A tecnologia utilizada para
proteger a chamada propriedade intelectual e coibir a pirataria também
pode permitir a violação da privacidade dos cidadãos e impedir o uso de
software de código aberto. Sergio Amadeu da Silveira
Você gostaria que pessoas desconhecidas pudessem vasculhar e investigar
o seu computador? Você acha correto as pessoas terem suas ligações
telefônicas ouvidas por uma empresa sem autorização da Justiça? Não? Se
você considera que, do ponto de vista da privacidade, invadir seu
computador ou bisbilhotar conversas telefônicas não têm muita
diferença, prepare-se para a realidade do DRM.
Digital Rights Management pode ser traduzido como gerenciador de
direitos digitais. Ficou conhecido também como gerenciador de
restrições digitais. Trata-se de uma tecnologia que pemite aos
proprietários de conteúdos digitais, principalmente empresas de
software, entretenimento, músicas, filmes, e-books e games, determinar
e controlar quem pode e como pode utilizar ou ver o conteúdo de seus
produtos.
A tecnologia do DRM está sendo muito utilizada para que o dono do
copyright, por exemplo, uma gravadora, ofereça downloads de músicas
pela internet. O DRM impediria que a pessoa que pagou pelo download de
uma canção possa redistribuí-la para pessoas que não pagaram. O DRM é,
basicamente, um conjunto de técnicas que utilizam criptossistemas
(codificadores e decodificadores sofisticados) para assegurar a chamada
propriedade intelectual.
É uma tecnologia que permite controlar acessos (número de acessos e até
o tempo de acesso), alterações, compartilhamento, cópia, impressão e
arquivamento. Pode estar embutida no sistema operacional, em um
programa ou em um hardware. O DRM utiliza dois procedimentos para dar
segurança aos conteúdos. Primeiro, a criptografia, para dar acesso
somente aos usuários autorizados e portadores de chaves de decifragem.
Segundo, através de uma marca ou um sinal inserido no conteúdo,
informando ao device que a cópia está protegida. Obviamente, ambos os
procedimentos são vulneráveis e podem ser “quebrados”.
Qual é o problema?
O problema é que a tecnologia e a legislação DRM colocam em risco a
privacidade, o desenvolvimento de código aberto e o uso justo dos
conteúdos de copyright. Vamos por partes. Primeiro, sobre a
privacidade. A tecnologia DRM dá pouca importância para a defesa e a
proteção dos direitos individuais dos cidadãos. Ela exige a
identificação do usuário para acessar um conteúdo protegido, eliminando
a possibilidade de você, anonimamente, acessar um conteúdo. Ao mesmo
tempo, o DRM possibilita que as empresas detentoras de copyright
acumulem informações sobre as práticas de uso e o comportamento de cada
usuário.
As empresas dizem que esses dados são protegidos por políticas de
privacidade. Afirmam que não individualizam os dados e que não
negociarão as informações sobre cada cidadão. Mas quem poderá garantir
que isso não venha a ser feito? O interessante é que a tecnologia DRM
trata cada usuário como um suspeito potencial de violação do copyright,
embora não admita que os cidadãos possam suspeitar e também se
prevenir contra as possibilidades concretas de terem suas vidas
rastreadas pelas empresas que a utilizam.
A Eletronic Privacy Information Center-EPIC (www.epic.org) alerta que a
tecnologia DRM pode resultar na discriminação de preços baseada na
identidade dos consumidores. Isso já ocorre no mercado corporativo de
software. Alguns softwares são vendidos a um preço muito mais alto para
determinadas empresas do que para outras. Essa possibilidade, agora,
pode ser aplicada na discriminação de consumidores, de acordo com os
critérios e interesses das empresas vendedoras de conteúdos digitais.
Ainda segundo a EPIC, muitas empresas de conteúdos não permitem que
sejam transferidos seus arquivos para devices portáveis e fazem isso
utilizando as linhas de código do sistema DRM embarcadas no Windows.
Assim, acabam excluindo do seu uso todas as pessoas que utilizam outros
sistemas operacionais, uma vez que não funcionam fora da plataforma
Microsoft.
Aviso aos navegantes
Uma cláusula da licença Windows alerta-nos para os riscos da tecnologia
DRM, não somente para a privacidade, mas também para o futuro de
aplicativos em código aberto. A licença diz: “ATUALIZAÇÕES DE
SEGURANÇA. Provedores de conteúdo utilizam a tecnologia de
gerenciamento de direitos digitais (Microsoft DRM) contida neste
Produto para proteger a integridade de seus respectivos conteúdos, a
fim de que não haja apropriação indevida de sua propriedade intelectual
– incluindo os direitos autorais – nesses conteúdos.
Os proprietários desse Conteúdo protegido poderão, ocasionalmente,
solicitar à Microsoft que forneça atualizações relacionadas à segurança
para os componentes de Microsoft DRM do Produto que possam afetar sua
capacidade de copiar, exibir e/ou executar um Conteúdo protegido
utilizando software Microsoft ou aplicativos de terceiros que empreguem
Microsoft DRM. Portanto, você concorda que, se você optar por fazer o
download da internet de uma licença que permita o uso de um Conteúdo
protegido, a Microsoft poderá, em conjunto com essa licença, fazer
também, em seu computador, o download dessas Atualizações de segurança
cuja distribuição tenha sido solicitada à Microsoft por um Proprietário
de conteúdo protegido. A Microsoft não irá recuperar nenhuma informação
de identificação pessoal, nem nenhuma outra informação, do seu
computador através do download dessas Atualizações de segurança.”
As instruções de DRM embutidas no sistema operacional de um computador
ou device podem gerar penalidades aos usuários que rodem programas ou
conteúdos que não sejam identificados como “legais”ou “autorizados”. Ao
tentar executar um programa, o DRM poderá forçar um reboot ou destruirá
parte dos arquivos considerados “ilegais”. Isso poderá, também, impedir
que as pessoas rodem ou instalem aplicativos livres ou de código aberto
que não estejam autorizados pela empresa desenvolvedora de seu sistema
operacional.
Para defender a expansão da propriedade sobre os conteúdos digitais, a
indústria de entretenimento e de software proprietário está tentando
ampliar o controle sobre o uso de seus produtos com o objetivo de
evitar a “pirataria”. Mas, ao fazer isso com tecnologias do tipo DRM,
estão destruindo um conjunto de outras exigências de quaquer país
democrático: a liberdade de escolher o que ouvir e o que ver, a
privacidade e o direito de ter uma cópia de qualquer livro, desde que
seja para uso pessoal. A tecnologia DRM precisa ser questionada.