Raitequi – Inclusão digital reduz exclusão social?

Inclusão digital reduz exclusão social?

Não é mais possível pensar em cidadania  sem garantir a inclusão autônoma dos cidadãos às redes informacionais  

Sergio Amadeu da Silveira


É possível pensar
a inclusão social a partir da inclusão digital? A inclusão digital seria uma preocupação relevante em um país que convive com tantos outros problemas sociais? Sem dúvida, é impossível pensar as atividades principais da economia, das finanças e dos governos sem perceber que já não são mais viáveis sem as tecnologias da informação e da comunicação. O sociólogo Manuel Castells tem dito que cada vez fica mais evidente que “a tecnologia da informação é, hoje, o que a eletricidade foi para a era industrial”, ou seja, estamos vivendo um processo tecno-social em que está se distribuindo a “força da informação por todo o domínio da atividade humana”.

Nesse cenário, a sociedade é cada vez mais uma sociedade da informação e os grupos sociais que não souberem processar, encontrar, organizar, armazenar, recuperar e distribuir essas informações poderão ter suas condições de vida degradadas. Além disso, a exclusão das redes digitais elevará ainda mais a exclusão social. Mas as tecnologias da informação são tecnologias da inteligência, aumentam as possibilidades dos sujeitos transformarem informação em conhecimento. Se as comunidades se apropriarem dessas tecnologias e as reconfigurarem para que atendam as suas necessidades serão um poderoso instrumento de combate à pobreza, de elevação da auto-estima e de relacionamento.
Hoje, do ponto de vista da cidadania, a liberdade de expressão passa pelo direito à comunicação em rede. Quem pode fazer um blog, participar de uma rede de relacionamento, escrever um comentário ou subir para a internet um vídeo gravado em um celular tem garantido o seu legítimo direito de falar, de divulgar suas ideias, opiniões e até suas reclamações e denúncias. Quem não tem acesso às redes digitais, quem não tem recursos financeiros para acessar nem mesmo uma lan house, está impedido de se comunicar em uma sociedade em rede. Esse bloqueio, originado nas profundas desigualdades sócioeconômicas de nosso país, é um processo de exclusão inaceitável. Portanto, é preciso ações e políticas públicas de expansão da cidadania. E não é possível mais pensar em cidadania sem garantir a inclusão autônoma dos cidadãos às redes informacionais.

Em muitos lugares da floresta, os povos da Amazônia estão usando a internet para se comunicar, trocar informações, pedir apoio e organizar serviços. A rede está servindo à luta sócioambiental, contra o desmatamento e os destruidores da floresta. Também está assegurando que as comunidades digitalizem seus bens simbólicos e os disseminem pela rede mundial de computadores. A comunicação em rede é cada vez mais fundamental para a diversidade cultural. Agora uma comunidade não precisa esperar que um editor de um grande canal de televisão esteja disposto a cobrir seus eventos culturais. Cada grupo social, cada indivíduo pode portar seus conteúdos para a rede. A interação mediada por computador está reconfigurando o cenário comunicacional e expandindo a diversidade digital.

“Quando uma rede de computadores conecta uma rede de pessoas e organizações, é uma rede social”. Essa frase, dos autores Garton, Haythornthwaite e Wellman, está no início do livro Redes Sociais na Internet, da pesquisadora Raquel Recuero. Trata de um dos mais relevantes fenômenos da internet: a constituição de redes de relacionamento. Os prognósticos que diziam que a rede afastaria as pessoas estava errado. O Orkut permitiu que as pessoas se encontrassem, virtualmente e presencialmente. Sites como Facebook, MySpace, Identi.ca e Twitter asseguram a articulação de milhões de pessoas para fins que elas mesmas definem.

A comunicação digital distribuída – os blogs e as redes sociais – está avivando a participação dos indivíduos em uma gigantesca esfera pública interconectada. Já há dois anos, os sites de maior audiência na rede, excetuando-se os mecanismos de busca e de comunicação instantânea, são repositórios em que o conteúdo é produzido pelos próprios internautas. A rede tem estimulado a participação ativa na produção cultural. Fanfics, Fansubbers, machinimers, blogueiros wikipedianos estão avançando em meio a uma cultura da liberdade. A internet está permitindo que artistas e fãs se comuniquem cada vez mais diretamente, o que está enfraquecendo a indústria da intermediação, o que democratiza ainda mais a criação, seu acesso e a diversificação de conteúdos.

Por fim, a rede das redes, chamada de internet, é uma obra inacabada. Trata-se de um grande arranjo comunicacional construído colaborativamente, sem sede, sem dono, sem ser propriedade de ninguém. Por isso, é um dos maiores exemplos de práticas de compartilhamento da humanidade. A internet nasceu de um projeto militar e foi reconfigurada por acadêmicos, hackers e usuários. Na rede não é preciso autorização de ninguém para se criar conteúdos, formatos e tecnologias. Por isso, não está finalizada e continuará sendo refeita pelas comunidades virtuais, principalmente pelos desenvolvedores de software livre. A rede é uma grande prática social colaborativa e recombinante.