Geração de desenvolvedores críticos lança jogos “contra a ditadura do entretenimento”
Sérgio Amadeu da Silveira
Um dos fundadores da Persuasive Games, Ian Bogost, que lançou o jogo Killer Flu (www.clinical-virology.org/killerflu/killerflu.html), afirmou ao jornal Telegraph, da Inglaterra: “Nosso jogo é sobre o aumento da informação e redução do pânico. Jogos têm um poder único que as outras mídias não têm. Permitem compreender como os sistemas operam. A epidemiologia pode realmente ser melhor explicada em um jogo do que na forma de um panfleto ou documentário”.
A força persuasiva e educativa dos games já havia sido descoberta por vários educadores e também pelos ativistas na rede. Na Itália, um coletivo de artistas, designers e programadores criaram o Molleindustria. Seu principal criador, Paolo Pedercini, quer usar a estética dos games para promover a crítica social e política. “Games radicais contra a ditadura do entretenimento”, é o slogan do coletivo. Molleindustria quer usar os games como um ponto de partida para uma nova geração de desenvolvedores críticos e, acima de tudo, para disseminar novas experiências e práticas que podem ser facilmente copiadas e difundidas de modo viral.
No site do Molleindustria (http://molleindustria.org/en/home), podemos encontrar vários jogos desenvolvidos em flash, uma linguagem proprietária, mas que se disseminou velozmente, devido à sua facilidade de uso. Um dos jogos de maior sucesso é McDonald’s Video Game (www.mcvideogame.com/game-por.html), que é apresentado em mais de oito línguas, inclusive o português. Na abertura do jogo, aparece a sua clara intenção: “Ganhar dinheiro com uma empresa como o McDonald’s não é tão fácil quanto parece! Por trás de cada sanduíche há um complexo sistema que você precisa saber administrar: da criação de gado ao gerenciamento da marca, passando pelo abate e pela administração de um restaurante. Você vai descobrir toda a sujeira debaixo do tapete que faz de nós uma das maiores empresas do mundo”.
Segundo Alessandro Ludovico, que apresentou o texto “Molleindustria, o papel do videogame como um meio político” (o texto, em inglês, está disponível no site www.neural.it/art/2007/11/molleindustria_videogame_rules.phtml), o McDonald’s Video Game pretende revelar as consequências catastróficas do capitalismo global aplicada aos alimentos por meio de uma simulação sobre a gestão da cadeia produtiva e de comércio do McDonald’s. Assim, o jogador pode conhecer as implacáveis engrenagens da indústria do fast food, as estratégias necessárias para ganhar mais dinheiro, simular as possibilidades de uso de transgênicos e de hormônios, entre outras decisões claramente praticadas na realidade.
Existem diversos jogos desenvolvidos pelo Molleindustria, entre eles podemos destacar: Oiligarchy, The Free Culture Game (jogo da cultura livre), Operation Pedopriest, Enduring Indymedia etc. No Oiligarchy, o jogador é convidado a ser o protagonista da era do petróleo: perfurar e explorar reservas em todo o mundo, conquistar políticos corruptos, barrar o uso de energias alternativas e aumentar a dependência mundial do petróleo. O jogo torna extremamente clara a lógica e a ação da indústria do petróleo e sua ação devastadora sobre o meio ambiente e sobre a sociedade.
The Free Culture Game é um jogo sobre a luta entre a cultura livre e a indústria do copyright. O objetivo do jogo é criar e defender o conhecimento comum do seu controle e aprisionamento pela corporações privadas. Liberar os consumidores e sua criatividade do domínio do mercado é ação que deve ser executada no jogo. Talvez um dos jogos mais polêmicos e radicais criados pelo Molleindustria tenha sido o Operation Pedopriest, uma vez que de modo bem-humorado denuncia os abusos sexuais cometidos pelos padres católicos estadunidenses. No jogo, o Vaticano criou uma força-tarefa para abafar o caso, evitar que os pecadores sejam capturados e levados ao tribunal, de acordo com a lei dos homens. O objetivo do jogador é controlar as operações para prender os pedófilos mesmo diante do código de silêncio imposto pela instituição religiosa. Já no jogo Enduring Indymedia, o jogador toma contato com o caso ocorrido em outubro de 2004, quando o FBI apreendeu os servidores do site de mídia independente, Inymedia. O FBI afirma que a ordem partiu de um pedido do governo italiano e das autoridades suíças, mas não há nenhuma confirmação oficial. O jogo insinua que a apreensão foi determinada pela gestão George W. Bush.
“A ideologia de um jogo reside nas suas regras”, disse Paolo Pedercini, criador do Molleindustria. Ele acredita que os jogos eletrônicos são mais que declarações, pois se tornam mais claras pela interação lúdica, engraçada e de interfaces e simulações que traduzem o modo como o mercado capitalista e o poder atuam na sociedade. O videogame pode ser um meio legítimo e de grande potencial para defender uma causa social e envolver pessoas em seu apoio. Alessandro Ludovico acredita que a lição que podemos aprender com os jovens do Molleindustria é que a política pode ser divertida e as regras do jogo podem ser usadas como uma língua, desconstruindo as relações de poder.
Sérgio Amadeu da Silveira é sociólogo, considerado um dos maiores defensores e divulgadores do software livre e da inclusão digital no Brasil. Foi precursor dos telecentros na América Latina e presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação.