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Baixar muitos arquivos pode ser crime?

Estudante do MIT responde a processo por usar script para download de “grande quantidade” de documentos. 

Sergio Amadeu da Silveira

ARede nº72 agosto de 2011 – Quando tinha apenas 14 anos, Aaron Swartz foi coautor da especificação do Really Simple Syndication (RSS). A invenção do RSS permite às pessoas se inscreverem em sites que fornecem os chamados  feeds RSS e receberem automaticamente todas as mudanças ou atualizações realizadas na página. Inicialmente utilizado por blogueiros, o RSS hoje é encontrado nos portais de quase todos os grandes grupos de mídia, como a BBC, a CNN, entre outros.

Swartz sempre foi um jovem criativo que tem paixão pelo livre acesso à informação. Em 2008, utilizou um script, uma rotina que automatizou o download de mais de 2 milhões de documentos site do Judiciário Federal estadunidense Public Access to Court Electronic Records (Pacer). Para acessar os documentos do Pacer era necessário um sistema de cobrança online. Swartz usou seu programa para contornar o sistema de pagamento, dando livre acesso à biblioteca dos textos. Por isso, acabou investigado pelo FBI. Mas, como ninguém apresentou uma denúncia formal, seu processo foi arquivado.
No mês de julho, Aaron, com 24 anos completos, foi preso sob acusação de fraude eletrônica, fraude de computador, obtenção de informações a partir de dano a computador protegido. Concretamente, Swartz foi acusado de baixar 4,8 milhões de documentos dos arquivos da editora de revistas acadêmicas JSTOR, violando seus termos de uso e de se esquivar dos esforços do Instituto de Tecnologia de Massachusets (MIT) para impedi-lo.

Segundo a denúncia, Swartz comprou um 
laptop em 2010 e o registrou sob username “fantasma” na rede MIT. Nesse computador, Swartz teria escrito um script em Python que permitiria baixar rapidamente os artigos da JSTOR. A JSTOR detectou o script e bloqueou seu endereço IP. Ainda segundo a denúncia, Swartz repetidamente mudou de IP e de endereço MAC para driblar os esforços da JSTOR e do MIT para bloquear seu acesso. 

Quando  a JSTOR normalizou o acesso da rede do MIT, algumas semanas mais tarde, Swartz teria mudado de técnica para baixar os arquivos. Ele está sendo acusado de ter ido até a sala de servidores da universidade e escondido seu laptop atrás das máquinas, para que não pudesse ser encontrado. Em seguida, a partir da conexão direta nos servidores e livre dos bloqueios e filtros existentes, teria conseguido executar seus 
downloads. A denúncia registrada na polícia descreve que Swartz, quando foi retirar seu laptop do local onde estava escondido, teve o capacete de sua bicicleta nitidamente filmado, apesar de tentar usá-lo como uma máscara para proteger o rosto. 

O governo dos EUA alega que Swartz baixou os arquivos provavelmente para liberá-los em redes de compartilhamento P2P (peer-to-peer). Entretanto, a própria JSTOR reconheceu que o conteúdo baixado não foi usado, transferido, nem distribuído. Em um comunicado oficial, o diretor executivo da organização não-governamental Demand Progress, David Segal, criticou a prisão, afirmando que a ação da policial representa o mesmo que “colocar na prisão alguém que supostamente verificou muitos livros da biblioteca”. Swartz também foi um dos fundadores da Demand Progress, que quer mudar a política estadunidense para atender pessoas comuns e não atuar apenas em função dos interesses das grandes corporações.

Para os representantes do governo, baixar de uma só vez muitos artigos das revistas acadêmicas constitui um crime hacker e deve ser punido com pena de prisão. O interessante é que Swartz, como estudante do MIT, tinha acesso liberado a qualquer um dos artigos que baixou. A atitude criminosa seria o uso de script para baixar muitos artigos. Contra a absurda acusação, um abaixo-assinado em apoio a Aaron Swartz foi lançado e, no dia 1º de agosto, já ultrapassava 45 mil assinaturas. 

O professor Pedro Rezende, da Universidade de Brasília, alerta que caso a lei do ex-senador Eduardo Azeredo, que trata de crimes na internet, seja aprovada pelo parlamento brasileiro, corremos o risco de ter uma base legal para prender pessoas no Brasil que usem algoritmos para baixar arquivos, quando for possível considerar que tal fato se deu “sem a autorização do legítimo titular do sistema informatizado”.

Além disso, um outro artigo da lei Azeredo, o 285-B, estabelece que a pena deve ser ampliada caso a pessoa distribua tais arquivos baixados desse modo, em uma clara tentativa de abrir espaço para criminalizar as redes P2P.  Para acompanhar o desenrolar do caso Aaaron Swartz, acesse o site http://demandprogress.org

Sergio Amadeu da Silveira é sociólogo e um pioneiro na defesa e divulgação do software livre e da inclusão digital no Brasil. Foi presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação.{jcomments on}