“O compartilhamento não vai acabar”, diz autor do blog Um Que Tenha, retirado do ar .

O anônimo Fulano Sicrano era responsável pelo blog, que publicava, no formato digital, arquivos de discos e CDs, principalmente de música popular brasileira, para download.

20/08/09 – Foi retirado ontem do ar o blog Um Que Tenha (UQT), que publicava, no formato de arquivos digitais para download, discos e CDs, principalmente de música popular brasileira.

O UQT existia há três anos e foi retirado do ar ontem. Seu autor havia recebido do Blogger, o serviço de blogs do Google, no qual era hospedado, uma notificação de que o conteúdo ali colocado feria o DMCA o DMCA (Digital Millennium Copyright Act), a norma norte-americana que regula direitos autorais. A notificação pedia que fossem eliminadas, até 19 de agosto,1.264 publicações. Ou seja, tudo o que foi publicado pelo UQT entre abril de 2006 e abril de 2007.

“Obviamente, não vou fazer isso”, postou Fulano Sicrano, o responsável pelo blog. Aqui, ele responde perguntas da revista ARede, enviadas antes de o blog sair do ar. Ele é, sobretudo, um apaixonado por música, embora os defensores de direitos autorais restritos devam acreditar que sua vocação primeira é de “pirata”.

 

ARede: Por que você decidiu fazer o Um Que Tenha? Você ganha algo com ele?

Fulano Sicrano – Você é a terceira jornalista a me perguntar a mesma coisa: o que me motiva. A resposta é muito delicada, morro de medo de parecer bom-mocismo, mas a verdade é que, desde cedo, ouço música e cresci ouvindo meus pais e tios cantando e tocando música em reuniões familiares. Sempre me interessei pela melodia, o artista que a interpretava, seus autores, a fonte de inspiração, a época da criação, e por aí vai. Gosto de música, ela me emociona e esse é o intuito principal do blog: emocionar as pessoas. É a minha maneira de embelezar o mundo, alegrar e distribuir bons fluidos para todos que visitam o blog.

ARede: Você tem alguma ideia de quem pode ter apresentado a queixa ao Blogger?

FS – Eu recebo periodicamente notificações do Blogger, nunca tão radicais como esta, normalmente relacionando de uma a cinco postagens denunciadas. Reparei que quase todas elas são obras lançadas pela Sony/BMG/EMI, provavelmente é deles que parte a maior pressão.

 

ARede: Você disse que todo segundo semestre recrudesce a fiscalização sobre os blogs que compartilham obras. Por que isso acontece? Quem mais foi tirado do ar, e quando?

FS – Acontece mais no segundo semestre talvez pela proximidade do Natal. Como o CD é sempre uma boa opção para presente, imagino que a indústria acredite que pressionando e intimidando os blogs as pessoas encontrem menos opções para acessar arquivos musicais e eles vendam mais CDs. Em 2006, houve uma grande investida contra fabricantes de CDs piratas e, em especial, dois excelentes blogs musicais, o La Voix de Son Maitre e De Pouco Um Tudo, foram pressionados e abandonaram as postagens (você ainda encontra os sites na internet). O UQT surgiu inspirado nesses dois blogs. Repetiu-se a cena em 2007 e 2008. Em 2008, a principal baixa foi do Som Barato, que acabou ressurgindo como sombarato.org (usando Torrent em vez de link direto).

 

Recentemente, bloquearam o blog Abracadabra LPs do Brasil e eliminaram a comunidade Discografia no Orkut. Ambos ressurgiram apesar de tudo. Não acredito que a pressão esteja aumentando, é a mesma de sempre, ora intimidando os blogueiros, ora denunciando arquivos hospedados em servidores, e por aí vai.

ARede: O que pode acontecer se você não tirar o blog do ar?

FS – Segundo fui informado pelo Google, se não tirar todas as postagens denunciadas, o blog vai ser bloqueado. Vira uma página em branco, as postagens ficarão inacessíveis.


ARede: Você acha que medidas como esta podem acabar com a prática do compartilhamento na internet?

FS – Na década de 60, era normal se transferir o conteúdo do vinil para fitas magnéticas, rolos enormes, sempre em grupos muito fechados, pois não havia tanta facilidade de compartilhamento e os equipamentos de boa qualidade eram caros, sofisticados e transportá-los era uma complicação. Com o passar dos anos, o desenvolvimento tecnológico trouxe a fita cassete, o aparelho 3 x 1, o compact disc, o computador pessoal, a internet, de modo que, o que antes carecia de uma Kombi pra carregar, cabe hoje na palma da mão. A informação que demorava meses para circular, hoje corre o mundo em minutos.

Acredito que o gosto por ouvir músicas não tenha ampliado ou diminuído com o correr dos anos, nem a vontade de se compartilhar. O vinil rodava de mão em mão, daí para rolos e cassetes, e circulava num ambiente restrito. O que modificou – e muito – é o modo e a velocidade com que essa troca ocorre.

Eu acho que os blogs de música, em sua maioria, são simples propagadores de emoção. Apesar da aparência profissional que ostentam, são somente a expressão da personalidade de seus administradores. É como se, na época do meu pai, eu emprestasse ou tomasse emprestado o vinil do meu vizinho, ou de meu colega; o que se altera, é que o conceito do que seja meu vizinho ou meu colega é muito diferente, tem atualmente outra amplitude. O que antes era tido como uma brincadeira, na linguagem coloquial virou “pirataria”.

Não vai acabar nunca. Se a vontade de compartilhar persiste por décadas, como coloquei antes, é bobagem de quem tem “o direito sobre a obra” querer tapar o sol com a peneira. Novos blogs vão surgir e é evidente que novas tecnologias trarão novas formas de compartilhamento. Na entrevista que dei ao site Gafieiras, mencionei um artigo muito conhecido por alunos de administração de empresas, escrito há décadas por Theodore Levitt, chamado “Miopia em marketing”. Talvez seja o caso de retirá-lo da estante.

Obviamente, não defendo aqueles que, explícita ou veladamente, lançam mão de artifícios para ter proveito financeiro. É só verificar o conteúdo do blog para se separar uma coisa de outra. O que o UQT faz é muito diferente de vender CDs piratas ou atrair público para o blog com chamarizes que objetivam tirar proveito financeiro disso.

Veja mais informações sobre o UQT nesta matéria do Baixa Cultura e nesta notícia no blog coletivo Trezentos. Se você quiser saber mais sobre Fulano Sicrano, há outra entrevista dele no blog Gafieiras.