Diante de controladores de infraestruturas essenciais, é preciso criar novas formas de protesto. SERGIO AMADEU DA SILVEIRA
ARede nº68 abril/2011 – Manuel Castells, em seu livro Communication Power (Comunicação e Poder, ainda não traduzido para o português), escreveu que uma das formas mais importantes de poder da atualidade está na capacidade de criar redes (network-making power) e de programar e reprogramar a sua dinâmica. Além disso, Castells afirmou que a habilidade para conectar diferentes redes estabelecendo formas de cooperação estratégicas é um atributo fundamental de nosso tempo. Foi exatamente essa habilidade que permitiu ao grupo de hackers Anonymous articular milhares de pessoas na Operação Payback, um grande protesto virtual contra as agressões lançadas ao WikiLeaks.
Em dezembro de 2010, após o vazamento de documentos secretos que desmascararam as práticas do governo estadunidense, o WikiLeaks e seu líder Julian Assange tiveram suas contas bloqueadas pelas empresas financeiras Visa, Mastercard, PayPal e PostFinance. Mesmo que Assange e o WikiLeaks tivessem sido condenados por algo, nenhuma dessas empresas tem o direito de impedir que pessoas de todo mundo enviem recursos financeiros para defendê-los ou simplesmente para manter sua ação de expor a verdade sobre os fatos.
De modo unilateral e completamente ilegal, corporações que têm autorização para transferir meios de pagamento se viram no direito de sufocar financeiramente o WikiLeaks. Isso nos alerta para uma situação extremamente grave: esses grupos financeiros transnacionais podem a qualquer momento cancelar nossa conta e bloquear nossos recursos, uma vez que não devem explicações a nenhum país. Na verdade, essas corporações seguem os ditames do governo de sua matriz, sediada nos Estados Unidos. O ataque ao WikiLeaks chama atenção para a necessidade de construirmos direitos dos cidadãos que estejam acima das razões de Estados poderosos e das corporações privadas que controlam serviços essenciais. No mundo cada vez mais integrado, é urgente construimos o equivalente a uma esfera pública transnacional interconectada.
Enquanto não construímos um tratado internacional pelos direitos do cidadão interconectado, temos que efetivamente apoiar novas formas de protesto contra essas corporações ultrapoderosas e contra o poder autocrático da sociedade informacional. Os Anonymous, uma comunidade online associada ao hacktivismo, organizou um protesto que teve apoio de centenas de pessoas em todo o mundo. Articulando a inteligência coletiva e organizando a cooperação entre redes de pessoas indignadas e os hackers, os Anonymous utilizaram a política da hipertrofia dos canais de comunicação dos poderosos grupos financeiros. A mídia, autoridades do banco Mundial e desinformadores de plantão logo denominaram a Operação PayBack de “ataque hacker”. O objetivo era disseminar a falsa ideia de que os Anonymous invadiram computadores e violaram os sistemas de segurança de instituições. A disputa política é antes de mais nada semiológica, diria o professor Pedro Rezende, da Universidade de Brasília.
Mas o que foi essa operação de solidariedade ao WikiLeaks? Richard Stallman, hacker histórico e fundador do movimento de software livre, declarou que “os protestos organizados pelos Anonymous sobre WikiLeaks são o equivalente a uma manifestação em massa. É um erro chamá-los de hacking (habilidade lúdica) ou cracking (quebra de segurança). O programa JSLOIC, que está sendo usado pelo grupo, é pré-configurado de forma que nenhuma habilidade seja necessária para executá-lo, bem como não é preciso quebrar a segurança de qualquer computador. Os manifestantes não tentaram tomar o controle do site da Amazon ou extrair quaisquer dados da MasterCard. Eles entram pela porta da frente e esses sites simplesmente não conseguem lidar com o volume de acessos. Chamar esses protestos DDoS, ou, ataque distribuído de negação de serviço, é também enganoso. Um ataque DDoS é feito com milhares de computadores “zumbis”. Normalmente, alguém quebra a segurança dos computadores (muitas vezes com um vírus) e assume o controle remoto deles, para utilizá-los como plataformas, “botnet” para se dirigir em uníssono a um único endereço (neste caso, para sobrecarregar um servidor). Os manifestantes reunidos pelo Anonymous usaram computadores que “não são zumbis e presumivelmente eram operados individualmente.”
Os Anonymous reuniram a multidão no ciberespaço, usando canais de Internet Relay Chat (IRC) e o Twitter. As pessoas aderiram ao protesto contra o PayPal paralisando por oito horas seu sistema de pagamentos. O PostFinance ficou inativo por aproximadamente 11 horas e o Visa e Mastercard por mais de 12 horas. Esse protesto online foi possível com o JS LOIC, que dispensa instalação do software para quem quer colaborar com a mobilização. Bastava acessar uma página da web para colaborar com os ataques. O JS LOIC consegue rodar em praticamente todos os navegadores, incluindo as versões para iPhone e para celulares com Android.
O resultado de milhares de apoiadores do WikiLeaks acessando os sites das corporações agressoras gerou a incapacidade dos seus servidores de rede processarem tantas requisições. Ao invés de boicotar, a política utilizada foi a de hipertrofiar. O resultado foi o mesmo de um DDoS.
Na sociedade informacional, diante de controladores de infraestruturas essenciais para os cidadãos, é necessário esclarecer a opinião pública da necessidade de novas formas de protesto. As ações do coletivo Anonymous neste início do século 21 equivalem às greves operárias do século 19. No início, as elites declararam ambas ilegais.