Começam a vigorar novos critérios técnicos para autorizar o funcionamento de TVs educativas
Bárbara Ablas
Edição nº 70 junho de 2011 – Não é novidade que as TVs educativas no Brasil sempre estiveram em uma encruzilhada, à mercê de leis defasadas, falta de estrutura e um extenso histórico de desvios — como concessões transformadas em moeda de troca política ou utilização das emissoras para difundir campanhas ideológicas. Mas uma luz surge no fim do túnel: o processo de autorização para o funcionamento de rádios e TVs educativas no país está passando por uma revisão.
Em abril, o Ministério das Comunicações (Minicom) colocou em consulta pública, por meio da Portaria 70, de 29 de março de 2011, uma proposta de ato normativo que estabelece novos critérios para outorgas na radiodifusão educativa. Até 4 de maio, último dia da consulta, foram enviadas cerca de 400 contribuições, pela internet e pelo correio. Agora, o ministério está fazendo a consolidação do texto.
A ideia é estabelecer procedimentos mais objetivos e transparentes para definir quais instituições poderão operar serviços de rádio e TV educativas. Hoje, as outorgas são concedidas pelo ministério, sob demanda. Ou seja, uma instituição interessada faz o pedido e cabe ao ministro das Comunicações acatar ou não. A partir de agora, antes de aprovar uma solicitação, o Minicom vai emitir um aviso de habilitação, que é um aviso público, com o objetivo de averiguar se existem outros interessados, além dos pleiteantes. Os dois mil pedidos de emissoras educativas em tramitação serão arquivados, mas servirão de referência para a elaboração do plano de outorgas. E novos critérios serão usados para selecionar as entidades – de preferência públicas – que vão receber as novas concessões.
Em um seminário realizado em São Paulo, em maio, Demerval Pereira, diretor do departamento de outorgas do Minicom, adiantou que será privilegiado o conteúdo, em vez das questões técnicas: “No modelo anterior, quando duas pessoas estavam disputando uma concessão, o fator decisório era o quanto cada um podia investir, e não o que apresentavam de conteúdo”. Pereira também prometeu melhoria no prazo de análise dos pedidos e informou que uma unidade de atendimento para radiodifusores. “Há um piloto sendo testado, para esclarecimento de dúvidas pela internet”, revelou o diretor.
Outras novidades: os canais a serem concedidos serão digitais e as instituições que pleitearem concessão serão submetidas a um sistema de pontuação que definirá quem vai receber a licença. Entre os critérios para essa pontuação, um dos quesitos mais importantes é a representatividade das instituições de ensino vinculadas aos candidatos à outorga. As que tiverem maior número de alunos em relação à população do município somarão mais pontos. Em outubro de 2010, o Minicom publicou uma portaria tornando obrigatório que os interessados em obter a outorga comprovem vínculo com uma instituição de ensino. Até então, essa exigência não existia.
Cláudio Magalhães, presidente da Associação Brasileira de Televisão Universitária (ABTU), considera essa normalização uma importante vitória para fortalecer a TV educativa e combater irregularidades: “A história comprovou que a falta de um processo transparente colocou boa parte das emissoras educativas nas mãos de políticos”. Mas ele defende que a avaliação deveria ter como referência a qualidade do ensino ministrado nas instituições e não a quantidade de alunos. Entre as recomendações da ABTU à consulta está a sugestão de que sejam tomadas como base, por exemplo, as avaliações que já são realizadas pelo Ministério da Educação (MEC), como o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) e as avaliações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Segundo o Secretário de Comunicações Eletrônicas do MiniCom, Genildo Lins, o estabelecimento de critérios não vai reduzir a discricionariedade dada ao ministro, pelo decreto da radiodifusão (nº 23.667), de escolher as entidades contempladas. “Ele não está abrindo mão desse privilégio, só está dizendo previamente os critérios para escolher as entidades. Por ter discricionariedade, pode mudá-los quando achar conveniente”, sustenta
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Para João Brant, do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, a iniciativa do Minicom representa um avanço, no sentido de tornar o processo de concessões mais claro e participativo. Mas a questão, diz, precisa ser mais aprofundada: “Temos de discutir a pertinência da modalidade educativa. Além disso, é a questão da exploração que deveria ser levada em conta”. A atuação da TV educativa no Brasil é hoje alvo de controvérsia e, apesar de mais de quatro décadas de existência, “as emissoras educativas ainda estão buscando uma identidade”, ressalta Brant. A primeira emissora educativa foi a TV universitária de Pernambuco, criada pelo Decreto Lei 236, de 1967. Desde então, a maioria das licenças foi dada para governos estaduais.
Com a Constituição de 1998, a legislação voltou a tocar no viés educativo da televisão. A maior crítica de especialistas é que a legislação, que já passou por diversas modificações, sempre deixou brechas para que essas emissoras fossem concentradas nas mãos de poucos e usadas como instrumento político. O esforço dos movimentos sociais nessa área tem sido para propor mecanismos de participação popular e controle social no processo de funcionamento de rádio e televisão de um modo geral, não apenas das educativas. (Colaborou Lennon Lima de Oliveira).
O que muda com a nova proposta
• Avisos de habilitação – O processo de seleção de interessados em operar o serviço de radiodifusão educativa deve ocorrer por meio de avisos de habilitação, nos mesmos moldes do que já ocorre com a radiodifusão comunitária. Na prática, isso significa que o cronograma dos avisos com os prazos e cidades contempladas será colocado à disposição com antecedência, para que as instituições tenham tempo de preparar a documentação e avaliar as suas condições de participar.
• Representatividade – Instituições ligadas a universidades ou fundações que tenham o maior número de alunos em relação à população do município ganharão mais pontos. Caso estejam na localidade onde o serviço será executado, ganham 35 pontos.
• Tempo de funcionamento – O tempo proposto para o funcionamento diário da emissora também será levado em conta. A lei exige o mínimo de 16 horas de programação. De acordo com a nova proposta, as instituições que oferecerem entre 16 e 20 horas diárias, ganham cinco pontos; e entre 20 e 24 horas, 10 pontos.
Para ver a lista de sugestões enviadas, acesse http://consultapublica.mc.gov.br/consulta/logon.asp . O acesso é feito por meio de cadastro. (B.A.)