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Quem são os Anonymous?

Uma parte considerável de hackers percebeu que, para a rede continuar livre, seria preciso agir politicamente, não só tecnicamente.
Sergio Amadeu da Silveira

ARede nº 78 – março de 2012

O dia 18 de janeiro de 2012 será considerado um marco na história da internet livre. Milhares de sites em todo o mundo aderiram ao chamado da Wikimedia Foundation e do site de notícias Reddit para realizar o maior blackout da rede. A retirada dos sites do ar por um dia visava mostrar o descontentamento dos internautas contra os projetos de leis estadunidenses Stop Online Piracy Act (Sopa) e Protect IP Act (Pipa).

A ação foi tão contundente, massiva e bem-sucedida que os autores do Sopa e do Pipa decidiram retirar os projetos para que fossem alterados. Na verdade, os parlamentares perceberam que não seria nada bom descontentar os eleitores em um ano de eleições. Entretanto, o governo dos Estados Unidos é fiel escudeiro dos interesses de Hollywood e das indústrias fonográficas. Por isso, no dia 19 de janeiro, ordenou que o FBI prendesse os donos do MegaUpload, um site de compartilhamento de arquivos que concentra 4% do tráfego mundial da internet.

Como protesto e retaliação à ação do FBI contra o MegaUpload, ativistas autodenominados Anonymous, ainda no dia 19 de janeiro, conclamaram os internautas a iniciar a derrubada de sites do governo dos EUA e de instituições ligadas à indústria do copyright. Caíram um por um: FBI, MPAA (associação da indústria cinematográfica), RIIA (associação das gravadoras), entre outros. A técnica utilizada pelos Anonymous foi a chamada “negação de serviço” (DDOS) e consiste em aumentar inesperadamente os acessos e as requisições de serviços em um site até que a sobrecarga derrube seus servidores. Em geral, os ataques de DDOS ou negação de serviço promovidos por crackers envolvem o uso de máquinas zumbis, ou seja, computadores que foram invadidos por códigos maliciosos sem que os seus donos soubessem. Os códigos são acionados por um comando dado pelo cracker e as máquinas zumbis passam a realizar requisições para um determinado site. Em geral, ataques com zumbis envolvem milhares de computadores invadidos.

Os Anonymous não invadiram máquinas. Milhares de ativistas, hackers e simpatizantes, voluntariamente, aderiram ao chamado e depois de ligar o TOR e instalar uma versão do software denominado Low Orbit Ion Cannon (Loic) no seu navegador, passaram a realizar solicitações aos sites que deveriam ser derrubados.

Os Anonymous não são um único grupo, não têm uma ideologia, são uma ideia, um arranjo que usa a rede para realizar ações de protesto e de desobediência civil a partir das redes digitais. Entre os Anonymous, existem pessoas simpáticas a diversos partidos e a nenhum partido também. Os Anonymous não querem o poder, querem denunciar o poder. Recentemente, no Brasil, duas ações podem ser consideradas fora do padrão do Anonymous mundial. No dia 19 de janeiro, quando os esforços dos protestos eram para derrubar sites de instituições que estavam defendendo a Sopa, o Pipa, o ACTA, e que apoiavam o fechamento do Megaupload, alguns Anons no Brasil derrubaram o site do Governo do Distrito Federal. Foi uma ação errática, fora do esforço mundial. Depois, ativistas que se denominaram Anonymous atacaram grandes bancos brasileiros em protesto contra a corrupção. Seria interessante, pois pela primeira vez estaríamos realizando um protesto contra corruptores e não só contra corruptos. Mas em um entrevista para a rádio do Grupo Estado, um dos líderes do protesto afirmou que era uma ação contra a população. O argumento era que, ao importunar os correntistas dos bancos, os Anonymous estariam mostrando como eles são acomodados diante dos poderosos. Considero a estratégia de sensibilização da população desses ativistas extremamente equivocada, com efeitos contrários aos pretendidos.

Nem todos os Anons são hackers. Muitos são ativistas, artistas e pessoas indignadas com determinados problemas sociais, econômicos, políticos, éticos, entre outros. Hackers são pessoas que têm habilidade extrema de programar códigos e são reconhecidos pelos demais hackers como bons programadores. No final dos anos de 1990, com a expansão da internet e o endurecimento das legislações de propriedade intelectual, uma parte considerável dos hackers passou a se politizar e a perceber que, para a rede continuar livre, eles precisariam agir politicamente, não só tecnicamente.

Mobilizações pela rede são semelhantes às ações das organizações ambientalistas. Uma parte da imprensa sensacionalista e da chamada comunidade de vigilância quer superdimensionar um ataque de negação de serviço que derruba um site. Não pode ser comparado a um ataque das forças de segurança de Israel na Palestina, nem é um atentado a bomba da Al-Qaeda. São ações midiáticas. Não destroem dados, nem extraem segredos de Estado e não violam bancos de dados. No caso dos protestos de 19 de janeiro, foram importantes porque reuniram milhares de pessoas em todo o mundo que agiram coordenadas pelos Anonymous e demonstraram às autoridades estadunidenses que há um movimento ativo da opinião pública transnacional contra os desmandos do governo mais poderoso do mundo.

Sergio Amadeu da Silveira é sociólogo e um pioneiro na defesa e divulgação do software livre e da inclusão digital no Brasil. Foi presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação.

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