O ProJovem Urbano, nova versão do projeto, vai ganhar reforço do Proinfo para garantir uso dos laboratórios de informática.
Patrícia Cornils
Jovens de Niterói mostram um
exemplo das ações comunitárias
que fazem parte do projeto
pedagógico
A maneira de implantação e de uso dos laboratórios de informática é uma das principais mudanças na nova versão do ProJovem, o ProJovem Urbano — programa para jovens de 18 a 29 anos completarem o ensino fundamental. O uso dos computadores como instrumento pedagógico e de inclusão está na concepção original do projeto. A implantação de laboratórios de informática foi, no entanto, o item com piores indicadores no Relatório Parcial de Avaliação finalizado em abril pelo Sistema de Monitoramento e Avaliação do ProJovem — o relatório final deverá sair este ano. Foi também o que “mais comprometeu o funcionamento do Projeto Pedagógico Integrado, que previa a inclusão digital ao longo dos 12 meses de formação previstos no programa”, de acordo com o relatório.
O ProJovem entregou 1.687 laboratórios com dez computadores, impressora e roteador, para 58 cidades. Seu projeto pedagógico é interdisciplinar e abrange três áreas: ensino fundamental, qualificação profissional e participação cidadã. Os computadores devem ser usados em todas as disciplinas e nas aulas de qualificação profissional em informática. Em julho de 2008, de acordo com a coordenação nacional, 95% das máquinas haviam sido instaladas pela Itautec, vencedora da licitação para fornecer os equipamentos e implantar os laboratórios. O processo, no entanto, foi longo e acidentado. Houve resistência das direções das escolas que cedem seu espaço ao projeto. “A diretora… tudo fazia para dificultar (..) Muitos alunos desistiram porque discutiram com a diretora (…) e se transferiram para outro núcleo”, diz um depoimento reproduzido no relatório parcial. Em escolas na cidade de São Paulo, diretores se queixaram dos alunos: “Demoramos anos para tirar essas pessoas da escola, porque nos davam problema, agora vocês trazem de volta?”
Na região paulistana do Campo Limpo, nenhum dos seis núcleos do projeto tinha laboratórios instalados até junho de 2007. As máquinas chegaram em agosto de 2006 e ficaram nas caixas, constataram representantes da Comissão da Criança, Adolescente e Juventude da Câmara Municipal. Quase um ano depois, em maio de 2008, a comissão voltou à Escola Luiz Tenório de Brito, e havia seis das dez máquinas em uso, sem conexão à internet. O termo de adesão dos municípios e estados previa como contrapartida um lugar seguro e a preparação de rede elétrica e rede lógica (conexão entre os computadores e à internet) para os laboratórios. De acordo com a coordenadora nacional do projeto, Maria José Feres, um dos principais problemas foi a demora na contratação das redes elétricas e lógicas (rede local e acesso à internet), por conta da necessidade de licitações.
Problema político
Em São Paulo, o problema foi político. A Secretaria de Educação não apoiou plenamente o projeto, entre outros motivos por temer a concorrência com a política de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Concorrência que não existe, de acordo com o relatório, que mostra que o auge das matrículas do ProJovem aconteceu entre 2005 e 2006, quando também cresceram as matrículas no EJA. O ProJovem demanda uma grande articulação entre as secretarias de Educação, Assistência Social, Desenvolvimento Econômico e Emprego e gabinetes de prefeitos. Em São Paulo, essa articulação não aconteceu. Resultado: com uma meta auto-estabelecida de atender 30 mil alunos, a prefeitura tinha somente 1,5 mil em aula em junho, quando em uma reunião com o Ministério Público Federal acordou-se que a cidade devolveria ao governo federal R$ 14,2 milhões dos R$ 37 milhões destinados ao projeto e não utilizados. Em abril, os recursos haviam sido bloqueados por recomendação do Ministério Público.
No Campo Limpo, a maior parte dos alunos optou pelos cursos de qualificação nas áreas de informática ou de alimentação. Também houve problemas na preparação de espaços físicos para as aulas de alimentação. Casos como este, acontecidos de maneira grave em São Paulo e em menor escala em outras cidades, levaram os alunos a declarar, entre os motivos para a evasão (abandono do curso depois de realizar pelo menos uma avaliação obrigatória), a ausência das aulas de informática e a baixa carga horária dos cursos de qualificação profissional. A evasão foi de 20% do total dos matriculados. A desistência (quando o aluno não chega a realizar nenhuma das avaliações compulsórias) foi ainda maior, de 37%.
Causas da evasão
Isso aponta para uma observação da coordenadora geral do programa: o maior empecilho, para os jovens que não seguem o curso, são as dificuldades enfrentadas em suas vidas. “O trabalho é um grande fator. As pessoas têm filhos, precisam sustentá-los e priorizam ganhar dinheiro, embora 85% tenha vínculo empregatício precário”, explica ela. Cerca de 60% dos jovens do programa são pais ou mães, de acordo com Maria José. “A bolsa de R$ 100,00 mensais oferecida pelo projeto é importante para as pessoas estudarem, mas elas não podem se sustentar apenas com isso”, constata. Outro motivo de evasão foi a migração, principalmente em direção a cidades nas regiões Norte e Centro Oeste. “Para minimizar o impacto desses fatores, criamos, no ProJovem Urbano, ciclos de seis meses. Se o jovem interromper o curso, pode retomá-lo a partir do ciclo concluído.”
Os jovens consideram o acesso à informática um fator importante. Por isso, não há como medir o quanto a demora na implantação dos laboratórios desmotivou os alunos. Os problemas foram contornados, garante a coordenadora do projeto. E o ProJovem Urbano vai funcionar somente em escolas. Antes as aulas podiam ser em associações de bairros ou em ONGs. O projeto não vai mais comprar computadores e sim usar os laboratórios do Programa Nacional de Informática na Educação (Proinfo). Um termo de parceria será assinado com o Ministério da Educação, responsável pelo Proinfo, para especificar como será essa interação, diz Maria José. Outra mudança é que, na seleção dos professores do ProJovem Urbano, os conhecimentos de informática são um critério.
O ProJovem Urbano vai funcionar em 54 municípios com mais de 200 mil habitantes, 40 municípios com menos de 200 mil habitantes (onde os Estados vão implantar o programa) e no Distrito Federal. A meta é matricular 727.830 mil jovens até 2010, uma expansão considerável comparando-se aos 237.671 matriculados desde 2005, dos quais 84.639 concluíram o curso. 85% daqueles que se afastaram manifestam desejo de retornar ao programa. Mesmo com a vida complicada eles insistem: quero estudar.
Niterói, no Rio de Janeiro, é o exemplo de um lugar onde o projeto foi bem implantado, de acordo com o professor Paulo Carrano, do Observatório Jovem, da Universidade Federal Fluminense. Mesmo lá, diz Fernando Stern, que coordenou o projeto na cidade, uma das dificuldades foi incoporar os laboratórios de informática aos que já existiam nas escolas. Em Niterói, no entanto, a prefeitura assumiu o ProJovem como parte da educação no município. Os alunos tiveram, depois de um grande esforço da prefeitura, direito ao Passe Livre nos ônibus e as escolas contrataram servidores extras para o período em que as aulas acontecem. Os secretários municipais participaram das reuniões onde os estudantes apresentavam seus planos de ação comunitária. Cada um desses itens resultou do imenso trabalho de articulação do comitê executivo e dos gestores do programa. Dos 1.350 jovens matriculados, 600 se formaram até hoje e 150 estão concluindo o curso.
Mais do que o número de pessoas formadas, diz Stern, “o importante são as mudanças ocorridas nos jovens do projeto, em termos de temperamento, identidade, visão de mundo”. Uma das alunas do curso fez, com seu grupo, um Plano de Ação Comunitária de cultura para sua comunidade, em parceria com a secretaria de Cultura. Em novembro começaram os preparativos para o aniversário da cidade, conta ele, e os alunos ouviram, da secretaria, que o calendário não poderia ser levado à frente. “Pergunta para o prefeito se o Morro do Estado não faz parte de Niterói?”, disse a moça ao coordenador. Havia incorporado o direito à cidade, durante seu processo de aprendizado. E aprendido a formular questionamentos baseados em informação.