Projeto Azeredo permite entrega de dados de internautas às autoridades sem ordem judicial

Projeto continua tramitando na Câmara dos Deputados.

08/11/2010

O projeto Azeredo, contra o qual a sociedade civil se mobilizou nos dois últimos anos, continua tramitando na Câmara dos Deputados. E como o Marco Civil da internet no Brasil, que estabelece os direitos dos internautas, sequer foi apresentado ao Congresso, há um enorme risco do Projeto Azeredo — que criminaliza práticas cotidianas na internet — seja aprovado antes mesmo que  esses direitos sejam garantidos.

Em sua tramitação pelas comissões da Câmara dos Deputados, o projeto Azeredo, também chamado de AI-5 Digital, foi modificado para pior — em sua nova versão, permite a entrega desses dados à autoridade policial sem a necessidade de ordem judicial prévia, o que é inconcebível em um Estado democrático de Direito.

Veja abaixo dois artigos sobre o projeto, publicados pela Folha de S.Paulo no dia 6 de novembro. Um do próprio senador Azeredo, defendo sua proposta. E outro de Ronaldo Lemos, direitor do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV, explicando porque o projeto ameaça liberdades civis na internet e não deve ser aprovado. O abaixo-assinado online contra a aprovação do projeto está disponível neste endereço e já tem 158 mil assinaturas.

Folha de S.Paulo, 6 de novembro
Tendências e Debates

O atual projeto de lei sobre crimes de informática deve ser aprovado pela Câmara?

NÃO

Projeto gera criminalização de massa

RONALDO LEMOS

O projeto de lei sobre crimes eletrônicos, conhecido como “Lei Azeredo” (PL 84/99) por causa de seu principal defensor, o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), foi rejeitado de forma veemente pela sociedade brasileira.

Apenas uma petição obteve 158 mil assinaturas contrárias, número que continua a crescer. O projeto foi taxado por grupos da sociedade civil de “AI-5 Digital”, acusado de promover o vigilantismo e a criminalização de massa.
Apesar do tom forte dessas críticas, a sociedade civil brasileira tem razão em apontá-las.

Por conta da reação pública, muitos julgavam o projeto morto. Estavam errados. No dia 5 de outubro, logo após o primeiro turno das eleições, quando a atenção pública estava concentrada no pleito, o projeto voltou a tramitar.

Recebeu parecer favorável a sua aprovação por parte de deputado que não foi reeleito, Régis de Oliveira (PSC-SP). Ele aproveitou para apresentar novo texto, que piorou a redação original, tornando a preocupação ainda mais atual.

Da forma como se encontra, o PL 84/99 apresenta redação excessivamente ampla e criminaliza condutas cotidianas. Por exemplo, um consumidor que possui um celular bloqueado e efetua seu desbloqueio ficaria sujeito a pena de três anos de reclusão. Quem transfere músicas legalmente adquiridas de um iPod para o seu próprio computador estaria sujeito à mesma pena.

Vale notar que todas essas condutas são legais em outros países, incluindo os Estados Unidos. Dois estudos técnicos do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da FGV apresentam em detalhes esses pontos e propõem redações alternativas que evitam os problemas. Os estudos estão disponíveis no link: bit.ly/d39SKi.

Além disso, é importante notar que a redação do substitutivo do PL 84/99 de fato abre espaço para o vigilantismo. Por exemplo, obriga a guarda de dados dos usuários, tais como registros de conexão e de acesso a sites da internet, por prazo excessivamente longo (três anos).

Mais grave, permite a entrega desses dados à autoridade policial sem a necessidade de ordem judicial prévia, o que é inconcebível em um Estado democrático de Direito.

Estabelece ainda que provedores devem “informar de maneira sigilosa à autoridade competente denúncia da qual tenham tomado conhecimento que contenha indícios da prática de crime”. Essa redação transforma os provedores em entidades policialescas, ficando ainda sujeitos a multa de até R$100 mil reais por cada requisição de informações não atendida.

Os defensores do projeto alegam que ele concretiza no Brasil as disposições da Convenção de Budapeste para combate aos crimes digitais.

O Brasil não é signatário dessa convenção e não participou de suas negociações. A Convenção de Budapeste possui baixíssima adesão na esfera internacional, contando com apenas 30 países signatários. Nenhum deles latino-americano.
Por fim, cumpre notar que o interesse de combate aos cibercrimes é legítimo. Esse combate é fundamental, por exemplo, para coibir fraudes bancárias. É possível fazer isso de forma equilibrada, sem ferir direitos fundamentais nem criminalizar práticas cotidianas.

Além disso, é preciso estabelecer antes uma legislação civil para a internet brasileira. Isso está sendo feito pelo Ministério da Justiça, com o chamado Marco Civil da Internet, que criou um processo para receber contribuições públicas de todo o país. A partir delas, foi construído um anteprojeto de lei que deverá ser enviado em breve ao Congresso.

A internet é um insumo crucial para o desenvolvimento do país neste século. A lei deve ser capaz de promover inclusão e inovação. Partir para a criminalização, nos termos do PL 84/99, é um erro.

RONALDO LEMOS, 34, mestre em direito pela Universidade Harvard e doutor em direito pela USP, é diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV e colunista da Folha .

O atual projeto de lei sobre crimes de informática deve ser aprovado pela Câmara?

SIM

A internet e a lei

EDUARDO AZEREDO

Neste ano, foi possível verificar um papel mais relevante da internet nas eleições brasileiras.

Em parte pela minirreforma eleitoral que aprovamos no Congresso, liberando o uso das ferramentas da rede para candidatos, mídia e eleitores, e muito pelo fato de que chegou a 62 milhões o número de usuários de computador no Brasil.

A campanha teve dois aspectos: o primeiro, benéfico, foi o uso das ferramentas digitais, em especial das redes sociais, como forma de mobilização da militância e de comunicação entre candidatos e eleitores. O segundo, bastante nocivo, foi a disseminação de informações contra os adversários, escondidas sob o manto do anonimato.

Em recente artigo, o cientista político Murilo Aragão citou Arthur Schopenhauer e, aqui, alio-me aos dois: “O anonimato serve para tirar a responsabilidade daquele que não pode defender o que afirma”.

E, ainda, o anonimato na internet tira a credibilidade da própria rede. Reduz o debate a meras acusações.

Uma situação lamentável, sobretudo porque o Brasil não dispõe de legislação capaz de coibir a prática de crimes digitais contra a honra.

Como não há legislação nesse sentido, os responsáveis pelos ataques não são devidamente punidos.

Ainda em outubro, tive a oportunidade de participar da “Cyber Conference on Cyber Security”, realizada na Inglaterra, e de, mais uma vez, debater a gravidade dos delitos digitais em todo o mundo.

Precisamos de um arcabouço legal que inclua os cibercrimes e que seja capaz de punir os criminosos que estão fazendo uso da internet porque o crime virtual é mais fácil, mais rentável e oferece menores riscos potenciais.

Os crimes contra a honra são apenas uma das faces perversas do mau uso da informática. Segundo relatório divulgado pela Microsoft, o Brasil é o quarto país do mundo mais infectado por vírus e programas capazes de furtar informações, alterar ou destruir dados.

O número de denúncias de fraudes na internet passou de 54.607 em 2007 para 218 mil apenas no primeiro trimestre de 2009, de acordo com o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). Os prejuízos corporativos são enormes, assim como são enormes os prejuízos pessoais.

Sim, porque quando se é vítima de calúnia, difamação ou mesmo do furto de informações digitais, não há a quem reclamar.

É dever constitucional do Poder Legislativo suprir essa lacuna. O Senado aprovou em julho de 2008 a proposta que tipifica e determina punições para os crimes digitais.

O texto modifica cinco leis e tipifica 13 delitos, entre eles os de difusão de vírus, falsificação de cartões de crédito, clonagem de celulares, furto de informações sigilosas, calúnia, injúria e racismo quando cometidos pela internet. A proposta tramita há mais de uma década no Congresso Nacional e, de volta à Câmara, está em fase de revisão.

Entretanto, na incompreensão de que uma lei dessa natureza seja necessária ao país, falsas informações são sempre divulgadas. Fala-se em cerceamento da liberdade de expressão, censura, criminalização em massa de usuários.

Nada disso é verdade! A proposta fala da punição de criminosos, do direito penal aplicado às tecnologias. O projeto não trata de pirataria -matéria já tratada em lei específica. E não atinge aqueles que baixam músicas ou dados que não estejam sob restrição de acesso.

É hora de parar com essas acusações, até infantis. O Brasil, como demonstrado durante a campanha eleitoral, precisa de uma legislação séria e que definitivamente combata os delitos digitais. Respeito os que pensam o contrário, mas creio que estão sob o risco de serem coniventes com a anarquia digital.

EDUARDO AZEREDO, 62, engenheiro com especialização em informática, é senador pelo PSDB-MG e deputado federal eleito. Foi prefeito de Belo Horizonte e governador de Minas Gerais.

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