OS PRISIONEIROS DA MICRO$OFT
Está aí uma empresa que aposta no aprisionamento dos usuários e não na competitividade de seus produtos Sergio Amadeu da Silveira
ARede nº 74, outubro de 2011 – Em 2007, o presidente da Microsoft do Brasil procurou o embaixador dos Estados Unidos em Brasília para acusar o governo brasileiro de fazer uma campanha mundial pela consolidação de um padrão aberto, o chamado Open Documento Format (ODF – www.cablegatesearch.net/cable.php?id=07SAOPAULO1001). O relato do encontro faz parte dos documentos encontrados no CableGate, os vazamentos de mensagens trocadas entre o governo estadunidense e suas embaixadas, divulgados pelo WikiLeaks.
O Brasil, na gestão do presidente Lula, teve um papel internacional destacado em defesa dos padrões tecnológicos abertos, pela atuação dos seus gestores públicos, pelas contribuições de sua comunidade de software livre e pela enorme competência e dedicação de Jomar Silva, coordenador da ODF no Brasil. Silva estudou detalhadamente o padrão que a “microsoft” resolveu definir como aberto e mostrou suas falhas e incongruências técnicas, contribuindo decisivamente pela não aprovação do chamado OpenXML na primeira rodada na Organização Internacional de Padrões (ISO, na sigla em inglês) sobre sua adoção.
A microsoft participou da formulação inicial que gerou o ODF. Entretanto, a corporação de softwares proprietários percebeu que se o mundo tivesse um único formato para a guarda de documentos poderia perder sua base de usuários, pois a interoperabilidade e compatibilidade plena trariam mais competição para os seus produtos. Por isso, rompeu com o ODF e alavancou um padrão chamado OpenXML, que é um amontoado de especificações do chamado Office da microsoft. A corporação passou a pressionar a ISO para aprovar o OpenXML, pois se o mundo tiver dois padrões, na prática, não terá a plena comunicabilidade e assim as técnicas de aprisionamento de usuários da corporação de Seatle estariam preservadas.
Formatos são as definições para o armazenamento de dados digitais. Podem ser abertos ou fechados. Um formato é aberto quando: está baseado em padrões abertos; foi e é desenvolvido de forma transparente e de modo coletivo; suas especificações estão totalmente documentadas e acessíveis a todos; é mantido para ser usado independente de qualquer produto ou empresa; por fim, é livre de qualquer extensão proprietária que impeça seu uso livre.
Formatos têm grande poder cibernético, pois delimitam, controlam, bloqueiam, aprisionam e criam dependências. Daqui a dez anos conseguiremos ler um texto escrito em um papel, mas será que conseguiremos ler um texto guardado em um formato proprietário feito por um software específico? Será que conseguiremos abrir um arquivo de som armazenado em um formato controlado por uma única empresa? E se a empresa descontinuar o formato? Perderemos nossa memória digital?
Existe uma grande diferença entre a “leitura direta” e a “leitura dos formatos”. Esta última exige a intermediação de softwares. Por isso, precisamos de formatos que sejam seguidos por todos e que permitam que diversos softwares possam abri-los. Desse modo, estaremos livres para usar o programa de quisermos para salvar e abrir nossos arquivos.
Em 2010, o então líder da Apple, Steve Jobs, escreveu um artigo explicando que a Apple não utiliza o formato flash exatamente para não ficar aprisionada pela empresa Adobe (www.apple.com/hotnews/thoughts-on-flash). Jobs afirma que “os produtos Flash da Adobe são 100% proprietários. Só estão disponíveis a partir da Adobe e a Adobe tem autoridade exclusiva sobre sua valorização futura, preços etc.”
No mesmo texto, Jobs alerta que “embora os produtos Flash da Adobe estejam amplamente disponíveis, isso não significa que sejam abertos, pois são controlados totalmente pela Adobe e estão disponíveis somente a partir do Adobe. Por basicamente qualquer definição, o Flash é um sistema fechado.” Jobs sabe que o padrão aberto é o que garante a liberdade de criação e de ação de usuários e de desenvolvedores. Padrões fechados colocam os usuários em prisões lógicas que os tornam completamente dependentes dos desenvolvimentos das empresas que os dominam.
A microsoft é uma das empresas que apostam no aprisionamento dos usuários e não na competitividade de seus produtos. Por isso, sua mais recente cartada de aprisionamento foi anunciada por seus dirigentes para o lançamento do Windows 8. A corporação de Seatle exigirá que as empresas de hardware vendam seus computadores com as instruções de inicialização, a BIOS, criptografadas. Assim, será improvável que um usuário comum possa desinstalar o Windows, instalar o GNU/Linux, o FreeBSD, OpenBSD, e até usar o dual boot, ou seja, os dois sistemas operacionais na máquina. Os estrategistas da microsoft chamam isso de Trusted Computing, que em português pode ser traduzido por “computação confiável”. Para quem? Confiável para a microsoft tentar manter os computadores de seus usuários aprisionados a seus formatos proprietários. Liberte-se!
Leia o artigo de Richard Stallman “Can You Trust In Your Computer?” (somente em inglês) www.gnu.org/philosophy/can-you-trust.html
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