Pesquisa do Ipea avalia o programa Cultura Viva, que criou os pontos de cultura e a ação de cultura digital. Patrícia Cornils
ARede nº55 fevereiro de 2010 – Existe uma diferença entre democratizar o acesso à cultura e promover democracia cultural. O primeiro conceito fundamenta a maior parte das iniciativas de política pública cultural e seu pressuposto é ampliar o acesso dos cidadãos a bens culturais consagrados: livros, teatro, cinema, música. O segundo, mais amplo, incorpora a noção de que os cidadãos produzem cultura. Essa constatação é ainda mais verdadeira quando se fala do Brasil e da diversidade de manifestações culturais existentes, independentes do poder público e do mercado, em todo o país. Na Constituição, esse reconhecimento existe: o direito cultural liga-se ao direito de produzir, fruir, transmitir bens e produções culturais.
A adoção do segundo conceito é a principal contribuição do programa Cultura Viva, do Ministério da Cultura (Minc), ao criar, em 2004, os Pontos de Cultura. Esta é a conclusão de um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre o Cultura Viva. Realizado em 386 dos 526 Pontos de Cultura conveniados com o MinC até 2007, o estudo vai se tornar um livro, em fase de conclusão. “Uma ação que apoia com continuidade atividades já existentes e reconhece que a população produz cultura de uma maneira diversa e peculiar é uma modalidade totalmente nova de política pública”, explica Frederico Barbosa, pesquisador do Ipea e um dos coordenadores do estudo.
O universo de pontos de cultura aumentou de 2007 para cá. Com a realização de convênios em conjunto com estados e municípios, há cerca de 2,5 mil em atividade. O programa repassa, na forma de convênio, R$ 180 mil, em três parcelas anuais de R$ 60 mil, a entidades da sociedade civil (associações, bandas, grupos de teatro ou música e mesmo empresas). Com isso, alcançou uma amplitude nunca antes vista em uma iniciativa cultural do Estado brasileiro. Um exemplo é o número de pessoas que trabalhavam nos 386 pontos pesquisados, remuneradas ou como voluntárias: 4.123. “É um esforço enorme de alocação de recursos humanos”, observa Barbosa.
O estudo, os gestores do MinC e os coordenadores dos Pontos de Cultura reconhecem o acerto e a revolução da política, mas também apontam suas insuficiências. A mais séria é o atraso nos repasses de recursos e ausência de informações padronizadas, consensuais e claras sobre as exigências que o Estado brasileiro faz aos conveniados, para atender requisitos legais. Um percentual enorme do atraso, de acordo com o MinC, deve-se a problemas na prestação de contas pelos Pontos, a qual, por sua vez, envolve uma burocracia difícil de atravessar por associações não habituadas a se relacionar formalmente com o Estado. E com as quais o Estado também não se relacionava.
Dos Pontos pesquisados, 63% participam da ação Cultura Digital (os Pontos recebem um equipamento composto de uma mesa com dois canais de áudio, filmadora, gravador digital e duas ilhas de edição para a produção de conteúdos multimídia). Desses, 37,6% adotaram ferramentas livres e 29,7% adotaram conceitos de “cultura digital”. Foram apontadas dificuldades de acompanhamento, assistência técnica inadequada e outras inerentes ao uso de ferramentas livres. “O conceito de cultura digital é uma ideia importante, porque dá um passo à frente no entendimento do que é inclusão digital. Propõe que os Pontos passem a lidar diretamente com o mundo digital e, ao usar software livre, fazerem isso de maneira mais autônoma”, explica Barbosa.