas envolvidas. Recentemente, foram lançadas seis cartilhas que retratam experiências das escolas em relação à participação dos alunos monitores, ao papel da infraestrutura tecnológica, aos multiletramentos que o professor pode explorar, ao potencial de uso de pesquisa na web com os alunos e o impacto da mobilidade em projetos de inclusão digital na educação.
O projeto é atualmente executado pela Fundação Carlos Alberto Vanzolini. Em anos anteriores, a gestão executiva esteve a cargo de organizações como o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), o Instituto Educadigital e a ONG Ação Educativa. Teve o apoio das secretarias municipais de educação de Bauru, Bebedouro, Ourinhos e Santos, e da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo (referente às escolas de Campinas, Diadema, Hortolândia e São Paulo). “As secretarias viabilizaram a liberação dos professores para participar das atividades e alocaram um profissional para dar suporte à infraestrutura. Também contribuíram com uma ajuda de custo para o Formador Local”, relata Françoise.
Cada escola recebeu 35 classmates, um notebook para o professor, um projetor, uma lousa digital, um carrinho. Houve também a adequação da infraestrutura e o fornecimento da conexão sem fio, com direito a suporte e manutenção. A Fundação negociou com as secretarias a melhoria do link e a criação de redes de internet sem fio nas escolas onde não havia esses recursos. Em algumas cidades, todas as escolas participam do projeto ou seguiram o exemplo para equipar as salas de aula. Sônia Maria de Oliveira Paro é vice-diretora da EMEB Maria Fernanda Lopes Piffer e professora do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), em Bebedouro. Desde o início do projeto, usa os classmates em aula com crianças, troca figurinhas com educadores de diversos países, e pensa em projetos que transformem a realidade local. Foi assim que levou o uso dos micros à alfabetização de adultos.
Em quatro anos, cerca de cem trabalhadores usaram computadores portáteis para o aprendizado. “Eles tinham dificuldade para aprender por meio de cadernos e livros. Aí fizemos um trabalho com os classmates”, lembra. Durante a aula, os alunos fazem de tudo. Entram no Google Maps, vão até a rua onde moram. Procuram pela fazenda, veem fotos do pomar em que trabalham. Fazem compras. “Tinha alunas que não sabiam mexer no celular, que recebiam pagamento e não sabiam tirar dinheiro do caixa eletrônico. O resultado foi uma autoafirmação”, lembra. Dessa forma, os alunos e professores constróem juntos o conhecimento – e multiplicam a cidadania.