Chama a Beá!
Reconhecida por seu ativismo e conhecimento das políticas públicas em favor da inclusão sociodigital, Beatriz Tibiriçá está à frente de iniciativas que transformam a realidade brasileira.
Patrícia Cornils
ARede nº 86 – novembro de 2012
A BEÁ É UM DOS milhares de militantes anônimos que escreveram, nos últimos doze anos, a história brasileira da inclusão digital – ou do uso das tecnologias da informação e comunicação em iniciativas de inclusão social. É “quase” anônima, na verdade. Não quer ser celebridade, não aparece na TV, mas é conhecida, respeitada e querida por uma rede enorme de pessoas que trabalham por um país melhor, mais diverso, menos desigual. E, sempre que preciso, sai em defesa de suas convicções.
Nos encontros dos movimentos sociais da cultura digital, é presença obrigatória: “Chama a Beá!”, é o que se ouve, nos corredores e nas plenárias. Não foi mera coincidência o programa Telecentros.BR, que andava capengando ultimamente, ter ganho novo fôlego alguns dias após o discurso de Beá no 2º Forum da Internet, em Olinda (PE) – fala que foi acompanhada atentamente pelo secretário executivo do Ministério das Comunicações, Cezar Alvarez.
Muito antes do digital, do que conhecemos hoje por “sociedade da informação”, Beá fez parte do movimento estudantil contra a ditadura, nos anos 1970. Foi uma das fundadoras do PT de São Paulo. A partir do ano 2000, desde o Governo Eletrônico da prefeitura de São Paulo, na gestão de Marta Suplicy, trabalha em programas de telecentros, faz parte do movimento dos Pontos de Cultura, atua nas oficinas de inclusão digital, faz campanhas pela liberdade na internet, pela democratização das comunicações, por banda larga para todos, pelo governo aberto. Pode procurar pelas fotos dos principais encontros relativos a esses temas. A Beá esteve em muitos. Não só. Ela participou da organização de boa parte deles.
Beatriz de Castro Bicudo Tibiriçá nasceu em 10 de setembro de 1952. Estudou Ciências Sociais na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e logo se integrou ao movimento estudantil e aos movimentos políticos de esquerda. Em 1976, fez parte do Diretório do Centro Acadêmico Livre da Universidade de São Paulo (USP). O DCE Livre se chamava Alexandre Vannucchi Leme, estudante da USP morto no Doi-Codi em 1973, e a diretoria era colegiada, não havia cargos. Pelos jornais, a polícia garantia: “Os estudantes da USP não vão às ruas”. Mas eles iam. Quando a Polícia Militar, comandada pelo coronel Erasmo Dias, invadiu a Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, em 1977, Beá estava lá. Os estudantes realizavam o 3º Encontro Nacional de Estudantes, um passo para reorganizar a União Nacional dos Estudantes, colocada na ilegalidade pelo governo. Era a terceira tentativa de realizar o encontro, impedido em Belo Horizonte e no campus da USP. Detida, Beá declarou, na delegacia: “Sou diretora do DCE livre da USP”. Uma declaração a favor da democracia e um desafio ao regime militar. “Alguém com coragem nessa porra!”, foi a reação do policial, como conta Luiz Antônio Carvalho, o Luizão, que hoje trabalha no Ministério do Meio Ambiente e é também militante, além de amigo da Beá.
Dia 10 de fevereiro de 1980, no Colégio Sion, em São Paulo, foi fundado o Partido dos Trabalhadores. Beá também estava lá. Depois da redemocratização, conta Felipe Cabral, que trabalha no Coletivo Digital, ela entrou para o serviço público como técnica da assembleia legislativa do estado de São Paulo. “Ajudou a compor os primeiros planos de governo dos primeiros candidatos do partido e logo que o então deputado Eduardo Suplicy foi eleito se tornou sua assessora de mandato, ficando envolvida, no final dos anos 1980, com a elaboração da reforma da Constituinte”, diz ele.
Quando Marta Suplicy foi eleita, Beá foi convidada a compor, junto com Sergio Amadeu da Silveira, a equipe do que viria a ser o 1° Governo Eletrônico de São Paulo. Para eles, governo eletrônico não era sinônimo de site de serviços, mas uma possibilidade de democratizar o acesso ao poder público. “Nós pensávamos em fiscalização do poder público a partir dos telecentros, em acompanhamento do orçamento, por exemplo”, lembra Beá. E, detalhe: sempre com software livre . “O software livre, para mim, vem como alternativa e contraponto ao pensamento individualista, competitivo. Permite autonomia e traz uma filosofia de solidariedade e compartilhamento. Foi dessa forma que me ganhou, com o princípio de que o conhecimento é de todos e para todos”, diz a ativista.
Em 2005, Beá e mais 15 pessoas fundaram uma organização não-governamental para agregar saberes e bandeiras em torno dos direitos sociodigitais e do acesso à informação, cultura e educação por meio de tecnologias digitais. A ONG se chama Associação para Democratização e o Acesso à Sociedade da Informação – Coletivo Digital e o nome não foi escolhido alea-
toriamente. “Sempre militei na pegada do Coletivo, assim eram as tendências estudantis, a Refazendo decidia suas posições em plenárias de mais de 200 pessoas. Palavra de ordem era decidida em discussão classe a classe, que desembocava nas amplas assembleias e nas votações significativas nas eleições diretas”, resume Beá. Democracia e participação ampla sempre foram motivações do “motorzinho incessante” da Beá, ressalta Luizão.
Hoje, Beá faz parte das redes Campanha Banda Larga, Telecentros.BR, Pontos de Cultura Digital, Rede para Democratização das Comunicações. O Coletivo Digital é representante do Terceiro Setor no conselho que elege representantes para o Comitê Gestor da Internet. Há pouco tempo, liderou o movimento para manter vivo o projeto Telecentros.BR. Para que o governo federal entregasse os equipamentos às organizações atuantes e para chacoalhar o programa, que estava definhando frente à burocracia e as dificuldades logísticas.
Beá continua na defesa de ideias desenvolvidas a partir de sua experiência em São Paulo. A de que um telecentro deve ser apropriado pela comunidade e de que são as pessoas da ponta que vão gerir e dar sentido a esses espaços públicos. De que é essa apropriação que garante a existência dos espaços de inclusão digital. De que os telecentros são locais de compartilhamento de conhecimento, de organização em torno de projetos da comunidade. Nos últimos tempos, tem pensado sobre a participação da comunidade na elaboração de planos diretores de inclusão digital. E no conceito de que, para receber recursos públicos, as localidades precisam elaborar esses planos. Seria um critério para o governo apoiar instituições, fugindo da burocracia e sem impor iniciativas de cima pra baixo.
“Ela é das pessoas mais generosas que conheço. Sempre pensando potências e buscando entender posições”, afirma Felipe. “Sua rede de amigos é impressionante. Morei doze anos em São Paulo e o melhor da cidade, todos sabem, são as pessoas, os amigos. Beá é, nesse sentido, uma paulistana tipica. Vai ser amiga assim lá em São Paulo!”, brinca Luizão. Uma prova incontestável acontece todo ano, no mês de setembro. O aniversário de Beá é comemorado em, pelo menos, cinco festas, em lugares e com públicos diferentes, mas abertas a quem quiser participar. Uma real celebração da diversidade e da liberdade… como ela gosta. (Colaborou Áurea Lopes)