A Comunidade Novo Ar, na região metropolitana do Rio de Janeiro,
pretende colocar o poder de comunicação – rádio e telecentros — a
serviço da mobilização comunitária e da geração de renda.
Verônica Couto
Rádio,
telecentro, oficinas, cooperativa de artesanato, cursos, pré-vestibular
comunitário, serviços de saúde, biblioteca. Tudo isso acontece na
Comunidade Novo Ar (Comnar), localizada num conjunto de salas cedido
pela Igreja São Pedro de Alcântara, no bairro de Alcântara, centro
nervoso da cidade de São Gonçalo, no Rio de Janeiro. O município tem a
terceira maior população do estado do Rio, ou 948,2 mil habitantes, de
acordo com dados de 2004 do IBGE; e está a apenas 20 quilômetros do Rio
de Janeiro, no lado oriental da Baía de Guanabara. O produto interno
bruto per capita, ou seja, aquilo que é gerado pela economia do lugar
por pessoa, contudo, dista léguas de uma cidade para outra: R$
10.537,00 na capital, em comparação a R$ 5.014,00 na vizinha, a valores
de 2002.
Outras características gonçalenses são a população formada por muitos
imigrantes nordestinos, a presença de diversas fábricas de tecidos,
principalmente jeans, e os índices elevados de violência contra a
mulher – embora, em 2000, elas chefiassem 29,1% dos domicílios. São as
mulheres que lideram a Novo Ar. “Antes, eu era dona-de-casa, hoje não
arrumo nem minha cama, porque não dá mais tempo”, conta Márcia
Rodrigues, de 48 anos. Ela é radialista há cinco anos e coordenadora do
pré-vestibular comunitário (oferecido a R$ 15,00 por mês). Pilota um
dos programas de maior audiência da rádio Novo Ar , o “Mulher em Ação”,
ponta-de-lança na conquista da representatividade do projeto junto à
audiência local.
Atualmente, a Comnar tem cerca de 1,2 mil associados, que pagam 1% de
um salário mínimo por mês, em troca da participação em cursos e em
outras atividades de interesse da comunidade. Esses parceiros também
podem divulgar seus produtos e serviços na rádio Novo Ar, a principal
força articuladora do movimento, na avaliação de Graça Rocha,
coordenadora da entidade, que está se tornando um Centro de Referência
da Mulher, com apoio do Fundo Ângela Borba.
A Comnar tem dois espaços equipados com computadores e conexão à
internet. A biblioteca (com 4 mil livros), para acesso gratuito por
alunos da rede pública; e uma Estação Digital, com 14 computadores (13
deles doados, em novembro de 2003, pela Fundação Banco do Brasil, que
também pagou dois monitores – R$ 300,00 cada – e um coordenador – R$
450,00 -, durante seis meses), onde a navegação custa R$ 1,00 a hora. O
custo geral da entidade é da ordem de R$ 80 mil por ano.“Esse total dá,
sem folga, para os gastos ordinários. Se houver um equipamento
quebrado, já dá prejuízo; mas estamos perto da sustentabilidade”,
calcula Graça.
Márcia (ao centro) apresenta o
"Mulher em Ação".
A Estação Digital abre das 8h às 20h. Nas terças, quintas e
sextas-feiras, fica dedicada ao acesso à internet, por R$ 1,00 a hora.
Nas segundas, quartas e sábados, é usada para cursos de informática,
com sistemas da Microsoft. Três micros, no entanto, já trabalham com
Open Office, e é neles que os monitores procuram se familiarizar com a
plataforma aberta. Mas essa migração não está fácil. Segundo Graça, não
há pessoal disponível para cursos nem suporte. Embora os monitores
tenham feito a capacitação da ONG Cemina, com a equipe do sampa.org, e
também em Brasília, por meio da Fundação Banco do Brasil, ela gostaria
de um apoio de longo prazo na operação dos sistemas.
Em 2004, a Comnar recebeu a antena do Gesac, que conectou primeiro a
Estação e, agora, serve à navegação gratuita na biblioteca, onde estão
mais cinco computadores. E a Estação passou a usar o Velox (cerca de R$
200,00 mensais), da Telemar. É freqüentada por donas de casa,
estudantes, idosos. E oferece, ainda, oficinas de manutenção de
hardware e de serviços de eletricidade.
Desde o final do ano passado, com R$ 5 mil do Fundo Ângela Borba, a
Novo Ar promove feiras semanais para apresentar os trabalhos de 80
artesãs da comunidade, com mais de 300 itens cadastrados. As feiras
também acontecem uma vez por mês nos campus da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ). O próximo passo prevê a criação de um site
para vender os produtos online e para interagir com as confecções da
região, ampliando a coleta de refugos de pedaços de malha e tecidos
recicláveis.“Com as chamadas pela rádio, já recebemos doações de
tecidos, folhas de bananeira e outros materiais aproveitados nos
artesanatos”, explica Graça.
Fuxico, ponto atrás, vagonite.
Curso de Informática
na Estação Digital.
Uma especialista em bolsas feitas de restos de calças jeans é Vânia
Filomena da Silva Durão, 65 anos. Ela trabalha com artesanato desde os
16 anos, quando vivia no Recife (PE). “Há 30 anos, separei do pai do
meu filho e vim embora. Fui balconista de confecção, na rua do Ouvidor
(no centro do Rio), trabalhei em casa de família, tudo muito difícil”,
conta. Há três anos, ela se mudou para São Gonçalo, conheceu a Novo Ar
e retomou o ofício que lhe dá prazer. “Faço bolsa de jeans, centro de
mesa, jogo de prato, cortina de banheiro. Faço ponto de bordado,
vagonite, crochê, ponto atrás, ponto de corrente, fuxico, tudo”,
garante. Dona Vânia casou de novo. O marido ganha cerca de R$ 500,00
por mês, como pintor de parede. Ela, com os artesanatos, tira mais R$
300,00.
Em 20 de maio, a rádio Novo Ar foi lacrada pela Anatel. E reaberta no
mesmo dia pela comunidade. Em setembro, um dos transmissores queimou.
Por isso, a entidade está recolhendo fundos para substituí-lo: dos R$
1,9 mil necessários, R$ 500,00 já foram arrecadados. Enquanto não
atingem a meta, a rádio vai ao ar graças ao equipamento emprestado por
outra emissora. A rádio tem utilidade pública no município, moção da
Assembléia Legislativa e da Câmara Municipal, prêmio do Unicef e do
Banco Mundial. E o pedido de outorga está desde 1998 no Ministério das
Comunicações.