raitequi – A favela disputa o código

 

A favela disputa o código

Moradores podem e querem dar significado à cultura digital   
Jailson de Souza e Luis Henrique Nascimento

ARede nº 94 – especial novembro 2013

Onze anos após sua fundação, o Observatório de Favelas, junto com a Redes da Maré, com a Avenida Brasil e outras organizações parceiras do Rio de Janeiro, criou as condições institucionais, políticas, culturais e sociais para afirmar um projeto profundamente ousado, embora factível: construir a primeira faculdade brasileira inserida em uma grande favela e, principalmente, dela oriunda. E essa é a novidade central do processo. Não se trata, simplesmente, de trazer a estrutura clássica de uma universidade, com tudo que essa instituição tem de conservador, elitista e hierarquizante, para dentro de um espaço popular. A ideia é construir novas formas de saberes e práticas, simbólicas e materiais, que permitam inéditas formas de reconfiguração do espaço carioca.

Atualmente em processo de construção do seu Projeto de Desenvolvimento Institucional (PDI), o Centro Universitário João Aleixo de Sousa considera diferentes áreas do saber em seus cursos. E, se por um lado, não interessa atuar como mais uma universidade formadora de mão de obra para o mercado, por outro, é preciso considerar os principais campos do saber onde se operam as reconfigurações que a favela quer disputar.

A digitalização de crescentes aspectos do viver – com suas inéditas possibilidades de desenvolvimento humano, mas cada vez mais formatada para o individualismo e a mercantilização –, as ameaças de hierarquização da internet, bem como os recentes episódios de espionagem, são apenas alguns dos indicadores de que seria necessário considerar a criação de um curso no campo da ciência da computação. Fazer uma universidade hoje, sem esse tipo de formação, é como fazê-la em 1500, sem oferecer um curso de navegação.

Dessa forma, apreciando diferentes experiências como o Creative Commons, o movimento do software livre e a economia solidária, a construção dessa utopia social também passa pela chamada disputa dos códigos. E mais do que aprender a montar CPUs e usar o Facebook, os moradores de espaços populares podem e querem participar e dar significado à cultura digital e suas relações de trabalho e política.

O software livre, o barateamento e a universalização das tecnologias, o crescimento do mercado interno e a internet como novo território de disputa e construção de utopias sociais e formas menos hierarquizantes de trabalho e renda, são oportunidades que, mais uma vez, não podem ficar restritas aos habitantes das regiões ditas centrais da cidade – e do mundo. O futuro de todos está diretamente relacionado à universalização do direito à sua construção. 

Jailson de Souza é fundador do Observatório de Favelas; Luis Henrique Nascimento é coordenador da Escola Popular de Comunicação Crítica.