Democracia interativa já!
Sem canais abertos os cidadãos não poderão construir o caminho em direção à participação política
Sergio Amadeu da Silveira
Edição nº70 junho de 2011 – 2.869.424 usuários únicos! Este é o número de visitantes, no dia 22 de maio, do site No Les Votes, algo como “não vote neles” (www.nolesvotes.com). Nesse dia ocorreram as eleições municipais e regionais da Espanha. No Les Votes é um movimento independente, que contribuiu para as gigantescas manifestações de 15 de maio, o Movimento 15-M, para denunciar a falência dos grandes partidos espanhóis, a corrupção e a indiferenciação que dominam a política espanhola. O 15-M reivindica uma democracia efetiva e se consolidou com o slogan “Democracia real ya! No somos mercancía en manos de políticos y banqueros” (www.democraciarealya.es).
O No les Votes se organizou a partir da aprovação da Lei de Sinde pelo Congresso de Deputados espanhol, no dia 15 de fevereiro. A lei que leva o nome da ministra da Cultura da Espanha, Ángeles González-Sinde, também ficou conhecida como “ley antidescargas” e tem o nome formal de Ley de economía sotenible. Permite o fechamento de sites e redes P2P que suportem o compartilhamento de músicas cerceadas pelo copyright. A lei de Sinde foi apoiada pelos maiores partidos da Espanha: PSOE, PP e CiU.
Sem estruturas hierárquicas, sem líderes tradicionais ou permanentes, a manifestação de 15 de maio, convocada pela internet sem a adesão de organizações e partidos tradicionais, levou às ruas uma multidão de espanhóis, principalmente jovens, as maiores vítimas do desemprego e dos acertos macroeconômicos para salvar as instituições financeiras envolvidas em operações especulativas desastradas. Contando com a criatividade distribuída na rede de manifestantes, os novos protestantes também se autodenominaram “indignados” e passaram a afirmar sua plataforma para revigorar a democracia.
A praça Puerta del Sol, em Madri, que só no dia 15 de maio acolheu aproximadamente 130 mil pessoas, foi o símbolo da indignação que começou no ciberespaço contando com centenas de blogs e milhares de perfis no Twitter, no Facebook e canais no Youtube – que passaram a se reconhecer nas tags #spanishrevolution, #acampadasol, #yeswecamp, #acampadasevilla, entre outras. As ações distribuídas e descentralizadas buscaram utilizar as tecnologias interativas para democratizar ao máximo as decisões. Até o lema do movimento era definido a partir de votações online (www.democraciarealya.es/?page_id=356).
As praças se tornaram locais de manifestação e de assembleia. O que era debatido nas redes, simultaneamente, influenciava os indignados reunidos presencialmente, que também acabava refletindo a energia e o pensamento das ruas. A contraposição entre o virtual e o presencial foi dissolvida nas manifestações 15-M. Os teóricos que diziam que as redes sociais só eram capazes de vaporizar a política se recolheram diante da contundente evidência de que as redes permitem viabilizar gigantescas manifestações sem o apoio de instituições e da mídia controlada pelas elites capitalistas. A própria pauta que era votada nas manifestações foi construída a partir de ferramentas wiki online. O arranjo das propostas era votado nas praças e na rede. O tweetometro de votaciones (www.platoniq.net/yeswecamp) é um exemplo das possibilidades deliberativas que a rede nos trouxe.
O movimento #democraciarealya evidencia as possibilidades da comunicação distribuída e das redes digitais para a transformação da democracia. Sem dúvida alguma, existe uma crise generalizada das formas de intermediação que agora atinge as velhas estruturas representativas, o parlamento e os partidos. Precisamos pensar uma democracia interativa, mais aberta à participação e ao controle político pelos ciberviventes, os cidadãos conectados. Para tal, é preciso superar as doutrinas finalistas da história, é preciso aceitar o fato de que, se as elites conservadoras não conseguirem domesticar as redes de comunicação distribuídas, as democracias verticalizadas serão superadas pela força contundente de pessoas que não querem apenas votar a cada quatro anos. Querem participar da formulação das decisões que afetam as suas vidas.
Sem dúvida, não basta abrir canais de participação para que uma onda participativa se instale. Todavia, sem canais abertos os cidadãos não poderão construir o caminho em direção à participação política. As redes sociais provam que as pessoas participam, escrevem, comentam, debatem assuntos públicos. As estruturas democráticas podem testar meios e plataformas para captar essa nova postura e essa nova forma de discussão política distante dos diretórios e das reuniões partidárias. A wikipolítica e a gestão peer-to-peer (entre pares) começa a ter exemplos concretos para inspirar aqueles que querem radicalizar a experiência democrática e torná-la mais efetiva e menos superficial.