A web irá acabar?
Uma das mudanças mais importantes no mundo digital é o movimento dos internautas da web em direção às plataformas semifechadas que utilizam a internet para o transporte de dados.
Sérgio Amadeu da Silveira
ARede nº 62 setembro de 2010 – Chris Anderson, o legendário editor da Wired, depois de ter criado o termo cauda longa para representar o novo paradigma de comunicação, acaba de escrever um artigo para mostrar a decadência da web. O artigo foi publicado na Revista Wired de agosto e pode ser traduzido como “A web morreu. Vida longa à Internet” (http://www.wired.com/magazine/2010/08/ff_webrip/). Antes de dialogarmos com o seu artigo, vamos lembrar o grande impacto que a web causou na comunicação em rede.
Na Wikipedia, em português, a web é definida como um sistema de documentos em hipermídia que são interligados e executados na internet. A web é a World Wide Web, nome que pode que pode ser traduzido por “Rede de Alcance Mundial”, e também é entendida como a parte da internet acessada por meio de navegadores ou browsers. Foi criada a partir dos esforços coordenados por Tim Berners-Lee ainda nos anos 1980 no CERN- Organização Europeia para a Investigação Nuclear (Suíça). Poucos duvidam que foi a web a principal responsável pela popularização da internet, consolidando o seu modo gráfico e a explosão de sites com imagens, sons e vídeos. A web tornou viável o comércio eletrônico, o ensino on-line, os governos eletrônicos, a blogosfera e as redes sociais on-line.
Então, por que a web estaria em decadência a ponto de Anderson anunciar a sua morte? O argumento dele é simples e contundente. Anderson descreve o dia de um norte-americano normal do seguinte modo: ele acorda e verifica seu e-mail em seu iPad de cabeceira — que é um aplicativo. Durante o almoço ele acessa o Facebook, o Twitter e o The New York Times — três aplicativos mais. No caminho do escritório, escuta um podcast no seu smartphone. Outro aplicativo. No trabalho, ele realiza conversas pelo Skype e interage com colegas no instant messenger. Mais aplicativos. No final do dia, o norte-americano padrão chega em casa, faz o jantar enquanto ouve Pandora, se diverte com alguns jogos no Xbox Live e assiste a um filme sobre o serviço de streaming Netflix. Para Chris Anderson, a pessoa passou o dia na internet, mas não na web.
Anderson acredita que uma das mudanças mais importantes no mundo digital na atualidade é o movimento dos internautas da web em direção às plataformas semifechadas que utilizam a internet para o transporte de dados. Estas plataformas não dependem do browser convencional. Para o guru da Wired, isto está sendo impulsionado principalmente pelo crescimento da computação móvel e, em particular, pelo sucesso do modelo iPhone. Temos aí um mundo em que o Google não pode rastrear, uma vez que nele o HTML não é a regra. É um mundo que aposta na fidelização das pessoas às plataformas dedicadas e que são vendidas com a lógica inversa da web: o conteúdo passa a ser enviado às pessoas em vez de as pessoas irem atrás deles. E um dos fatos mais decisivos para reforçar esta tendência é o interesse das empresas, pois nestas plafaformas fechadas é bem mais fácil cobrar pelos conteúdos digitalizados.
Sem dúvida, a análise de Anderson está longe de ser consensual. Até porque, se ele escreve que a web não é o ponto culminante da revolução digital, o que prevê seria uma contra-revolução. Talvez o centro de gravidade da mídia interativa e de todos os meios de comunicação esteja se movendo para um ambiente de pós-HTML, mas isto pode incentivar aplicações P2P (par-a-par), redes de compartilhamento de conteúdos abertas. Claro que a aposta das grandes corporações do entretenimento vai na direção de aprisionar os internautas em redes que combinem hardwares e softwares, bem como ofereçam facilidades e exclusividades que não poderão ser acessíveis para aqueles que não pagam. Na web, o que ainda prevalece é o modelo aberto. O mundo do iTunes é o mundo fechado.
Segundo uma empresa de análise da Web, a Compete, os dez sites mais visitados eram responsáveis por 31% dos page views nos Estados Unidos em 2001; por 40% em 2006 e por cerca de 75% em 2010. Esta gigantesca concentração do tráfego da web gera um fenômeno de fortalecimento do modelo broadcasting no interior do que deveria ser uma malha mais equitativa de visualizações de conteúdos. Apostando nesta tendência, os grandes grupos de tecnologia e comunicação articulam tentativas de fidelização de internautas, ou melhor, de feudalização da rede. A velha ideia da economia de redes vai sendo tentada pelos estrategistas de negócios da internet: as maiores redes tendem a engolir as pequenas. Por que? A maioria das pessoas querem participar de redes que lhes ofereçam uma variedade de conteúdos e atividades que lhes interessam com a maior eficiência, velocidade, qualidade e o menor esforço.
Em outra direção podemos ver os esforços para facilitar cada vez mais a participação dos internautas na produção de conteúdos digitais. O HTML-5 e a imensa comunidade open source, que continua criando e disseminando seus códigos, e tem facilitado a digitalização crescente. É importante notar que se o modelo da web, aberta e não-proprietária, for suplantado pelo modelo de aplicações de rede fechadas, quem perderá será a criatividade e a diversidade cultural. A disputa é mais do que de tecnologias, é de capacidade criativa daqueles que pensam e defendem a cultura livre versus aqueles que sonham em transformar a internet em uma grande rede de consumidores.