![Ilustração:Ori](https://www.acervo.arede.inf.br/wp-content/uploads/2010/10/raitequi63.jpg)
A volta da música ao domínio público
O projeto Musopen pede doações para comprar músicas que foram regravadas e estão sob copyright, e devolvê-las ao domínio público.
Sérgio Amadeu da Silveira
ARede nº63 Outubro de 2010 – Foi lançada há mais de um ano uma coletânea chamada o “Futuro da Música Depois da Morte do CD” (http://www.futurodamusica.com.br/). Nela, diversos autores discutiram o impacto das redes digitais na chamada cadeia produtiva da música. A grande questão em debate é se a digitalização e a comunicação em rede estão mudando o processo de criação, produção e distribuição de peças musicais.
Escrevi naquela coletânea que nunca foi tão fácil reproduzir uma música. Em nenhum outro momento da história, as pessoas tiveram tamanho acesso às gravações sonoras. A distribuição da música nas redes digitais permitiu que artistas desconsiderados pela indústria fonográfica pudessem expor sua produção para milhares de pessoas, ultrapassando os limites impostos pelos controladores do mercado de bens artístico-culturais e pela indústria do entretenimento. Um dos fenômenos mais impressionantes da digitalização foi a ampliação da oferta de bens musicais na internet, resultante da crescente facilidade de gravar, editar e divulgar um álbum a custos baixíssimos.
As barreiras de entrada para o músico atingir milhares de fãs estão sendo gradativamente reduzidas. O sucesso depende mais da qualidade do que da capacidade de articular e gerenciar negócios artísticos. A atividade de intermediação da cultura está sofrendo um processo de desgaste e mutação. A indústria fonográfica e os controladores das grades de veiculação musical nos rádios e TVs agora enfrentam as redes P2P, os blogs, os videologs, o YouTube e os audiocasts. Na mesma rede em que baixam suas canções preferidas, os amantes da música podem consultar quem são os novos talentos não somente lendo os blogs das pessoas em que confiam, mas também indo até os sites dos músicos e bandas que pretendem conhecer.
O surgimento de licenças Creative Commons deu uma nova opção para músicos que perceberam que a rede deve ser explorada e não combatida. Mas os principais players da indústria fonográfica insistem em manter um modelo baseado na propriedade das peças musicais. Por isso, apostam na ampliação do tempo em que as obras são cerceadas pelo copyright, ou seja, tentam atrasar ao máximo a ida delas para o domínio público.
Recentemente um projeto sem fins lucrativos, o Musopen, dá um exemplo de fortalecimento do domínio público da música que deveria ser seguido em todos os países. O Musopen se dedica ao fornecimento de conteúdos de música livre de direitos autorais: gravações musicais, partituras e livros de música. O projeto está recolhendo doações para comprar músicas, libertá-las do copyright e lançá-las para o domínio público.
A Electronic Frontier Foundation (http://www.eff.org/deeplinks/2010/08/musopen-wants-give-classical-music-public-domain) apoia a iniciativa e divulgou, em seu site, que os amantes da música precisam ajudar o projeto Musopen para libertar algumas sinfonias clássicas dos cerceamentos impostos pelo chamados direitos autorais. O Musopen está procurando resolver um grave problema: enquanto sinfonias escritas por Beethoven, Brahms, Sibelius, Tchaikovsky são de domínio público, muitos arranjos modernos e gravações de som dessas obras são cerceadas pelo copyright. Isso significa que mesmo depois de comprar um CD ou uma coleção de MP3s dessas músicas, você não poderá liberá-las e compartilhá-las, pois seus fonogramas são propriedade das gravadoras.
A proposta do Musopen é mudar esta situação. Para tanto, o projeto está pedindo apoio financeiro para contratar uma orquestra de nível internacional para gravar as composições clássicas. O Musopen pretende liberar todos os direitos dessas gravações para o domínio público. Desse modo, todos terão a liberdade de utilizar as obras musicais na íntegra seja para download, para compartilhar, criar derivações e remixagens, sem os limites impostos pelos intermediários da indústria fonográfica.
A campanha de obtenção de fundos está ocorrendo pelo Kickstarter, um site onde os usuários podem fazer doações em dinheiro para vários projetos criativos. Na verdade, o site trabalha com a promessa dos usuários de enviar recursos para um projecto. O dinheiro só é arrecadado e enviado para o projeto se a meta proposta for atingida. No FAQ do Kickstarter é possível encontrar a explicação de como esse modelo de arrecadação funciona (http://www.kickstarter.com/help/faq).
A campanha desenvolvida pelo projeto Musopen é uma solução criativa que deve ser apoiada pelos defensores da música livre em todo mundo. Também é uma iniciativa que pode ser seguida para liberar as composições da música popular de cada país das barreiras do copyright. No Brasil, temos músicas importantes que estão em domínio público, mas que foram regravadas sob licenças restritivas. Quem sabe podemos realizar um projeto semelhante para o samba e para outros ritmos populares.
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