Raitéqui



Os hackers e a 
biologia de garagem

a ciência amadora e as comunidades hackers desenvolvem tecnologia recombinada, de baixa complexidade e de ponta.   

Sergio Amadeu da Silveira

ARede nº69 Maio/2011 – Muitas pessoas acreditam que os espaços hackers se limitam à chamada área de tecnologia da informação. Mas a prestigiada revista Nature Online, número 467, trouxe o instigante artigo “Garage biotech: Life hackers” (Biotecnologia de garagem: vida hacker), tratando da biotecnologia de garagem, de como amadores e aficionados por biologia estão descobrindo e encontrando soluções científicas fora das paredes dos laboratórios das megacorporações e distante dos escritórios de patentes.

A Nature esclarece que, nos últimos anos, apaixonados por biologia molecular estão compartilhando experiências realizadas em laboratórios rudimentares, em cozinhas e garagens. Em Cambridge, Massachusetts (EUA), esses encontros têm sido regulares. Mas já se espalham pelos quatro cantos do país.

No editorial, a revista considera que os 
biohackers são manifestações da “ciência cidadã”, em que as pessoas teriam um papel ativo em testes e experimentos científicos. A ciência cidadã é considerada fundamental para estimular o crescimento de toda ciência, além de introduzir novas ideias a partir da diversidade de visões que articula.

Essa mobilização tecno-social também tem sido divulgada sob a sigla DIYbio (Do-it-yourself biotechnology). Quase todos os biohackers são amadores com grande conhecimento em diversas áreas. Projetam seus próprios equipamentos, que chegam a fazer frente aos laboratórios mais avançados. No entanto, os entraves financeiros e políticos existem, principalmente em um país onde o FBI tem peritos à procura de armas de destruição em massa e caça a bioterroristas.

No site brasileiro da Synbiobrasil (http://synbiobrasil.org/category/diybio), uma frase representa bem o que está ocorrendo: “Neste momento, em algum lugar dos Estados Unidos, da Inglaterra ou até da Índia, algum biólogo sintético amador está realizando um experimento na sua cozinha ou garagem”. Os biohackers estão criando, em suas bancadas, armários e estantes, um reforço ao conhecimento e até uma alternativa aos estudos elaborados pelos cientistas profissionais.

Como um biohacker deve descartar uma bactéria geneticamente modificada? Como evitar a exposição aos produtos químicos usados para isolar e manipular o DNA? Essas perguntas começam a chamar a atenção dos comitês de biossegurança e podem gerar uma reação retrógrada à biotecnologia de garagem. Sem dúvida, é preciso que a ciência hacker seja reconhecida e que orientações específicas sejam pensadas para os laboratórios dos cientistas não profissionais. Por isso, é necessário pensar sobre a inclusão de pelo menos um hacker nessas comissões de regulamentação e de biossegurança.

O mais importante seria reconhecer e incentivar essas novas manifestações da ciência. Desde a emergência do movimento de software livre, em meados dos anos 1980, que se disseminou um processo coletivo e inteligente de desenvolvimento de tecnologia avançada que não seguia os ditames das instituições, nem os interesses das firmas e nem mesmo os sinais do mercado. Esses movimentos tecno-científicos se baseiam em práticas colaborativas e no livre fluxo do conhecimento.

Está na hora das agências de fomento no Brasil reconhecerem a ciência amadora e as comunidades hackers que desenvolvem tecnologia recombinada, de baixa complexidade e também de ponta. Seria muito importante que surgisse no campo científico e tecnológico uma ação semelhante a que o ministro Gilberto Gil realizou com o lançamento dos Pontos de Cultura. Editais que apoiem espaços e laboratórios de garagem, para desenvolver nosso espírito criativo, e que podem inclusive melhorar a situação de nosso ensino formal de ciências