Rádio Comunitária – Atenção: a Baixada Fluminense quer falar.

Com nova diretoria, a rádio Novos Rumos retoma a programação voltada para a comunidade e abre os microfones para os moradores de Queimados, na Baixada Fluminense.

Com nova diretoria, a rádio Novos Rumos retoma a programação voltada
para a comunidade e abre os microfones para os moradores de Queimados,
na Baixada Fluminense.
Patrícia Cornils  


Imagem da rádio novos rumos no Filme Atos dos Homens, do diretor Kiko Goifman.
A chacina em que policiais militares mataram 29 pessoas em duas cidades
da Baixada Fluminense, no dia 31 de março, mudou a rotina de Queimados,
onde viviam 12 das vítimas. O medo, a indignação e a reação à
brutalidade imposta à comunidade, no entanto, passaram longe da
programação da rádio comunitária  Novos Rumos. Antes do dia 16 de
abril, a palavra “chacina” só foi pronunciada na Novos Rumos em
chamadas institucionais da organização  não-governamental Viva
Rio, se solidarizando com a população local. “Isso mostra como a rádio
estava distante da nossa realidade”, lamenta Rosana Tavares Cordeiro,
presidente que tomou  posse no dia 14 de abril, quando a diretoria
que comandava a emissora desde 2003 foi substituída, por força de
decisão judicial. Assim que assumiu, a nova equipe produziu dois
especiais  sobre a chacina e abriu os microfones para a comunidade
e para os familiares das vítimas.

A Novos Rumos é uma das rádios comunitárias mais antigas do Brasil. E
foi pioneira porque era administrada diretamente pela comunidade, com
regras democráticas estabelecidas pelo seu estatuto, que serviu de
referência a milhares de  rádios fundadas nos anos seguintes. Duas
mil pessoas compareceram à inauguração da rádio, em maio de 1991, no
ginásio do Queimados Futebol Clube. Em abril de 2005, a relação da
rádio com a comunidade havia sido substituída pelo interesse econômico.
Os moradores não tinham  mais acesso ao estúdio, principalmente
durante os programas religiosos, que ocupavam a maior parte da
programação.

A rádio não anunciava documentos e parentes perdidos nem incluía na
programação reclamações por coisas como a falta de coleta  de
lixo, que fazem parte da rotina de qualquer rádio comunitária. A grade
foi ocupada deacordo com o bolso de quem queria ir ao ar: a Prefeitura
tinha um programa diário, das oito  da manhã ao meio-dia, para
promover a administração municipal. Ismael Lopes, fundador da rádio,
havia sido desligado da diretoria, à revelia. Na época, Ismael estava
mais envolvido com seu mandato de vereador. Depois,  apoiou a
mudança. O argumento utilizado para derrubar a diretoria foi o não
cumprimento do regimento interno e do estatuto do RádioClube de
Queimados, gestor da rádio.


Na marra

A situação incomodava pessoas como Walter Mesquita, fotógrafo do site
Viva Favela. “Depois  de tanta luta para criar a rádio e mantê-la
no ar, a Novos Rumos havia se tornado uma rádio comercial”, resume ele.
No final de 2004, formouse o grupo Democracia no Ar, para disputar
o  comando da rádio ao final do mandato da direção no poder, em
abril de 2005. A transição não foi pacífica. Foi necessário recorrer à
Justiça,  com base no estatuto da rádio, para que a diretoria
marcasse a assembléia e convocasse eleições. “No dia 13 de abril, eles

saíram da rádio porque um oficial de Justiça foi conosco, para 
fazer cumprir a lei”, diz Walter. Ao tomar posse, encontraram uma
gaveta cheia de documentos perdidos e entregues na sede da rádio. Um
deles era um certificado de alistamento. Seu jovem titular, ao ouvir o
nome no ar, foi buscar  correndo o documento: precisava dele para
concorrer a um emprego. “No nosso primeiro dia, uma senhora veio
reclamar do atendimento no posto de saúde”, comenta Rosana. “Entrou na
programação. Antes, ela não seria ouvida.”

A vida não está fácil para a nova direção. Primeiro, ela tem que se
haver com as marcas deixadas pelo conflito com os
Daniela Basilio,
programadora e
Ismael Lopes
(ao fundo), fundador
da  Novos Rumos.
antecessores. “Foi
muito triste brigar com pessoas como o sr. Luiz  Gonzaga, um
senhor de 80 anos, fundador da rádio e que tem uma história fantástica.
Até hoje não entendo como ele ficou contra nós”, lamenta Mesquita. A
rádio precisa recompor a grade de programação, porque muitos 
locutores e funcionários deixaram a emissora com a mudança de
diretoria. E precisa equacionar uma dívida de R$ 5 mil da gestão
anterior. Uma auditoria foi feita para averiguar o tamanho do passivo
criado  nos últimos anos, inclusive por demandas trabalhistas, e
uma assembléia dos associados vai decidir como resolver o problema. A
rádio funci-ona em um local alugado, no Centro de Queimados, por R$
700,00 mensais, e tem um custo mensal de cerca de R$ 6,5 mil.

A nova programação vai estrear no dia 1º de junho. O contrato com a
Prefeitura foi renegociado, com redução do número de horas dedicadas
à  administração e sua substituição por um programa de debates. Os
moradores de Queimados que sintonizarem na 101,7 FM vão ouvir coisas
diferentes. Para Rosana,  no entanto, a alegria devese exatamente
ao contrário. “O importante não é somente as pessoas ouvirem a rádio. O
que elas  querem é ser ouvidas”, ensina. Participantes da rádio
foram à Brasília, com outros representantes da comunidade, exigir a
punição dos culpados pelo massacre, e a realidade é novamente assunto
na emissora, de forma plural. Inclusive com  programas religiosos
e outras coisas das quais a comunidade gosta. Como o programa romântico
Desejos que vai voltar ao ar nos fins de noite, para a  alegria
dos muitos fãs que seu locutor, o PC dos Desejos, tem em Queimados.


www.paleotv.com.br
• Produtora que realiza documentários sobre violência na Baixada.

www.vivafavela.com.br
• No site há uma cobertura especial sobre a chacina.

Na Onda Livre, um mês
de silêncio.

São João
do Meriti, assim como Nova Iguaçu e Queimados, fica na Baixada
Fluminense. É lá que há sete anos a rádio
Onda Livre, criada por jovens ligados ao movimento cultural da
cidade, dá seu recado, na frequência FM 95,6 MHz. Em
março, foi vítima involuntária do sucesso das
rádios comunitárias. As comunitárias Madame
Satã, da Lapa, e Estilo FM, do Morro do Vidigal (no Rio de
Janeiro), foram destaques de uma matéria do caderno Megazine,
do jornal O Globo, em 29 de abril, sobre a importância de
rádios para socializar e incluir jovens em fase
pré-vestibular. No dia da publicação da matéria,
fiscais da Agência Nacional de Telecomunicações
lacraram – sem mandado judicial – cinco rádios
comunitárias na Baixada. A Onda Livre, vendo a repressão
chegar e com receio de perder os equipamentos, decidiu desmontar seu
transmissor. Ficou fora do ar, pela primeira vez, entre 30 de março
e 28 de abril. Quando a chacina ocorreu, a rádio estava
calada. A Onda Livre e outras rádios da Baixada estão
se articulando para reagir à repressão. “Na cidade,
queremos recolher 15 mil assinaturas e enviar ao Ministério
das Comunicações, com um dossiê de repúdio
à ação ilegal da Anatel. E reivindicar o
andamento do processo de legalização da rádio”,
diz Susana Marques, coordenadora. A Onda Livre enviou os documentos
para receber a autorização do Minicom em 1998, diz ela.
Até agora, a autorização não veio.