raitequi censura publica e censura privada na rede

raitéqui – Censura pública e censura privada na rede

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Censura pública e censura privada na rede

Nos indignamos contra o Estado quando censura mensagens dos cidadãos, mas deixamos de lado a censura instantânea nas plataformas privadas, um espaço público de comunicação.
Sergio Amadeu da Silveira

ARede nº 85 – outubro de 2012

EM SETEMBRO, um juiz eleitoral mandou prender o diretor do Google por não retirar um vídeo supostamente injurioso contra um candidato a prefeito do Mato Grosso do Sul. Outros juízes chegaram a dar sentenças para suspender o acesso a plataformas como YouTube e outras redes sociais. Mais do que um exagero, é notória a dificuldade do Poder Judiciário em lidar com a comunicação em uma rede distribuída.

Outro fato chamou menos a atenção, mas merece ser amplamente exposto. Várias pessoas, nos últimos meses, tiveram suas páginas e perfis bloqueados e muitas vezes apagados pelos administradores de redes sociais como Facebook e Twitter. Estamos acostumados a nos indignar contra a truculência do Estado quando censura e anula mensagens dos cidadãos, mas deixamos de lado a censura privada e instantânea que tem ocorrido nas plataformas privadas que assumem um papel de espaço público de comunicação.

Os administradores dessas plataformas afirmam que têm regras de conduta e políticas comportamentais que são levadas ao conhecimento dos usuários desde o primeiro momento. Desse modo, quando um usuário fere as regras, o gestor da rede social entende que tem plena legitimidade para adotar as medidas e penalidades indicadas nos termos de aceitação que o usuário clicou em concordância. Essa seria a base para a plataforma atuar contra trolls, spamers, difamadores e outros adeptos de comportamentos inconvenientes.

Aparentemente, os argumentos são simples e as ações decorrentes são bem claras. Mas só aparentemente. O problema está na interpretação de textos, imagens e ações. A questão muitas vezes não é simples e o problema está em decidir se de fato houve ou não violação das regras da rede social. Assim como a denuncia da violação da lei dos Estados nacionais democráticos não gera punição imediata e exige o direito de defesa, todo um rito processual e a intervenção do Poder Judiciário, nas redes sociais o mesmo deveria ocorrer. Um robô e um conjunto de algoritmos dificilmente têm inteligência suficiente para atuar em casos complexos.

Mesmo o mecanismo de denúncia que as redes sociais têm, e que permite que os próprios usuários alertem a plataforma para a existência de conteúdos e práticas impróprias, não pode ser absolutizado. É muito comum a prática de alguns usuários mais apaixonados de denunciar um perfil pela colocação de um post com opinião contrária à sua. O mecanismo de denúncia precisa ainda da inteligência humana para realizar uma avaliação correta dos acontecimentos na comunicação em rede.

As redes sociais são plataformas privadas, mas cada vez mais se constituem como espaços de grande interesse público. Muitas empresas, profissionais e estudantes colocam seus conteúdos nessas redes e, quando mais necessitam, não conseguem mais encontrá-los. Esse fenômeno de censura privada é muito grave e, em alguns casos, pode ser comparado à inaceitável censura governamental.

O grande problema está no equacionamento de direitos em espaços privados, que não necessariamente precisam seguir as regras do Estado. Explico: no meu blog posso aceitar ou não comentários e isso não pode ser considerado um ato de censura. A comunidade de determinada religião pode não aceitar pessoas que não compartilhem de seus dogmas e isso deve ser um direito.

Precisamos separar os bits. Uma coisa é o meu blog, outra coisa é a plataforma que hospeda meu blog. Minha página no Facebook pode só aceitar comentários de amigos, já o Facebook não deveria poder interferir no que eu escrevo, exceto se violar as regras de conduta e os direitos humanos. Como equacionar estas questões? Acredito que o Brasil pode dar uma grande contribuição definindo os princípios de conduta destas plataformas privadas no Marco Civil da Internet.

O Marco Civil está parado na Câmara porque o lobby das operadoras de telecomunicação encontrou apoio no Ministério das Comunicações. Quem perde são os cidadãos que têm sido vítimas de remoção de conteúdos sem ordem judicial ou que recebem ordens judiciais absurdas e exageradas. O Marco Civil pode melhorar significativamente a defesa da cidadania nas redes informacionais.

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Sergio Amadeu da Silveira é sociólogo e um pioneiro na defesa e divulgação do software livre e da inclusão digital no Brasil. Foi presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação.